La Valla. ?De seu seio brotam rios de água viva.?
Amanhã, quinta-feira (7 de fevereiro) tenho obras a visitar. A noite hibernal está muito fria. Mesmo assim, não deixo de abrir, por uns momentos, a janela de meu quarto para saudar o Gier que me fala. Seu rumor, suave como a brisa, acorda o eco de meu Gier interior. Escuto: “Quem tiver sede venha a mim e beba.”
Parti de Barcelona, faz poucas horas. Venho à obra que me chama. Porém, venho também saciar “outra sede”, interior. Porque, como escreve Santo Agostinho, uma coisa é ir de um lugar para outro com meu corpo; e outra, diversa, é caminhar com meu coração, trabalhando meu afeto.
Viajo com certo cansaço, mas contente. Experimento a sadia tensão que a obra implica, apesar dos contratempos. Uma obra que deve ser, quiçá, uma das menores e mais humildes que o Instituto Marista realiza, neste ano: a recuperação de uma pequena casa – a “Maison Bonner” – perdida nas encostas do maciço central francês. A lide constante de ir e vir, com meus planos e esboços, impede-me de trazer sempre comigo meu homem interior, o Joan, com ânsias veementes de viver, de amar e de ser amado. O pequeno Joan que, surpreendentemente, em La Valla, encontra outra fonte, menos aparatosa, que o sacia.
Amanhece. L’Hermitage hoje desperta coberto de neve. Será um dia épico. Não vai ser fácil chegar a La Valla. A pequena estrada estará limpa, mas, vai exigir muita atenção.
Champagnat nos acolhe de batina branca, como o Br. Neville Solomon, Irmão australiano com o qual partilhei tantos momentos, nos três últimos anos, em l’Hermitage.
O canteiro também está branco: o carrinho de mão, a grua, a rua… Apenas o fogo amigo, competindo com a neve, irradia cor e calor.
Imagino os invernos aqui vividos por nossos pioneiros. Não seriam fáceis! Que força unia aqueles jovens e seu mestre para se superarem e prosseguirem com seu projeto? Será que o chamavam de projeto? Não teriam medo, como muitos de nós, ante tempos incertos, de mudanças, tempos novos? Seguiriam eles, simplesmente, o impulso, o sopro do espírito que queimava em seu interior, como este fogo?
Christophe, com o Ir. Michel Morel, nos informa que tudo está em ordem. “Ça marche!” Dentro, Thyerri, o ecônomo, veste o avental e serve café. Agradecemos. Stéphane e Yves, meus companheiros arquitetos de Lyon, repassam o programa. Enquanto isso, os jovens operários, abrigados como ursos, trabalham no interior gélido como um frigorífico.
Christophe nos reservava uma surpresa: Há água dentro da casa, no porão, perto da adega, em “lugar escondido”. Brota da rocha, pelos filões da ardósia escavada do subsolo. Estou impressionado. Nestes dias de chuva, dentro da casa, brotou uma fonte! E uma vertente de água viva, fresca e cristalina, atravessa alegremente toda a sala. Essa fonte deve existir desde temos imemoriais, pois no chão aparecem indícios de sulcos, cavados na rocha pelos antigos moradores. Por eles corre a água até um desaguadouro próximo. Segundo explicação do Ir. Louis Destombes, superior da comunidade de La Valla, os Irmãos a canalizaram, há muito tempo. Hoje, revirando o solo, tornou a aparecer.
Se, há muito tempo, La Valla era – para mim – encontrar a Mesa e, através dela, Marcelino e os primeiros Irmãos, hoje intuo que, num futuro muito próximo, a vitalidade de La Valla vai-nos “desbordar” a todos, permitam a expressão.
E óbvio que os arquitetos não devem deixar água correndo solta pelo interior das casas; era o que faltava. No entanto, me comove este pequeno acidente ocasional. Vejo nele que nossa Origem continua vigorosa. E assim, espontaneamente, no-lo manifesta.
Observo a vertente em silêncio. E retorna o sussurro da noite passada, o de meu Gier. Com ele brota o resto do texto de João: “… De seu seio brotarão rios de água viva…”.
Esta palavra se cumpre hoje.
Maristas de todo o mundo: não temam os tempos novos que vêm; alegrem-se!
O Senhor nos fala de Vida renovada, através desses pequenos sinais!
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M. Joan Puig-Pey, arquiteto
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Joan Puig-Pey: Meu pessoal do canteiro de obras – 15 de janeiro