4 de fevereiro de 2016 CASA GERAL

?Estamos aonde existem feridas abertas nas pessoas?

Durante o encontro internacional sobre a Vida Consagrada, de 28 de janeiro a 2 de fevereiro, promovido pelo Vaticano, o Ir. Emili Turú participou de uma mesa redonda com outros religiosos. O evento aconteceu na Aula Paulo VI, no dia primeiro de fevereiro, momentos antes da audiência do Papa com cerca de 5 mil religiosos participantes do encontro.

Moderados pelo Pe. Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, os 7 religiosos, representantes de diferentes formas de vida consagrada, refletiram sobre “A vida consagrada hoje na Igreja e no mundo: provocados pelo Evangelho”.

O Superior Geral dividiu suas palavras em três perspectivas do ser religioso: a missão (o religioso/a está onde existem feridas abertas nas pessoas, nas periferias); a fraternidade (cabe ao religioso Irmão “exagerar a fraternidade”) e a mística (“o que consigo transparecer?”)

As palavras do Ir. Emili podem ser lidas abaixo, em uma tradução do Ir. Aloisio Kuhn

Insistências sobre a Vida Religiosa Apostólica hoje

Em relação à missão

Falou-se das fronteiras geográficas e existenciais nas quais somos convidados a morar, a deslocar-nos e a estar nelas… ali onde a vida religiosa apostólica toca as feridas da humanidade. Estamos ali onde há pessoas com feridas abertas, seja nas periferias geográficas ou nas existenciais, em tantíssimos lugares e circunstâncias em que estamos presentes. Onde há sofrimento, inclusive nos lugares mais remotos do planeta, há algum religioso ou religiosa acompanhando e sendo presença e ternura de Deus, nesse lugar.

A insistência que desejo fazer foi-me sugerida pela Irmã Carmen Sammut, SG, Missionária de Nossa Senhora da África, quando disse, nesta mesma sala, que os religiosos de vida apostólica estão nas margens da sociedade e da Igreja. Mas, disse-o assim, sem ênfase, de passagem; por isso, pareceu-me muito interessante retomar esse ponto. O que significa estarmos “nas margens da Igreja”? Dizer “nas margens da Igreja” soa um pouco forte; eu talvez diria “nas margens da instituição”, na periferia da instituição eclesial”, mas “em nome da Igreja”.

Pode parecer um tanto raro, dito neste lugar onde estamos; mas creio que somos convidados a morar nessa periferia. Trata-se do lugar onde se encontram aqueles que pertencem à Instituição com os que não pertencem a ela ou os que se sentem excluídos da mesma.

Então, quem faz a ponte de comunicação com descrentes ou pessoas que estão em busca, com pessoas de outras religiões, de outras maneiras de entender a vida? Parece-me que ali há um campo muito importante para a vida religiosa apostólica, que vale a pena sublinhar. Trata-se de um campo de experiência, de busca, de exploração… em nome da mesma Igreja! E isso significa dialogar: o diálogo, a cultura do encontro. Dialogar com pessoas que estão bem longe de nosso pensamento, de nossa maneira de ser. E diálogo significa escutar para aprender; talvez algumas pessoas digam que esse é um lugar “perigoso” (entre aspas). Efetivamente, as fronteiras são sempre lugares perigosos.

É preciso assumir riscos, e quer me parecer que isso faz parte de nossa missão para o bem da Igreja. Portanto, não se trata de algo a reprimir, mas antes, a apoiar, porque o fazemos para o bem da própria Igreja. Dom Luigi Ciotti, esse sacerdote italiano tão corajoso que combate as máfias, disse que “se morre por excesso de prudência”; e parece-me que, em nossas instituições, isso tem muito sentido. João Batista Metz dizia que a vida religiosa deveria ser “terapia de choque” (shock) para a Igreja. A terapia de choque não é uma terapia suave: o choque cria convulsões. Pergunto-me em que medida, nós, como vida religiosa apostólica, somos terapia de choque para o resto da Igreja…. Enfim, creio que não somos chamados a ser agentes da instituição, mas profetas no meio do povo. E isso não é a mesma coisa!

 

Em relação à fraternidade

O Papa fala muito do vírus do clericalismo, vírus bastante comum. Então, o que fazemos para combater esse vírus? Que antídoto temos para neutralizá-lo? Um deles parece-me ser a “fraternidade”, que valoriza as relações horizontais: a igualdade básica de todos os membros do Povo de Deus.

Creio que o clericalismo tem rosto, sobretudo, masculino: os padres são homens. Entretanto, não tem somente rosto masculino, e isso o torna ainda mais perigoso porque, em muitas de nossas cabeças de homens ou mulheres, existe esse vírus.

Então, falando do “religioso Irmão”, parece-me que parte de nossa contribuição à Igreja está em ressaltar essas relações horizontais, tão opostas ao clericalismo. Ainda hoje escuto dizer: “Irmãos? Como é que vocês pararam na metade do caminho? Não foram ordenados, não são sacerdotes”. Algumas pessoas têm a impressão de que nos falta algo. Isto não é clericalismo…!? Então, a nós corresponde – penso eu – “exagerar na fraternidade”. Este exagero, no seio da Igreja, é para sublinhar a importância dessas relações horizontais. Nós somos homens-religiosos-Irmãos. Talvez nos corresponda – como diz muito bem o último documento da Igreja denominado “O Religioso Irmão” – esse chamado a “exagerar” na fraternidade.

 

Em relação à dimensão mística de nossa vida

Finalmente, em relação à dimensão mística de nossa vida, à dimensão da espiritualidade e do seguimento do Ressuscitado, creio que aí a vida religiosa apostólica tem um desafio extraordinário. Creio ser um dos maiores desafios, talvez o maior de todos.

Por quê? Porque o tipo de vida que temos não nos ajuda. Estamos muito imersos na sociedade, desenvolvendo atividades profissionais; e, ao redor de nós, tudo é pressa e há uma enorme tendência à superficialidade. Então, o contágio com tudo isso é muito fácil. Como dar uma dimensão de interioridade e de profundidade a nossas vidas para vivê-las com equilíbrio? E assim não sermos ativistas cegos que fazem, fazem e fazem… sem saber exatamente para quê e o que realmente fazem.

Queria terminar recordando uma escritora francesa, Christiane Singer, que dizia: “No fim da vida não lhe vão perguntar quem você foi, mas o que deixou passar através de você”. Isto é, você foi transparência de quê? O que deixou transparecer? A não ser que se tenha uma importante dimensão de profundidade, o único que se faz é projetar a si mesmo. O que sou capaz de deixar transparecer?  Creio que é um desafio extraordinário e dar-lhe uma resposta adequada seja, provavelmente, o melhor serviço que podemos prestar à Igreja, a nós mesmos e aos irmãos e irmãs de nossa sociedade.

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Ir. Emili Turú, fms – Vaticano, 1 de fevereiro de 2016

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