31 de maio de 2010 CASA GERAL

Da sala capitular à sala comunitária

A comunidade da Administração geral incluiu, em seu projeto comunitário, a iniciativa de reservar um tempo para refletir e partilhar, em comunidade, sobre algum tema importante. Como estávamos diante do mês de maio, promoveu-se uma chuva de ideias sobre possíveis maneiras de homenagear de modo particular a Maria. Entre outras, veio a proposta de aprofundar o tema do ?rosto mariano? da Igreja, que o Ir. Emili Turú, SG, fizera ressoar em nossos ouvidos e em nosso coração, na conclusão do Capítulo.

As coisas aconteceram de modo muito simples. O Conselho geral havia começado a sessão plenária. Durante o mês de abril, o Ir. Emili Turú, SG, propôs um encontro com a comunidade da Administração geral. O motivo era o interesse do Conselho geral de escutar os Irmãos da comunidade sobre como cada um percebera o Capítulo geral.

A maioria de seus membros estivera presente em Roma, durante a celebração do Capítulo. Alguns tiveram a oportunidade de freqüentar a sala capitular de modo habitual como tradutores, comunicadores, técnicos ou secretários. Outros permaneceram na casa e colaboraram com os capitulares, através de diversas tarefas de apoio. Viveram próximos àquilo que o Capítulo viveu e recomendou, a partir de situações diversas.

O Ir. Emili Turú, SG, propôs, no início da reunião, uma dinâmica em que cada um podia expressar a ressonância do que percebera no Capítulo, segundo a situação pessoal. Os Irmãos que haviam estado na Casa geral receberam cartões amarelos; os membros da comunidade que tiveram acesso à sala capitular receberam cartões brancos e os que haviam sido capitulares, cartões azuis. Cada um foi convidado a escrever uma palavra-chave em cada cartão, fazendo referência a uma realidade capitular que o impressionara significativamente. Uma vez escritas essas palavras, os cartões foram colocados no chão de modo a agrupá-los segundo temas que tinham alguma relação.

Foram escritos 47 cartões ou contribuições; 11 provinham dos Irmãos que haviam sido capitulares, 12 dos que estiveram na sala capitular prestando algum serviço, e 24 provinham dos Irmãos da comunidade que prestaram outro apoio ao Capítulo, permanecendo na Casa geral. Resultaram 19 grupos de ideias mais ou menos relacionadas entre si. O grupo que teve maior confluência era integrado por 13 Irmãos, destacando o diálogo e a metodologia do consenso, como algo muito significativo nas ocorrências do Capítulo. Três grupos, com sete pessoas cada um, ressaltaram três temas significativos: Maria, o carisma marista e a novidade da mudança. Em seguida, a dinâmica pediu que o grupo dialogasse sobre o resultado que tinha diante dos olhos. Houve perguntas e pedidos de esclarecimento; foi aprofundado o alcance de algumas palavras escritas; certas expressões e contribuições foram matizadas.

Uma pergunta sobre a palavra Maria foi ocasião para que se partilhasse o que havia acontecido, na sala capitular, com referência à expressão ?Igreja mariana?. Foi observado, então, que a expressão ?Igreja mariana?, durante o Capítulo, não entrara na sala capitular pela porta principal. Foi mais bem um tema flutuante, quase como uma garrafa em alto mar, que emerge, desaparece e volta a aparecer para novamente imergir. Finalmente, alguém a resgatou das ondas; encontrou em seu interior uma mensagem para os navegantes, difundindo-a entre a tripulação. Um dos Irmãos da reunião comentou que a ?Igreja mariana? não é uma ideia do Capítulo, mas do pré-capítulo. Não se tratava de uma temática prevista pela Comissão preparatória, mas de uma contribuição oriunda das cartas regionais.

Pessoalmente, tendo acompanhado com certo interesse esse tema, durante os trabalhos do Capítulo, tive diversas reações ante a reflexão feita em nosso encontro comunitário com o Conselho geral. Terminada a reunião, passaram os dias e o tema citado ficou em segundo plano, entre meus interesses imediatos. Antes do mês de maio, voltamos a reunir-nos em comunidade para decidir o que faríamos para homenagear Maria, durante o mês que lhe é tradicionalmente consagrado. Nessa reunião, emergiu a proposta de aprofundar o tema da ?Igreja mariana?. Dois Irmãos se encarregaram de encontrar material e, depois de uns dias, nos entregaram dois documentos: um capítulo, em espanhol, do livro de Brendan Leahy intitulado ?O princípio mariano na eclesiologia de Hans Urs von Balthasar?, editado pela ?Cidade Nova?, em 1999; um segundo era uma fotocópia do artigo, em  italiano, do Pe. marista Jean Hulshof, intitulado ?Pietro e Maria ? Un capitolo della spiritualità marista?. Cada qual tratou de estudar os dois documentos.

Os dois documentos entregues aos membros da comunidade me pareceram insuficientes. Encontrei o livro do qual fora extraído um dos capítulos de estudo e li-o com sofreguidão. O volume recolhe de forma sistemática a reflexão de uma tese doutoral, reagrupando as contribuições dispersas que Von Balthasar deixou em sua obra escrita. O tema me entusiasmou e me tocou interiormente de tal modo que não pude prescindir dele em minha oração e em minhas reflexões. Tornou-se para mim cada vez mais amplo e profundo. Balthasar nos introduz logo em dimensões místicas, estéticas e contemplativas, através de sua reflexão teológica, da qual não é fácil livrar-se. O linguajar não é fácil. Precisei sintetizar e completar. Hoje desejo oferecer uma síntese do que encontrei; um relatório do trabalho que empreendi, neste mês de maio, como oferta a Maria.

A novidade da Eclesiologia e a Mariologia do Vaticano II

Von Balthasar dedicou grande parte de sua obra à exploração dos ?tesouros? do Concílio Vaticano II e, entre eles, encontramos o ?princípio mariano? que descreve a missão de Maria, na origem da Igreja. Em sua grande obra, dedicou numerosos textos à reflexão sobre a figura de Maria e sobre o ?princípio mariano?, nos quais encontramos originais intuições eclesiológicas. ?O pensamento de Hans Urs von Balthasar … abre novos horizontes para uma Eclesiologia, a do terceiro milênio, e que encontra em Maria seu rosto mais autêntico? .

Ao tratar o tema do ?princípio mariano?, observei que na literatura religiosa empregam diversas expressões: Dimensão mariana da Igreja, perfil mariano da Igreja, aspecto mariano, princípio mariano, rosto feminino, rosto maternal, rosto mariano da Igreja, Igreja mariana. Nem todas são corretas. A expressão ?Igreja mariana? não é muito feliz do ponto de vista ecumênico. Na literatura dos Padres maristas se reivindica a paternidade da expressão para Colin, já no século XIX; mas com conteúdos teológicos muito distintos daqueles que lhe dá o Vaticano II. De fato, Von Balthasar não emprega essa expressão em seus escritos e fundamenta suas reflexões sobre o que ele denomina ?princípio mariano?. Ao usar essa terminologia situa-se no campo técnico da teologia, embora não defina diretamente o termo ?princípio?. Em suas exposições, se vale de expressões como ?perfil?, ?dimensão? ou ?aspecto? para expressar as manifestações que derivam desse princípio.

O pontificado de João Paulo II contribuiu notoriamente para a difusão dessa nova faceta da teologia; a mariologia e a eclesiologia contidas no ?perfil mariano? ou no ?rosto mariano? da Igreja. Já indicamos outro lugar em que o próprio Papa João Paulo II reconheceu, explícitamente, para Hans Urs von Balthasar ?a paternidade de sua inspiração?2. João Paulo II, por sua vez, tornou seu esse pensamento teológico, elevando-o à categoria de magistério pontifício e ?destacando a dimensão vital, mística e contemplativa da Igreja?3. Não por casualidade, esse Papa colocou Maria à frente de todas as ações de seu pontificado, dedicando-lhe o emblema pontifício com o lema ?Totus tuus?. Em seu incansável ministério e com seu enfoque espiritual, tornava-se evidente, aos olhos de todos, a presença de Maria como Mãe e Rainha da Igreja. É sua a afirmação: ?No alvorecer do novo milênio, vislumbramos com alegria a presença desse ?perfil mariano? da Igreja, que sintetiza o conteúdo mais profundo da renovação conciliar?4.

O cardeal Joseph Ratzinger, já em 1985, em sua memorável homilia de caráter mariano, sublinhou a importância e a atualidade da dimensão mariana da Igreja, afirmando que constitui um dos ?sinais de nosso tempo5.

Muitos escritos sublinharam a diferença entre a dimensão petrina e o aspecto mariano da Igreja. Considerando que a reflexão petrina já foi estuda extensamente, nesta reflexão o interesse foi centrado, prioritariamente, na dimensão mariana.

AMEstaún

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1 Alba Sgariglia. Prólogo a ?El principio mariano en la eclesiología de Han Urs von Balthasar?, Ciudad Nueva, Madrid 2002 p. 9

2 Alocução do Papa, em 1987, aos cardeais e aos prelados da Cúria Romana.

3 Randall Espinoza, pedagogo e teólogo costarriquense, no ?Congreso sobre el Sacerdocio? celebrado em Las Matas, organizado pelo Movimento dos Focolarinos (8 abril 2010) em sua intervenção sobre o ?Perfil Mariano de la Iglesia, y su relación con el ministerio sacerdotal?. Ver em: http://blogs.cope.es/diosesprovidente/category/movimientos/

4 Nesta perspectiva se pode situar o apelo do Irmão Seán Sammon em sua Circular ?Em seus braços ou em seu coração? em que inclui como subtítulo: ?Maria, nossa Boa Mãe. Maria, nossa fonte de renovação?.

5 Cardeal Joseph Ratzinger em sua homilia aos peregrinos de Schoenstatt, na Basílica ?Santa Maria Maior?, Roma, em 18 de setembro de 1985.

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