27 de abril de 2015 FRANçA

II Assembleia Europeia da Missão Marista

O Ir. Teófilo Minga entrevista o Irmão Javier Gragera, um dos Irmãos da Comissão Preparatória da  II Assembleia Europeia da Missão Marista (veja outras notícias sobre a Assemleia).

Assembleia – Javier, foste o responsável da preparação e apresentação do dia dedicado à profecia, na Assembleia. Que te trouxe essa preparação?
Javier – Uma grande vontade de descobrir o que pode ser a ação profética na Europa marista neste terceiro centenário da Congregação. Recordemos que o profeta é um homem de Deus que é “obrigado” a proclamar a sua mensagem, mesmo nos tempos mais difíceis. E proclamá-la mesmo com o preço da própria vida. Ser profeta hoje na Europa é isso mesmo: ser um homem, uma mulher que vivem mergulhados no mundo de Deus para logo trazerem Deus á humanidade. O profeta é uma ponte entre Deus e os homens. Foi assim na Bíblia; deve ser assim para os maristas de hoje. Deus e a humanidade inteira devem ser o nosso mundo.

Assembleia – Hoje, vivemos o dia da mística. A oração da manhã, a oração do meio-dia, a tarde passada em La Valla, foram momentos altos deste dia. Que fica deste dia?
Javier – Dedicar um dia à mística, seguindo a tradição marista recente, é ir ao centro da nossa vida, na sua relação com Deus. É ir à procura daquilo que dá sentido, e sentido profundo àquilo que fazemos. Aqui encontramos um laço profundo entre mística e profecia. A profecia só faz sentido a partir de Deus. E partir de Deus, viver nele e agir a partir dele, é ser um místico, para dizê-lo assim de modo simples. É através da mística, esta relação que me mergulha em Deus, que eu torno Deus visível no mundo. Deus manifesta-se no mundo através de mim, através de ti. Somos sacramentos de Deus, sacramentos do seu amor. Sei que já em tempos recuados, ainda no tempo do Irmão Charles Howard, houve, em Nairobi, um encontro precisamente com esse título: O SACRAMENTO DO IRMÃO. Por outras palavras, O IRMÃO COMO SACRAMENTEO. A sacramentalidade nada mais é do que a visibilidade da mística, tanto a nível individual como comunitário. Isto é, a nossa missão na Europa marista só tem sentido a partir de Deus. Deus tem que ser a força e o motor da missão dos maristas na Europa de hoje. De outra maneira, nem temos razão de existir.

Assembleia – A subida a La Valla, a passagem demorada pelos três níveis da casa, a descida pelos caminhos que o Padre Champagnat trilhou, trouxe alguma coisa de diferente a este dia?
Javier – Quisemos fazer do dia da mística um dia experiencial em que tocássemos de perto a presença de Deus em nós, para logo sermos nós mesmos, presença de Deus no mundo. Isto pede uma certeza e uma convicção: é porque nos movemos em Deus e a partir de Deus que nós temos a força para transformar o mundo. Dizia bem Madre Teresa que na sua vida foi o amor de Deus que lhe deu a força para fazer o que fez e trazer um pouco mais de Deus a um mundo ferido, quase sempre esquecido dos políticos e dos que levam a responsabilidade deste mundo. Estes trabalham muitas vezes pelo dinheiro, pela fama, pela glória, pela carreira ou outros motivos. O místico trabalha por Deus e a partir de Deus.

Assembleia – E a partir de Deus é que pode ter sucesso?
Javier – O sucesso não é talvez o mais importante da ação apostólica ou da relação mística. É evidente que devemos apontar, a partir da mística, para uma ação missionária tanto quanto possível eficiente, eficaz. Creio que era o Irmão Seán que dizia que o importante é a fidelidade a Deus, ao nosso projeto institucional e comunitário, finalmente fidelidade a mim mesmo na minha relação com Deus. Seán, por outras palavras encaminha-nos para uma relação mística em que a prioridade não é o sucesso, mas a presença de Deus em nossas vidas, e a partir de lá a presença de Deus no mundo. Nós não conquistaremos o mundo inteiro para Deus, mas podemos deixar as pegadas de Deus por onde passamos. Alguém dizia que esta Assembleia é como o azeite na água. A Europa é imensa; a missão, na sua totalidade ultrapassa as nossas forças. Sejamos pequenas gotas de azeite neste mar imenso da missão. É finalmente o que nos é pedido. Referindo-me ainda a Madre Teresa dizia que o que fazia era apenas uma gota de água no mar. Mas ainda que não o notemos o mar seria mais pequeno sem essa gota de água. Este realismo também pode dar força aos maristas da Europa na altura de pensar uma ação apostólica além-fronteiras.

Assembleia – Uma Europa marista além-fronteiras que também teve eco nesta Assembleia?
Javier – Sim. Encontros como este ajudam a criar uma mentalidade mais global. Sinto isso na qualidade humana e espiritual dos participantes. Muitos falam de uma mentalidade que ultrapasse as fronteiras da província. O espírito de fraternidade que vivemos nestes dias mostra também que ele ganha consistência nas cinco províncias europeias. Notei também um entusiasmo extraordinário nos participantes que me levou a dizer para mim mesmo: se é possível vivermos aqui este nível de participação e de entusiasmo é sinal de que a Europa marista tem futuro. A palavra “encontro”, ou “cultura do encontro” para usar uma expressão querida do Papa Francisco será uma palavra-chave para continuar a realizar o sonho de Nairobi para a Europa marista. Mas dizer encontro é também dizer comunhão. Comunhão foi a palavra transversal da nossa Assembleia: esteve presente do começo ao fim, em todas as atividades. A comunhão é algo que se vive. É a comunhão que nos faz mover e sonhar o futuro da Europa marista. Nisso eu acredito profundamente. A Assembleia foi um ponto de encontro que consolida a esperança que já existe na Europa marista. É um convite a levá-la agora ainda mais longe porque a Europa atual apresenta-nos muitos problemas que não imaginávamos há uns anos trás.

Assembleia – Uma tarde em La Valla para viver experiencialmente o que é a mística. Uma bela inspiração da Comissão preparatória?
Javier – A Comissão sentiu a necessidade desse tempo. Eu posso fazer mil discursos sobre a mística, sem “sentir” ou viver uma experiência mística. Baste-me ser um bom intelectual. Não era isso o que queríamos. Queríamos que a Assembleia como tal vivesse uma experiência mística dentro do pouco tempo que tínhamos. Não sei o que cada um terá aproveitado, dada a dimensão pessoal da experiência. O que pude ouvir é que todos ficaram contentes e todos gostaram deste momento. Algumas exclamações comuns diziam isso: “Que lindo tempo!”. “Que bela experiencia vivida em La Valla!”. A Comunidade de L’Hermitage preparou também muito bem este encontro em La Valla que, no seu conjunto, não contemplou apenas a mística: contemplou também a comunhão e a missão. Desde as explicações do Irmão Emili, conhecemos bem os três momentos que se podem viver na casa renovada de La Valla: a mística, a comunhão, a missão. De facto, estes três momentos interpenetram-se. A mística dá força à missão (profecia); a missão, centrando-se na pessoa humana, parte de Deus; e queremos fazer tudo isso em comunhão que contempla toda a riqueza do mundo marista: irmãs, leigos, ramos maristas; e até numa comunhão mais alargada com outras famílias religiosa da Igreja. Não falamos também aqui, logo no primeiro dia da Assembleia, da tenda alargada a que todos somos convidados? A tenda alargada também é já um património do Instituto.

Assembleia – O Irmão Benito responsável do piso da “comunhão” surpreendeu a muitos com as suas reflexões sobre a mesa de La Valla. Uma certa desmitificação desta mesa histórica?
Javier – Antes de responder diretamente a essa pergunta deixa-me tomar a palavra para agradecer aos membros da Comunidade de L’Hermitage que nos acompanharam diretamente nesta “excursão mística” a La Valla. Martha mais voltada para a dimensão mística, o Irmão Diogène mais voltada para a dimensão da missão. Com as dinâmicas que preparam levaram-nas a compreender muito bem a nova e profunda dimensão que pode ter a casa de La Valla na vida de todo o marista. Lembremos a última oração no piso superior, sobre a missão: o caminho traçado, as pedras de L’Hermitage, a água do Gier, as flores com os nossos sentimentos mergulhadas nessa água e que depressa desabrocham como se os nossos sentimentos místicos, apostólicos ou de comunhão, quisessem atingir a Europa para além dos horizontes que podemos descortinar deste piso superior da casa. Foi uma oração que muitos não vão esquecer facilmente tanto mais que levam consigo a pedra de l’Hermitage onde escreveram também algum sentimento que os tocou nestes dias.
Mas voltemos às palavras do Ir, Benito. Não creio que se possa falar de desmitificação da mesa de La Valla, porque a mesa de La Valla não é um mito. É uma realidade, simbólica, é certo, para o mundo marista. Mas uma realidade de grande importância. Se eu compreendi bem a intervenção do Irmão Benito, a mesa de La Valla representa uma riqueza institucional de grande valor. Não económico, é evidente. Mas, uma riqueza histórica, simbólica, que se torna inspiradora para os tempos de hoje. O que o Irmão Benito queria dizer simplesmente é que não temos que ficar agarrados sentimentalmente a este valor e a esta riqueza do passado, sentir uma correta emoção quando entramos na sala e ficar muito contentes com essa relíquia do passado. E pouco mais. Deve ser inspiradora, precisamente no sentido que o Irmão Benito a apresentava. Essa mesa é um elemento do passado. Teve o seu papel, poderemos dizer assim. Mas é um elemento do passado. Hoje vivemos um presente diferente do do Padre Champagnat e sonhamos um futuro para levarmos a muitos jovens o amor de Champagnat. Então o importante é descobrir novas mesas. Fala-se muito de novidade, hoje, no Instituto. Aqui está mais uma, precisamente inspirada em La Valla: as NOVAS MESAS para hoje. Que novas mesas sonhamos? Que novas mesas podem traçar o caminho do futuro marista? Que novas mesas podem responder às necessidades dos jovens de hoje? Que novas mesas existem nos nossos centros, nas nossas escolas, hoje? Não é a mesa de La Valla, antiga de quase 200 anos que pode responder a estas perguntas. São as novas mesas que temos que inventar. As palavras do Irmão Benito ao falar da mesa eram um convite, eu diria quase um desafio, a essa capacidade de renovação e de invenção de novas mesas que nos ajudem a responder, por pouco que seja, às necessidades dos jovens de hoje. Os valores que Champagnat e os seus Irmãos viveram ao redor desta mesa de La Valla é que podem inspirar os valores pelos quais devemos lutar hoje e de que esta Assembleia se fez eco várias vezes. Alguns são fáceis de descobrir: comunhão, amizade, partilha, encontro, solidariedade, bem-querer, unidade, abertura, pobreza, humildade, simplicidade… Sim, a mesa de La Valla pode e deve inspirar o nosso futuro, inspirar NOVAS MESAS para hoje. Contemplar a mesa de La Valla já não é então uma nostalgia vazia do passado. É uma mola cheia de força propulsora de novos e renovados horizontes de futuro. Nas novas mesas todos nos devemos sentar, Irmãos e Leigos. E sentarmo-nos como iguais e complementares. Todos os que vivem o carisma de Champagnat. Essas novas mesas são AS MESAS DA CRIATIVIDADE. Devem ser as nossas. Esta que contemplamos em La Valla, não é a nossa, é a de Champagnat.

Assembleia – Para terminar, podemos saber a palavra que escreveste, ou melhor, o sentimento que deixaste escrito, na tua flor, durante aquela bela oração, no piso 3 da Casa de La Valla e que depois, simbolicamente, foi depositada nas águas do Gier?
Javier – Escrevi a palavra PEQUENEZ.

Assembleia – Pequenez?!
Javier – Sim, PEQUENEZ. Mas pequenez não como algo de negativo, mas como o espanto que me toma quando me vejo na grandeza-humilde do mundo marista. Eu diria quase pequenez no sentido bíblico. A pequenez dos homens e mulheres de Deus está presente do começo ao fim da Bíblia.

  • Foi na pequenez dos profetas que Deus escreveu páginas maravilhosas do Antigo Testamento no que se refere à profecia e à mística. Todos tiveram medo da vocação profética. Encontramos muitas das suas desculpas na Bíblia. E, contudo, é das suas mãos que surgem páginas maravilhosas, apelos à justiça, à verdade, à coerência, à missão. São eles que falam do “pequenos resto” do resto de Israel. Na “pequenez” deste grupo de pessoas desenha-se o nascimento do judaísmo, um movimento de renovação e de esperança no interior do povo judeu. Mais ainda, é a partir deste pequeno resto que os profetas sonham a NOVA ALIANÇA que a antiga estava desfeita e era incapaz de responder às necessidades do povo. Uma nova aliança para um novo povo.
  • Foi na pequenez de Maria, a jovem humilde de Nazaré, que Deus realizou o melhor sonho dele para nós. Através dela recebemos a novidade absoluta de Deus na nossa história: o dom do seu próprio Filho. A NOVA ALIANÇA anunciada a partir do “pequeno resto”, realiza-se em Jesus. Da pequenez de Maria, a escrava do Senhor, nasce a esperança e a certeza de um mundo diferente, um mundo novo.
  • Foi na pequenez dos pastores que Deus é anunciado ao mundo; são eles que, juntamente com anjos, cantam os louvores de Deus e anunciam às gentes o começo de um tempo novo, marcado pela alegria e pela ação de graças a Deus. É a novidade da esperança realizada.
  • Foi na pequenez de João Batista, de quem se diz que o mais pequeno no reino dos céus é maior que ele, que aparece a força da Palavra de Deus, na sua verdade e na sua exigência; mas também na sua misericórdia e no seu perdão.
  • Foi na pequenez de Pedro que se quer afastar do Senhor porque é pecador que nasce a Igreja, o novo Povo de Deus, uma Igreja-Comunhão onde todos têm o seu lugar, onde todos são acolhidos, onde todos são perdoados. É a novidade total, o anúncio da misericórdia de Deus a todos os que O procuram de coração arrependido, de coração renovado. Terão assim o coração de carne que os profetas tinham anunciado.
  • Foi na pequenez de Paulo, o último dos Apóstolos, porque perseguiu a Igreja de Deus que nasce o anúncio da Palavra que trará a vida de Deus ao mundo, que contagiará o mundo na sua novidade, a novidade absoluta de Palavra Deus na nossa história. Acolhida, esta Palavra transforma-nos e transforma o mundo; recria-o, renova-o.
  • É na pequenez dos apóstolos em geral, cheios de medo e encerrados numa sala que a Igreja se vai alargar às dimensões do mundo. Souberam abrir-se ao Espírito Santo que renova todas as coisas, o homem e o mundo. Nele e com Ele começa a nova criação. Os apóstolos são os arautos desta nova criação que atinge as fronteiras mais remotas do mundo. Da pequenez dos apóstolos, nasce a possibilidade de um mundo novo marcado pelo selo renovador do Espírito.

Na Bíblia, então, a pequenez das pessoas aparece sempre associada à novidade de Deus entre nós, uma novidade, que no seu aspeto final nem ousávamos imaginar: Deus mesmo entre nós. Não há então razões para termos medo da pequenez. Deus transforma-a e sabe colocá-la ao serviço do seu reino.
Se olhássemos ao longo da história poderíamos talvez dizer o mesmo. Tomo apenas o nosso caso:
Foi na pequenez de Marcelino, um vigário humilde, numa aldeia desconhecida, que com duas crianças humildes, fez nascer uma grande obra: os Irmãos Maristas das Escolas; ou, em termos de hoje, o mundo marista, no seu todo. Não tenho medo de dizer que da pequenez do Fundador nasceu a grandeza-humilde da sua obra hoje, nos quatro cantos do universo, ao serviço do Evangelho; ao serviço dos mais pequenos. Uma grandeza-humilde que completa e aperfeiçoa a novidade de Deus entre nós. Uma grandeza-humilde que, precisamente por isso nos é proposta como caminho de um “novo começo”. A pequenez evangélica chama e implica esse “novo começo”.
Então para mim sentir-me pequeno é saber que Deus fala através da minha pequenez e nela pode despertar a sua novidade. Uma pequenez que sinto como um privilégio, o privilégio de ser marista.

Assembleia – Muito obrigado, Javier.
Javier – Muito obrigado; não quer que diga mais alguma coisa?

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