A Síria esquecida
Maristes Alep: Facebook | Twitter
As notícias sobre a Síria foram deixadas de lado. A transferência da embaixada americana para Jerusalém, a tragédia dos imigrantes, as eleições em alguns países europeus, o Trump-Kim-Jong-Un e a copa do mundo de futebol têm ocupado as manchetes dos jornais e da mídia desde a nossa última carta.
Enquanto isso, a situação na Síria continua sendo muito preocupante e potencialmente explosiva. As intervenções ou a presença de certos países no terreno tornam a situação muito complexa, e o futuro incerto, compromete as negociações e aumenta o risco de uma conflagração regional. Os Estados Unidos, com duas bases militares, e a França (ilegalmente estabelecida no território de um país soberano) estão presentes no Nordeste para apoiar as forças curdas que ocupam grande parte do território. Por outro lado, a Turquia invadiu, no final de janeiro, o noroeste da Síria para perseguir os grupos armados curdos e agora está ocupando toda a região de Afrin. Finalmente, Israel lança ataques aéreos no território sírio com impunidade e apoia os jihadistas no sul da Síria. O governo sírio acaba de lançar uma ofensiva para expulsar os últimos grupos armados rebeldes do sul da Síria, da região de Dara'a.
Após a invasão turca na região de Afrin, 27.000 famílias, que somam cerca de 137.000 pessoas, fugiram de suas cidades e aldeias. Eles não levaram nada consigo, exceto as roupas que estavam usando. Eles perderam tudo: a casa, o trator, o gado, o carro… Instalaram-se em 11 aldeias e em muitos acampamentos, incluindo “Acampamento Shahba”, ao redor da pequena cidade de Tel-Rifaat, a 25 km de Alepo. Nós, Maristas Azuis, não pudemos ficar indiferentes ao sofrimento daqueles recém-deslocados; ouvimos o seu pedido de ajuda (não foi o nosso grupo chamado de "O Ouvido de Deus", antes de nos tornarmos os “Maristas Azuis”?).
Depois de um período de hesitação e reflexão, temendo pela vida de nossos voluntários, as forças turcas estando a 4-5 km da Tel-Rifaat, decidimos agir … ir encontrá-los … tentar atender às suas necessidades … cuidar de seus filhos que não frequentam a escola … tornarnando-nos apoiadores dessas famílias. E foi assim que o projeto e a aventura “Camp Shahba” começaram.
Nova missão na aldeia de Kafar Nasseh
Com a colaboração do Crescente Vermelho Sírio, cuidamos de 650 famílias da aldeia de Kafar Nasseh e especialmente de Camp Shahba: um acampamento de 107 tendas para 107 famílias, localizado em meio de um deserto.
Existem 450 crianças que esperam com muita alegria nossas visitas de quarta e domingo, que avistando a nossa chegada na entrada do acampamento e que depois de 2 minutos da nossa chegada estão todos em torno a nós; e nossos voluntários que as fazem jogar bola, desenhar e colorir, dançar, que as introduzem à higiene e lhes ensinam o básico da escrita e da matemática.
110 mães ou avós tornaram-se amigas de nossas voluntárias e se reúnem para ouvir, compartilhar e dar conselhos.
São 107 famílias que nos esperam para conseguir comida e pacotes de higiene, fogões a gás portáteis para cozinhar, garrafas térmicas para manter a água potável, comprimidos para esterilizar água, chinelos, roupas…
Tudo é feito ao ar livre, sob um sol escaldante, com a temperatura que pode chegar a 38-40 graus à sombra. Acabamos de instalar uma grande tenda, que serve como playground coberto, para pelo menos organizar as reuniões com as crianças e mulheres à sombra.
Nós vamos lá pelo menos duas vezes por semana; uma viagem de 1h 30m, vários pontos de controle para atravessar; os 15-20 voluntários são esperados para cada visita com o sorriso e a alegria, muita gratidão e expectativas. Os deslocados estão desesperados, querem voltar para casa ou para Alepo, mas as duas opções estão proibidas.
A situação em Alepo
Em Alepo, a situação de segurança era muito boa desde a evacuação dos grupos armados e a libertação da cidade dos terroristas do Al Nosra.
No entanto, bombas disparadas por rebeldes no Oeste de Aleppo continuam a cair diariamente. No dia 27 de junho, vivemos o pior dia dos últimos 18 meses: muitas bombas caíram em Alepo, em bairros residenciais, causando muitos mortos e feridos. O estilhaço chegou até às nossas instalações. Um dos nossos voluntários quase morreu.
A vida diária está melhorando gradualmente com a restauração da rede hídrica e da eletricidade, embora racionada, e a disponibilidade no mercado de bens e produtos. Pelo contrário, a situação econômica é muito ruim; a taxa de desemprego é muito alta, o custo de vida é muito caro, os salários são muito baixos e não permitem que uma família viva com dignidade e os sírios, que têm meios para pagar uma viagem, fogem do país e não voltam. A maioria das famílias em Alepo ainda precisa de ajuda para viver e sobreviver.
Os Maristas Azuis
Nós, Maritas Azuis, continuamos com a distribuição de alimentos e cestas de higiene para as famílias sob nossos cuidados, mas achamos que depois de 6 anos de ajuda, essas distribuições precisam parar. Acreditamos que a principal prioridade é encontrar um emprego para quem está sendo ajudado. Trabalhando, cada pessoa pode cuidar de si mesma e, assim, tornar-se, finalmente, independente da ajuda recebida durante anos; pode viver com a dignidade do seu trabalho e parar de pensar em deixar o país.
Foi assim que criamos nosso programa “Micro Projetos”. Já organizamos 7 sessões de treinamento para 16 a 20 adultos por sessão. Especialistas ensinam em 48 horas “como criar seu próprio projeto”. No fim das sessões, os candidatos apresentam seus projetos ao júri que os avalia, fornece os conselhos necessários e escolhe os melhores projetos em termos de viabilidade, rentabilidade e sustentabilidade a serem financiados por nós. Em um ano e meio, já financiamos 50 projetos e permitimos que mais de 90 famílias vivam de seus empregos.
Nosso projeto “Coração Feito”, onde as mulheres transformam roupas velhas em peças únicas, que são muito apreciadas, dá trabalho para 11 mães.
Nosso outro projeto “Marie”, para a produção de roupas de bebê de algodão, dá apoio a 24 famílias.
As cartas de Aleppo
Anunciamos, em nossa última carta, a publicação de “Cartas de Alepo”. O livro reúne todas as cartas escritas, desde o começo da guerra, pelo Irmão Georges e eu, enriquecidas com trechos de entrevistas, artigos da imprensa e textos escritos por um de nós. Nosso livro foi finalmente publicado pela editora “Harmattan”. Você pode comprá-lo ou encomendá-lo em livrarias ou on-line nos sites da FNAC, Amazon ou Harmattan. Encorajamos você a comprá-lo, lê-lo ou presenteá-lo. Desejamos que nosso testemunho alcance o maior número de pessoas possível. O jornal “La Croix” acaba de selecioná-lo entre os quatro livros sobre o Oriente Médio que devem ser lidos neste verão (La Croix, suplemento da quinta-feira, 28 de junho).
Projetos dos Maristas Azuis
Todos os nossos projetos continuam graças à sua solidariedade e suas doações.
A ajuda no alojamento das famílias deslocadas, a distribuição das cestas de alimentos e higiene, a distribuição mensal de leite para 3.000 bebês e crianças com menos de 11 anos e especialmente nosso projeto médico que, com o projeto “Acampamento Shahba” e o “ Micro projetos ”, mencionado anteriormente, é um dos três projetos prioritários dos Maristas Azuis. Sim, as pessoas precisam de apoio financeiro com seus cuidados médicos, cirurgias e nosso dever é ajudá-los.
Quanto aos nossos projetos educacionais, alguns estão em suas férias de verão como “Aprenda a Crescer” e “Eu Quero Aprender”, para as crianças de 3 a 7 anos de idade. Outos projetos continuam suas atividades mesmo durante esse período: “MIT” (educação de adultos); “Escola de habilidades”, para o acompanhamento dos adolescentes; “a erradicação do analfabetismo”; “Corte e Costura”; estudo de línguas (project hope).
Acabamos de completar um ciclo de sessões de 4 meses para "o desenvolvimento da mulher". 80 mulheres com idade entre 30 e 80 anos beneficiaram dele. Após uma pausa em julho e agosto, esperamos que a sessão seja retomada com outras beneficiárias. Enquanto isso, estamos organizando reuniões de treinamento e apoio para meninas entre 12 e 15 anos de idade.
Estas são, em resumo, nossas novidades. Estamos seguindo a nossa missão que consiste em “viver a solidariedade com os mais pobres para aliviar o sofrimento, desenvolver o humano e semear a esperança”.
Espero que esta “Carta de Aleppo No 33” encontre você, querido amigo, em boa saúde e desejo-lhe boas férias de verão.
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Alepo, primeiro de julho de 2018
Nabil Antaki, em nome dos Maristas Azuis