Com Maria, ide depressa para uma nova terra!
1 – Pais sem pátria
A pátria é definida como « a terra dos pais ». Se voltarmos às origens do povo judeu, descobrimos pais – Abraão, Isaac e Jacó – sem terra. Na verdade, eles vivem entre duas terras: aquela que abandonaram, mas na qual vão procurar suas mulheres, e aquela em que habitam como estrangeiros; terra que lhes é prometida e, no entanto, ainda não lhes pertence. Assim, o povo judeu tem “pais sem pátria, sem terra, em busca de uma Terra prometida!”
Mas, esses pais sem pátria, não são pais sem Pai. Pelo contrário, é o que eles já têm de original e de mais precioso: Deus estabelece com Abraão, Isaac e Jacó, relações únicas: “Ele será seu Deus e deles haverá de nascer seu povo!” Deus é para eles o primeiro tesouro, a verdadeira Terra Prometida, a Terra eterna. Todos os filhos de Abraão, todos os nascidos da fé de Abraão estão a caminho para Deus, Terra Prometida. Todos esses pais sem pátria já têm sua pátria e, ao mesmo tempo, estarão constantemente a caminho, como toda a humanidade, rumo à Terra Prometida. Essa Terra é o Alfa e Ômega da aventura humana, mas ela começa a concretizar-se com Abraão, com a promessa de uma terra que é, primeiramente, uma realidade espiritual, antes de tornar-se essa ponta de território denominado Terra Santa, pálida imagem da verdadeira Terra Prometida. Se Deus é o Pai de nossos pais na fé, qual pode ser a Terra Prometida senão ele mesmo, já dado e nunca totalmente possuído.
Quando nosso documento capitular coloca diante de nossos olhos a Terra Nova, pensamos nós a essa presença de Deus? A essa procura de Deus? A essa caminhada orientada para o coração, para o interior? Sim, o Documento faz, antes de tudo, alusão a uma caminhada de conversão, a uma abertura maior para o Senhor. Ainda que nossos passos nos devam levar ao homem, precisamos, primeiramente, empreender um retorno para o interior, para aquele que é o tesouro, a Terra Prometida, a Terra sempre Nova para a qual nossos passos devem acompanhar os passos de nossos irmãos e irmãs. Não se trata de uma abstração; é uma prioridade. Se não for assim, o que teremos para oferecer aos homens, aos jovens, às crianças?
2 – O deserto como pátria
Não é agradável ter « o deserto como pátria”. Mas é o caminho para a liberdade; a condição para sair da escravidão, mesmo amada, mas indigna do homem que, por natureza, deve ser livre. O deserto é simplesmente um lugar de purificação, de passagem, uma prova, o lugar onde o povo aprende a ser livre.
Mas é nessa terra hostil que um Povo é formado e a Lei lhe é dada. A terra árida produz um Povo, a partir do que não passava de um punhado de fugitivos; nessa terra ingrata, a Lei é esculpida.
Não é ainda a Terra Prometida, mas já é um Povo que nasce; já é uma Lei, alma desse povo. No deserto, Javé, o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó se torna o Pai de um povo. Esse povo ainda não tem pátria, mas tem um Pai, uma Lei e se reconhece como Povo de Deus.
Enquanto o povo ainda ruma para a Terra Prometida, são adquiridas realidades importantes; realidades bem maiores, mais duráveis, que o território geográfico para o qual o Povo de Deus se dirige. Elas são dadas e recebidas a caminho.
Pode ser que isso nos dê coragem: colocar-se a caminho já representa uma chance de receber dons mais importantes do que missões concretas.
3 – Um povo que perde sua Terra
O povo de Israel, partindo para o exílio, perde sua terra, sua pátria, e constata estar caminhando para o exílio, longe de Jerusalém. Terra de lágrimas, às margens dos rios da Babilônia, com as harpas da alegria dependuradas em plangentes salgueiros.
No entanto, a esse povo de exilados é dado um coração novo, um espírito novo, uma mística mais refinada. Ele perde seus reis; perde seu Templo; mas, cresce nele uma Palavra de Deus mais forte, mais iluminadora, mais humana; em seu meio falam profetas novos que fazem sonhar bem além de um reino terrestre. Profetas que fazem descobrir um Deus, mais Pai do que soberano…
Mesmo essa trilha amarga do exílio, que é preciso percorrer às pressas, produz frutos de purificação e de humanização. Esse povo assim purificado é disseminado entre outros povos, em Terras que parecem estrangeiras e onde, no entanto, ele prepara o terreno para o Evangelho. A diáspora é a verdadeira pátria de Paulo.
4-Um povo que perde seu Templo
O sonho da Terra Prometida tende sempre a esvaziar-se: é o desejo de uma terra, de algo palpável, de um povo de puritanos que se tranca nos muros da lei, do Templo, da Terra dita santa. É o sonho de Ezequiel contra o sonho de Isaías.
Deus e os Romanos se encarregam de arrancar o centro, o coração, o Templo desse povo, como mais tarde a história encarregar-se-á de tirar ao papado todas as suas terras.
O novo povo de Israel vai escolher um novo templo: as Escrituras, que nenhum inimigo pode destruir, mas que não podem viver a não ser pelo amor de seus fiéis.
Quando a terra é arrancada ao povo judeu, este adquire, no sofrimento, uma liberdade bem maior, um culto ao Deus que ele encontra em toda parte e que ele adora “em espírito e verdade” (Jo 4,23). A terra desaparece, mas a alma se fortalece. Isso pode parecer um paradoxo: quanto menos território, mais valores espirituais. E, no entanto, tudo isso é como que tirado, por antecipação, pela utopia da Terra Nova. A utopia pode abortar o território, o estado, a nação, as fronteiras, e então a luz do povo de Deus se extingue. Mas a utopia pode ser também generosidade, ir ao encontro dos outros, humanização dos mais abandonados: o céu vem habitar entre nós, o Verbo se faz carne, o Verbo se torna irmão.
5 – E Maria?
Ela parte, depressa, para uma nova terra, mas não para fazer dela a sua pátria. Parte depressa, para levar o filho da Promessa. Parte em direção ao sinal que lhe dera Gabriel, porque o sinal faz parte da graça da Anunciação e contém em si todas as graças da Visitação. Na jovem Maria há audácia e muita fé. Sua ida implica e vai significar a alegria e o canto de Isabel, o canto do Magníficat, o cântico de Zacarias, o filho proclamado Senhor, Salvador, Sol do alto.
6 – E nós?
A história do povo judeu nos ensina que, quanto mais ele é pobre em terra, território e pátria, mais ele é irradiante. Mais os judeus são pobres, mais eles são filhos de Deus, o que recorda a primeira bem-aventurança.
Maria, que faz parte dos anawim, não tem outra riqueza além do filho. Esse menino desperta a fé e a alegria na família de Isabel. Maria nos revelou a condição primeira para partir depressa: sentir-nos ricos com o menino. O Capítulo não nos convida a ver uma mulher que chegou, mas uma mulher que parte, uma mulher a caminho. Lucas faz da estrada o lugar da evangelização e da salvação. O caminho leva a Jerusalém, depois a Roma, finalmente, aos confins da terra. Os homens e as missões nos esperam ao longo da estrada, e eles mesmos são a Nova Terra.
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Giovanni Bigotto, FMS