26 de setembro de 2017 SíRIA

Carta de Aleppo nº 31 (24 de setembro de 2017)

Nem guerra, nem paz.

É assim que eu posso descrever a situação atual na Síria neste mês de setembro de 2017, seis anos e meio após o início dos eventos que causaram a morte de mais de 35 mil pessoas, destruíram uma grande parte do país, deslocaram um terço da população, exilaram mais de 3 milhões de pessoas e aniquilaram os sonhos e o futuro dos jovens e de muitas gerações de sírios.

Atualmente, todas as partes, o governo sírio e os poderes internacionais têm apenas um objetivo: a erradicação de Daech na Síria após a sua derrota no Iraque.

Os últimos bastiões de Daech são as duas cidades do leste: Raqqa, a autoproclamada capital de Daech na Síria, e Deir El Zor, onde a metade da cidade, seus habitantes e sua guarnição foram cercados pelos jihadistas durante mais de três anos, tendo sidos abastecidos de mantimentos por ar. A primeira foi meio liberada por tropas curdas apoiadas pelos EUA. A segunda cidade está prestes a ser. O exército sírio, apesar de grandes perdas, conseguiu liberar as cidades e aldeias da província de Deir El Zor e rompeu o cerco da cidade entrando em contato com os habitantes assediados. Os sírios de outras cidades sírias, prematuramente, expressaram sua alegria pela libertação de Deir el Zor, que ainda não está completamente livre. No entanto, quando Daech será definitivamente derrotado nas duas cidades e nas aldeias vizinhas, será seu fim na Síria.

Processo de paz só funcionará com acordo político

No resto da Síria, é "nem guerra e nem paz". Sob os auspícios da Rússia, da Turquia e do Irã, em Astana, onde as partes estão negociando há vários meses, vários acordos para a evacuação dos rebeldes dos enclaves que costumavam ocupar em várias regiões foram concluídos e permitiram a passagem deles para as províncias de Idlib, bastião de Al Nosra.

Além disso, vários acordos bilaterais permitiram cessar a luta e a situação em várias regiões: a leste de Damasco, Homs, Idlib …

Os sírios, enquanto celebravam o fim da batalha aqui e ali, estavam preocupados com a continuação do status quo, que leva a um caos prolongado, com a repartição entre as forças de áreas de influência. Isso vai continuar se esse status quo não for acompanhado por progressos significativos nas negociações para alcançar uma solução política do conflito.

Mudança de atitude dos governos árabes

O que nos torna um tanto otimistas, é que a maioria dos governos árabes, ocidentais e turco, que desde o início apoiaram, financiaram e até armaram os rebeldes, principalmente os terroristas, finalmente entenderam que o governo sírio não será derrubado pelas armas, como pensavam e desejavam, e que uma solução política só pode existir mantendo o presidente, amplamente apoiado pela população, o exército sírio e a Rússia. Assim, as várias declarações dos líderes do mundo ocidental indicam que sua prioridade agora é lutar contra Daech e o terrorismo – coisa que o governo sírio vem repetindo há seis anos – e não a queda do regime.

A situação melhora em Alepo

Em Aleppo, a situação melhorou consideravelmente, em todos os níveis, desde o final de 2016, data da evacuação dos últimos terroristas para Idlib, e a libertação da cidade. Como antes de julho de 2012, não há mais Aleppo do leste e Aleppo oeste, mas apenas uma cidade, Aleppo, com vários milhares de anos de idade.

Alguns dos bairros ocidentais de Aleppo, infelizmente, ainda recebem morteiros dos rebeldes situados a 10 km da cidade, no lado de Idlib.

Mas a grande maioria dos bairros está segura e os residentes da cidade vão e vêm, vivendo sem medo de uma carcaça de morteiro ou de uma bala de um atirador.

Um estrangeiro, que seguiu os acontecimentos e o sofrimento de Aleppo, se ele nos visitasse agora, ficaria atônito com o tráfego intenso, a iluminação nos cruzamentos, os cafés que estão sempre lotados, as estradas que são limpas e abertas ao trânsito, os jardins públicos cheios de crianças brincando, os ônibus escolares em operação, as calçadas livres das barracas que eram usadas como lojas e a reabertura de muitas empresas que estiveram fechadas durante a guerra. A água corrente é, novamente, fornecida para nós, pelo menos 2 dias por semana e a luz elétrica, durante 12 a 15 horas por dia.

Ainda problemas com as pessoas refugiadas e deslocadas

No entanto, a situação não é tão bonita como pode parecer. Esta situação de "nem guerra nem paz" não encoraja as centenas de milhares de alepinos, que são refugiados ou deslocados, a retornar. A Organização Internacional para as Migrações declarou que 600 mil pessoas, que são principalmente da província de Aleppo, voltaram para suas casas. Isso precisa ser esclarecido, já que a maioria dessas pessoas foi deslocada internamente e se mudou para outro bairro da cidade ou para outra cidade síria.

Esta situação não ajuda a reconstrução e a recuperação econômica. O custo da vida e o desemprego ainda são muito altos, bem como a pobreza. A maioria das famílias de Aleppo ainda precisa de ajuda para sobreviver.

Maristas azuis

Frente a esta situação e a esses novos desenvolvimentos, nós, os Maristas Azuis, queremos favorecer a reconstrução, concentrar-nos no desenvolvimento humano e no trabalho para construir o futuro dos sírios e da Síria. Desde o início do conflito, no pior momento da guerra em Aleppo, quando os programas de emergência consumiram nossos recursos humanos e materiais, mantivemos nossos programas educacionais e iniciamos novos. E agora, enquanto continuamos com nossos projetos de ajuda, decidimos fortalecer nossos programas de desenvolvimento humano. Acreditamos firmemente que o desenvolvimento humano contribui para o estabelecimento da paz e para a preparação do futuro. No entanto, não vamos parar nossos programas de emergência, pois as pessoas ainda precisam deles.

Ajuda a encontrar emprego

Foi assim que iniciamos um novo projeto que chamamos de JOB, palavrar inglesa que significa “emprego” e lembra também o famoso profeta bíblico, conhecido pela sua paciência, uma qualidade necessária para o sucesso do nosso projeto. Consiste em encontrar empregos para os nossos jovens, incentivar a criação de pequenos projetos e motivá-los a prosseguir a formação profissional. O objetivo é tornar as famílias independentes financeiramente das ajudas que receberam por mais de cinco anos e que provavelmente cessarão em breve; incentivar os jovens a permanecer no país e participar da reconstrução da Síria. Uma equipe de voluntários é responsável pelo projeto. Eles estabelecem listas de ofertas de emprego e demandas e fazem as ligações entre os dois grupos. Eles ajudam os jovens a pensar e realizar seus próprios projetos de trabalho, dando também apoio financeiro. Treinam outros jovens em várias profissões enviando-os, graças ao nosso apoio financeiro, para centros de aprendizado e, finalmente, criam oficinas de produção para criar empregos, garantindo a lucratividade do negócio. É assim que em breve iniciaremos uma oficina para reciclar roupas usadas que proporcionará trabalho a uma dúzia de mulheres.

Programas de educação

Nosso centro de educação para adultos, M.I.T, que começou no final de 2013, celebrou seus quatro anos de existência há duas semanas, com uma reunião na qual convidamos todos os líderes das associações de caridade e desenvolvimento. Durante quatro anos, organizamos 77 workshops de três dias cada, em que 1.404 pessoas participaram e foram lideradas por 28 líderes. Além disso, organizamos duas sessões de 100 horas para ensinar a 35 jovens adultos "como iniciar seu próprio projeto". Ajudamos a financiar os melhores 6 projetos em termos de viabilidade e criação de emprego. Continuaremos essas longas sessões sobre o mesmo tema, a fim de dar a todos os jovens a oportunidade de aprender a criar seus próprios negócios e, se necessário, os financiaremos.

Em parceria com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PDNU), vamos abrir uma oficina de roupas para bebês e crianças, que servirá de trabalho para 24 pessoas, O workshop é liderado por um Marista Azul. Também vamos liderar, por dois meses, a pedido do PDNU, três projetos com o objetivo de renovar os vínculos, talvez tensos e às vezes quebrados pela guerra, entre as diferentes partes da população de Aleppo, para curar as feridas e reparar o tecido social da Síria de amanhã.

Todos os outros projetos educacionais continuam. Os dois projetos para as crianças de três a seis anos, "Aprender a crescer" e "Quero aprender" retomarão suas atividades com as crianças em 2 de outubro, depois que os 24 professores passaram todo o verão criando nossos próprios programas educacionais. A equipe de "Skill School" para os adolescentes trabalhou arduamente para preparar o programa para o ano. "Corte e Costura" continua com as esposas, mães e meninas, "Erradicação do analfabetismo", "Hope" e "Douroub" irão reiniciar suas atividades em breve. Estamos tentando, através de todos esses programas, capacitar as pessoas, preparar seu futuro e dar-lhes as ferramentas para ter uma atividade profissional que lhes permita viver.

Programas de assistências

Nossos programas de ajuda continuam. Acreditamos, depois de uma profunda reflexão e diálogo dentro de nossa equipe, que a assistência à população ainda é necessária e que o momento para reduzir o volume de nossa ajuda ou para parar ainda não chegou. Especialmente porque muitas de nossas famílias estão sem recursos, e, algumas vezes, o marido foi chamado como reservista. Continuamos a distribuir cestas de alimentos e higiene todos os meses a cerca de 1.000 famílias. Ajudamos as famílias deslocadas a pagar o aluguel de suas casas, distribuímos água para quem precisa dela. No início do ano letivo, demos a todos os responsáveis das famílias ajuda para comprar suprimentos escolares. Nosso programa "Drop of Milk" está em seu 29º mês de distribuição de leite para crianças menores de 10 anos.

Assistência médica

Quanto aos nossos dois programas médicos, temos o prazer de anunciar que o projeto "Civis feridos pela guerra" tem, graças a Deus, diminuído devido ao menor número de feridos de guerra em Aleppo desde sua libertação. Por outro lado, o nosso programa médico para ajudar as pessoas doentes, incapazes de bancar a própria assistência ou de serem operados, está se tornando enorme, dado o número de pessoas que precisam.

Campo de verão

No verão, organizamos nos nossos espaços, um clube de verão onde famílias e seus filhos pudessem se relaxar, brincar e passar momentos agradáveis tomando um café ou um refrigerante com seus amigos.

Descobrindo respostas à nova situação

Nos últimos seis anos, passamos por períodos diferentes quando tivemos que nos arranjar com diferentes meios. A situação atual de "nem guerra, nem paz" é uma das mais difíceis porque nossas respostas à situação não são óbvias. Requer reflexão constante e adaptação às novas necessidades e, da parte de nossas famílias beneficiárias, uma reabilitação para a paz tanto desejada. Queremos semear esperança nas pessoas e vê-las prosperar com confiança, serenidade e amor.

Novos Horizontes

O Instituto Marista, parceiro dos Maristas Azuis, com quem compartilhamos o carisma e a espiritualidade, está atualmente realizando seu XXII capítulo geral na Colômbia, durante o qual os Irmãos definirão a orientação da congregação para os próximos anos e elegerão uma nova equipe de governo. A escolha da Colômbia para acolher o capítulo, ao invés da tradicional Casa Geral, é significativa para a vontade da congregação de se abrir para "Novos Horizontes" e enfatizar a paz que se está construindo neste país, onde a população sofreu uma guerra que durou décadas. Nós também, os Maristas Azuis, sonhamos em avançar rumo a novos horizontes, rumo à construção de um novo começo, para construir juntos a vida, a harmonia, a cidadania responsável e a paz. "Nem guerra, nem paz" foi o título desta carta de Aleppo nº 31. Daqui a três meses, possa a carta no. 32 dizer: “nenhuma guerra, mas verdadeira paz”.

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Aleppo, 24 de setembro de 2017

Nabil Antaki, em nome dos Maristas Azuis

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