12 de agosto de 2014 COREIA DO SUL

Coreia, terra de mártires

Por ocasião da visita do papa Francisco à Coreia do Sul para participar do VI Dia da Juventude da Ásia (14-18 de agosto), apresentamos aqui breve diálogo com os Irmãos Jacobo Song e Alfredo Herrera, que durante este ano participam em Manziana, Itália, do curso de formadores.

O Ir. Jacobo Song foi o coordenador do Setor da Coreia durante os primeiros 6 anos da nova Província de East Asia e antes era o diretor do Centro de Chungju para as pessoas com deficiência mental.
O Ir. Alfredo Herrera, natural do México, chegou na Coreia como missionário em 1975 e, desde então, realizou diversas atividades, entre as quais a ajuda na formação tanto no país quanto no centro de formação MAPAC, nas Filipinas

Sabemos que o cristianismo na Coreia foi introduzido de maneira muito especial. Poderiam nos descrever brevemente como se introduziu a fé cristã na Coreia?

Jacobo Song: Foi no final do século XVIII, alguns anos após o nascimento de nosso Pe. Marcelino Champagnat, que considero ponto de referência que alguns estudiosos e autoridades da Coreia, durante suas visitas à China, entraram em contato com alguns livros católicos. Esses livros estavam evidentemente escritos em caracteres chineses. No entanto, essa escrita já era utilizada na Coreia e era conhecida amplamente por acadêmicos e pesquisadores de nosso país.

Alfredo Herrera: De volta à Coreia, alguns desses estudiosos formaram um grupo de pesquisa para examinar e estudar esses livros, que chamaram fortemente sua atenção e começaram organizar o que liam. No grupo existia um desejo de se encontrar novas ideias e formas, pois a sociedade de sua época era atingida por problemas de estagnação e corrupção.

Jacobo Song: Aconteceu então que, em uma dessas visitas, em Beijing, Yi Seung-hun foi batizado com o nome de Pedro, em outubro de 1784. Seu regresso ao país marcou o momento que podemos chamar de estabelecimento da Igreja na Coreia. Assim, nossa Igreja Coreana tem a honra de ter introduzido o cristianismo não por missionários estrangeiro, mas por leigos de nossa própria terra.

Foram canonizados 103 mártires coreanos, o que significa que houve algum tipo de perseguição religiosa. Quando isso aconteceu?

Jacobo Song: A perseguição por motivos religiosos não aconteceu apenas uma vez, mas em diferentes momentos desde 1791 até a segunda metade do século XIX. Foram, portanto, cerca de cem anos de perseguição intermitente. As investigações realizadas sobre esses acontecimentos indicam que, ao longo desse período, foram cerca de 10.000 os fiéis mortos por serem discípulos de Jesus.

Alfredo Herrera: Sim, são 103 mártires canonizados, incluindo dezenas de missionários franceses. O Papa Francisco, em sua visita, beatificará outro grupo de 124, incluindo alguns dos primeiros mártires cristãos.

Qual é a situação atual da Igreja Católica no país?

Jacobo Song: Foi apenas em 1895 que o catolicismo pode usufruir de liberdade “oficial” na Coreia, embora durante os anos da ocupação japonesa sua atividade foi fortemente restringida. Só após a libertação, em 1945, a Igreja teve maior liberdade, embora o país ainda sofresse as consequências desastrosas da guerra entre o norte e o sul de 1950 e 1953.

Alfredo Herrera: De fato, a partir desse momento, a Igreja se desenvolveu fortemente. Quando cheguei à Coreia em 1975, a porcentagem de católicos representava 3% da população. Hoje supera 9%, ou seja, são cerca de 4,5 milhões de fiéis católicos.

Obrigado pelas informações tão interessantes. Desejamos saber também algo sobe a presença dos Irmãos Maristas na Coreia. Seu início, seu apostolado atual, o número de irmãos, sua perspectiva de futuro…

Alfredo Herrera: A presença marista na Coreia começou em 13 de setembro de 1971. A Província do México Central, respondendo ao chamado do então Superior Geral, Ir. Basílio Rueda, comprometeu-se a enviar 8 Irmãos à Coreia, com a finalidade principal de iniciar a vida marista autóctone com a maior brevidade possível. Deus abençoou a generosidade dos irmãos e logo um grupo de rapazes se interessou pela vida marista.

Jacobo Song: Concretamente, o primeiro grupo de 3 Irmãos professos celebrou sua primeira profissão religiosa no dia 2 de fevereiro de 1976, depois de haver vivido algum tempo com os Irmãos.

Alfredo Herrera: As profissões se sucederam praticamente a cada ano por duas décadas. De fato, durante os últimos vinte anos, as vocações não são já tão numerosas, mas Deus segue nos abençoando com algumas.

Jacobo Song: Atualmente o número de Irmãos coreanos é de 20. Um Irmão está trabalhando no Camboja, Distrito Marista da Ásia, outro em uma das comunidades das Filipinas e outro mais reforçará a comunidade de Kobe, no Japão. Nós dois estamos em Manziana, participando do programa de formadores e o resto está no país em 5 comunidades.

Alfredo Herrera: No final de 2007 a Coreia deixou de ser um Distrito independente da Província do México Central e passou a integrar a nova província da Ásia do Leste. Na organização da nova província o Japão também passou a tomar parte do Setor Coreia-Japão.

Jacobo Song: Três das comunidades estão em Seul e as outras duas na província de Chungcheong do Norte.

Alfredo Herrera: Uma das comunidades de Seul vive no que podemos chamar de “Casa Central do Setor”. Os Irmãos que formam essa comunidade realizam atividades diferentes. As outras comunidades são formadas pelos Irmãos que trabalham no que denominamos “Centro Educativo Marista”. Atualmente, esse centro está sendo reformado e concentrará os irmãos que já trabalham nesse centro, assim como a casa de formação, que atualmente funciona em uma pequena casa alugada ao lado de nossa propriedade. A situação das outras comunidades, ao norte da Coreia, é a seguinte: uma delas está nos arredores da cidade de Chungju e a outra na região montanhosa em um lugar entre as cidades de Chungju e Jecheon.

Jacobo Song: Na Casa Central de Seul vivem os irmãos que trabalham em um centro infantil para crianças do lugar chamado “Jiok adong Center” e realizam diversas atividades dentro e fora da Casa: aconselhamento de adolescentes, manutenção da propriedade, administração e secretaria setorial, etc. No Centro Educativo Marista os Irmãos organizam programas, retiros e cursos que são oferecidos às pessoas em geral ou recebem grupos de diversos tipos que solicitam a utilização do Centro para realizar seus programas de educação, de espiritualidade, culturais, etc. Há uma grande diversidade de atividades. Em seu gênero, esse Centro é um dos mais antigos do país. No edifício, uma vez reformado, viverão também os aspirantes e postulantes maristas junto com os formadores.

Podem falar um pouco mais sobre as atividades dos Irmãos na Coreia?

Alfredo Herrera: Os Irmãos desenvolvem uma atividade que me parece estar muito em sintonia com o coração de Marcelino. Como sabem, as crianças vivem em um ambiente de forte competição acadêmica. Aqueles cujas famílias têm recursos suficientes, após as aulas regulares da escola frequentam cursos particulares onde continuam a estudar as diferentes disciplinas ou aprendem a tocar piano, a praticar taekwondo e caratê ou qualquer outra atividade cultural. As crianças e jovens das famílias com poucos recursos precisam se resignar a “ficar para trás e perder a competição”, pois seus colegas estão sempre melhor preparados para as avaliações acadêmicas que dão acesso às melhores oportunidades educativas.
Diversos grupos e organizações, sensíveis a essa desigualdade, organizaram esses centros de estudo extraescolar para essas crianças sem recursos. Nosso centro é um desses lugares. Aprovado pelo governo local recebe o nome de “Centro Infantil Marista para crianças locais” e recebe apoio econômico do governo local. O melhor disso é que o centro funciona pela generosidade de voluntários que ensinam as crianças alguma disciplina ou organizam alguma atividade. A criatividade e o entusiasmo dos Irmãos fizeram com que diversas empresas e grupos ofereçam às crianças e jovens do centro a oportunidade de poder participar de alguma atividade interessante, organizada e financiada por eles. No entanto, é sobretudo o carinho, o interesse e a atenção dos irmãos e voluntários a cada uma das crianças e jovens que se dirigem ao centro que fazem com que se sintam “pessoas” de verdade e não mais um número… De fato, esse centro oferece toda a atenção a crianças e jovens com desvantagem acadêmica, financeira, afetiva e social.

MaristJacobo Song: A comunidade dos arredores da cidade de Chungju é um centro de bem-estar social que atende a crianças e jovens com algum tipo de deficiência mental. Quem pode, frequenta a escola local. Todos aprendem algum tipo de atividade que pode ajudar a viver com alguma ou total autonomia de acordo com suas possibilidades. Esse é um trabalho que exige paciência e carinho, realizado por um grupo de cinco irmãos e um grupo bem preparado de professores, educadores sociais e irmãs idosas encarregados de ficar atentos às necessidades dos estudantes no âmbito da vida do internato. Como instituição de bem-estar social, o governo da cidade de Seul, ao qual o centro está administrativamente vinculado, apoia financeiramente o trabalho realizado, enquanto que a ajuda de muitas pessoas amigas, que contribuem com dinheiro ou serviço pessoal, permite aos Irmãos completar e dar uma atenção ainda maior às necessidades de nossos estudantes.

Alfredo Herrera: Por último, a comunidade da montanha, entre as cidades de Chungju e Jechon, oferece à Igreja e à sociedade coreana um centro de espiritualidade em contato e harmonia com a natureza. Iniciado há vários anos, esse centro ecológico, como poderia ser chamado, oferece a todos, mas especialmente às crianças e jovens das paróquias, escolas, grupos e famílias, uma nova experiência em contato com a natureza, pois a maioria vive na cidade. Diversos tipos de programas, retiros e seminários são oferecidos nesse lugar, programados conforme as necessidades dos grupos que participam. As crianças entram em contato com animais, plantas, um riacho, verduras e legumes cultivados nesse pedaço de terra e montanha. Nesse lugar também está sendo desenvolvida uma experiência de comunidade mista. Convivem com os irmãos um sacerdote diocesano, que desejou viver conosco, e duas mulheres, que compõem a comunidade e ajudam na preparação das refeições para os grupos que se dirigem ao centro. Um irmão das Filipinas logo integrará essa comunidade. Ele já está em Seul estudando o idioma coreano.

Por último, quais são as expectativas da visita do Papa em agosto?

Jacobo Song: O Papa desperta na Coreia uma grande expectativa. A presença do Papa Francisco no VI Dia da Juventude da Ásia, sem dúvida aviva em todos a esperança de que muitos jovens se sintam fortemente estimulados a participar mais ativamente na vida da Igreja. Os jovens têm sido nos últimos anos, e creio que continuam sendo, a preocupação número um da atividade pastoral da Igreja Coreana. Outra grande expectativa da Coreia em relação ao Papa é que sua visita ajude de alguma forma a caminhar mais decididamente pela trilha da reconciliação entre as duas partes do país divididas há mais de 60 anos. Uma expectativa pessoal é que a presença e o exemplo do Papa sejam estímulo para que tanto a hierarquia da Igreja como nós todos, seus agentes pastorais, aprendamos a viver com maior simplicidade, humildade e proximidade com as pessoas e deixemos de lado nossa tendência a ser “classe social”. Estamos aqui para servir e não para ser servidos. O Papa Francisco nos dá claramente o exemplo.

Alfredo Herrera: A beatificação de 124 mártires coloca novamente diante de nossos olhos o exemplo de tantos leigos que souberam dar suas vidas por Jesus. Que todos nós aprendamos a viver cada dia como verdadeiros seguidores de Jesus. Coreia é terra de mártires!.. E nós temos a obrigação e a tarefa de seguir as pegadas de nossos antepassados.

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