
Irmãos Missionários na África e sua total entrega ao Carisma Marista
31 de outubro: aniversário do ato de amor dos irmãos Servando, Julio, Miguel Ángel e Fernando que deram a vida pelos mais necessitados no continente africano.
É necessário contextualizarmos um pouco os motivos da chegada destes quatro espanhóis às terras africanas. Como panorama geral em 1994, tem-se a guerra civil entre as tribos “Hutus” e “Tutsis”, que gera milhares de refugiados, que são desenraizados de suas casas e devem vagar por extensos territórios em busca de abrigo e alguma segurança, dentro do constante medo da submissão ou da morte.
Assim, durante o mês de agosto de 1994, a Assembleia e o Conselho Distrital dos Irmãos de Ruanda tomaram a decisão de estar presentes com todos os ruandeses. No país, estavam abrindo novamente três comunidades que concentram sua missão nas escolas. No exterior e a serviço dos refugiados, seis Irmãos dão início à nova comunidade. Dadas as dificuldades que surgem para os refugiados e para os Irmãos ruandeses, a comunidade é reforçada com Irmãos não africanos; porém, como os perigos persistiam, em meados de 1995, foi decidido retirar todos os Irmãos ruandeses da comunidade de Bugobe e pediu-se ao Irmão Superior Geral que fossem substituídos por outros Irmãos Maristas voluntários.
O pedido teve uma resposta imediata. Para colaborar neste panorama de extrema pobreza, incerteza e perigo, chegou, em junho de 1995, o Irmão Servando Mayor García (43 anos) para ser o superior da comunidade do campo de refugiados de Bugobe, supervisionar os trabalhos educativos, lecionar na escola secundária como também ser responsável pelos serviços de saúde. Em agosto, vindo da Costa do Marfim, onde era superior do Setor, o Ir. Miguel Ángel Isla Lucio (52 anos) ingressou na comunidade do campo de refugiados. No dia 1º de março de 1996 chegou o Ir. Fernando de la Fuente (52 anos), apelidado de “o Chileno”, pois esteve de 1962 a 1995 na Província Marista do Chile. No campo de refugiados, é responsável pela distribuição de alimentos e roupas aos mais necessitados, pelo ensino de algumas disciplinas (principalmente arte), além de ajudar na organização de jogos e esportes. Finalmente, no dia 12 de junho de 1996, o Ir. Julio Rodríguez Jorge (39 anos) foi o último a chegar à comunidade; sem dúvida, é ele quem tem mais experiência, já que esteve em missão no Zaire durante 14 anos. Assim, a comunidade, em meados de 1996, contava com os quatro Irmãos Maristas, dois sacerdotes e dois leigos ruandeses.
A vida e a obra destes Irmãos Maristas espanhóis, inseridos na comunidade de refugiados, se transforma em um raio de esperança para estes seres humanos que são assediados pelos males da injustiça, da desigualdade e da violência: “Quando nos veem, é como se vissem Deus”, disse Julio à mãe. No entanto, o conflito ganha proporções cada vez maiores e chega ao campo de refugiados no início de outubro: “Todos os dias a nossa presença está pendurada por um fio de uma teia de aranha, pois a incerteza do que acontecerá a seguir é a ameaça que paira diariamente” (Carta do Irmão Fernando, enviada ao Irmão Claudiano em 2 de outubro de 1996).
Depois de alguns meses de serviço em todas as áreas possíveis e em condições quase desumanas, o panorama torna-se ainda mais complicado e os Irmãos são convidados a abandonar o campo de refugiados: “Em resposta ao meu insistente convite para deixar o local, a resposta deles foi a mesma: Não podemos abandonar aqueles que já foram abandonados por todos. Se você estivesse aqui, faria o mesmo que nós. Nossa decisão é ficar, se você nos deixar” (Irmão Benito Arbués, Superior Geral, outubro de 1996).
Mais tarde, às 9h30 da manhã do dia 31 de outubro, o Irmão Servando telefonou para a Casa Geral do Instituto em Roma e deu esta mensagem: “Todas as pessoas deixaram o acampamento de Nyamirangwe. Estamos sozinhos. Esperamos um ataque a qualquer momento. Se não ligarmos novamente nesta tarde, será um mau sinal. O rádio e o telefone provavelmente serão levados embora. A região está muito agitada. Os refugiados fogem sem saber para onde e é muito perceptível a presença de infiltrados e de pessoas violentas”. Naquele mesmo dia, por volta das 20h, os quatro Irmãos Maristas missionários na África foram mortos a tiros. Após árduo trabalho, seus corpos foram retirados de uma fossa séptica e enterrados na casa do Noviciado de Nyangezi.
Concluímos o resumo da dedicação total ao carisma marista destes quatro Irmãos, com uma reflexão feita naquele tempo feita pelo Irmão Benito Arbués, Superior Geral do Instituto (1993-2001): “Os pretextos para assassiná-los podem ser vários. Só tenho uma razão segura: morreram porque, apesar dos riscos que correram, decidiram ficar com milhares de pessoas que iam e vinham errantes, vítimas do pânico e da pressão daqueles que querem fazer deles escudos humanos no combate ou na resistência […] Tenho a impressão de que os quatro Irmãos ultrapassaram os limites canônicos do Instituto Marista e são definitivamente patrimônio da Igreja, da vida consagrada e de muitas pessoas de boa vontade que se encontraram com Deus por meio da notícia dessas mortes violentas [… ] suas vidas têm uma nova dimensão e suas mensagens falam de Jesus ressuscitado com mais força do que nunca”.
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Comissão do Patrimônio da Província Santa María de los Andes