Carta de Marcelino – 030

Marcellin Champagnat

1833-08/09

O Padre Querbes tinha iniciado a Congregação dos Clérigos de Saint-Viateur, perto de Lião. Devido às críticas movidas contra o Padre Champagnat pelos próprios colaboradores dele, o Arcebispo de Lião deixou-se persuadir pela idéia de fusão da Congregação dos Pequenos Irmãos de Maria com os Clérigos do Padre Querbes. Uma das razões para esta união era de que o Padre Champagnat não conseguia a aprovação legal, mediante a qual os Irmãos seriam isentos do serviço militar.
O Padre Champagnat via claramente que tal união significaria liquidar a obra pela qual vinha batalhando, já fazia quinze anos e contava com o trabalho de mais de 50 Irmãos em 20 escolas. Os Clérigos de Saint-Viateur tinham dois anos de existência, um único religioso e uns poucos simpatizantes.
Depois de uma consulta franca aos seus confrades, o humilde Padre Champagnat se dirige ao Vigário Geral, Padre Cholleton, conselheiro do Arcebispado. Na carta a seguir, modelo de simplicidade e de inteira disponibilidade, Champagnat se coloca às ordens de seus superiores eclesiásticos.
Notar que Champagnat emprega às vezes o indicativo presente como revivendo acontecimentos de oito anos passados.

Senhor Vigário Geral,
Ainda não fiz a viagem a Vourles:
1º) porque estive muito assoberbado de serviço; 2º) porque não estimei que me tivesse sido mandada; 3º) porque não entendi bem de que se tratava; parece-me ter ouvido falar que o Padre Querbes queria fazer-se marista; nesse caso, seria dever do Pároco de Vourles tomar as primeiras providências. 4º) nenhum dos meus confrades com os quais conversei aprova esta viagem; num caso de tanta importância, penso que por iniciativa própria não compete a mim dar o primeiro passo.
Não me atrevo a comentar isso com os Irmãos, tendo em vista o reboliço que se deu com os de Millery quando alguém tocou no assunto. No tempo em que sozinho, após o lamentável desfecho do caso do Padre Courveille e a deserção do Padre Terraillon, o senhor me aconselhou que falasse com o Padre Querbes, para ver se chegaríamos a um acordo. Efetivamente estive com ele, mas não cheguei a nenhum acordo como já tive a honra de dizer-lhe.
Depois de ameaças, as mais terríveis que se possam fazer a um Padre que se desgasta na saúde e em seus haveres, vi renascer a calma com a chegada de Dom De Pins. Dentro de pouco tempo, porém, novos perigos, mais terríveis que os anteriores, se armam contra os Pequenos Irmãs de Maria.
Nefasta foi a medida que, a conselho do Padre Superior, levei a cabo, indo a Epercieux buscar o Padre Courveille! Ó dia realmente nefasto, capaz de deitar abaixo uma instituição, caso não estivesse solidamente amparada pelo braço forte da divina Maria!
Durante uma doença grave e prolongada, estando eu afogado em dívidas, quero constituir o Padre Terraillon meu herdeiro universal. O Padre Terraillon recusa minha herança, dizendo que eu nada tenho, ao mesmo tempo que não para de bisbilhotar com o Padre Courveille, junto aos Irmãos: Não demora que os credores virão expulsar vocês daqui. Quanto a nós, é só aceitar uma paróquia e largar de vocês?.
Por fim, Deus em sua infinita misericórdia, – ai! que digo? – talvez em sua justiça, me devolve por fim a saúde. Tranqüilizo meus filhos; digo-lhes que nada temam, que eu compartilharei de todos os seus dissabores, partilhando até o último pedaço de pão.
Foi nesta contingência que constatei que nem um nem outro tinham para com os jovens sentimentos de pai.
Não tenho nenhuma queixa contra o Pároco de Notre Dame, cujo proceder em nossa casa foi sempre exemplar.
Com o afastamento do Padre Courveille e a saída do Padre Terraillon, fiquei sozinho; porém, Maria não nos abandona. Aos poucos vamos pagando as dívidas, outros coirmãos vêm tomar o lugar dos primeiros. Estou sozinho para pagar os custas da manutenção deles. Maria nos ajuda e isso nos basta.

Nota do Padre Coste:
A página 13 do caderno do Padre Champagnat, em que está o rascunho da carta, foi rasgada em diagonal; sobram apenas umas poucas palavras que se lêem, à esquerda. Aparecem aqui sublinhadas. Através delas, pode-se fazer conjecturas sobre os assuntos que estariam subentendendo. Assim:

Estou aumentando a propriedade, mediante novas aquisições.
A revolução de 1830 destronou o rei. Recebemod em lHermitage um Comissário do rei que veio vistoriar a casa, na qual os Irmãos estariam escondendo armas e preparando uma contra-revolução. Apesar das convulsões em que ardeu a França, não fomos tão molestados assim; apenas a escola de Feurs foi fechada. Tivemos que retirar os Irmãos porque não podiam mais lecionar, por não gozarem da isenção do serviço militar, como prescreve a lei.
Se perdurar esta exigência, poderíamos pensar em fazer um convênio com os Clérigos de Saint Viateur, fundados pelo Padre Querbes. Eles já conseguiram a isenção. (Cf. OM,)

Edição: Marcelino Champagnat. Cartas - SIMAR, São Paulo, 1997

fonte: Daprès lautographe, AFM 132.3, édité en OM 286

ANTERIOR

Carta de Marcelino - 027...

PRÓXIMO

Carta de Marcelino - 034...