São Marcelino Champagnat

Fundador do Instituto Marista Lluís Serra Llansana

2001

Marcelino Champagnat, padre marista francês, é o fundador do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas ou Irmãozinhos de Maria. O encanto que sua pessoa produz não nasce de uma primeira impressão, mas de uma presença continuada e singela. Como Maria de Nazaré, age com discrição. Sua riqueza interior é profunda e são contagiosos seu dinamismo pessoal, sua alegria, sua espiritualidade mariana e sua confiança em Deus. As crianças e os jovens são seus amigos e lhe manifestam um carinho especial. Os irmãos, que tanto os ama, são os herdeiros de seu espírito. Seu itinerário de fé o conduz até as primícias do amor, pois é nisto que consiste a santidade.

As raízes de uma história
Rosey é uma aldeia do município de Marlhes, França. Lugar de montanha, muito atraente, mas de restritas condições de desenvolvimento humano e com poucas condições para a cultura e o relacionamento; a vida é rude. O calendário marca o ano da Revolução Francesa: 1789. No dia 20 de maio, Maria Teresa Chirat, casada com João Batista Champagnat, dá à luz a seu nono filho. No dia seguinte, 5ª feira da Ascensão, o bebê é levado à pia batismal e passa a chamar-se Marcelino José Bento. Vislumbra-se a aurora de uma nova época. O Antigo Regime desfaz-se em pedaços. João Batista, o pai do menino, homem aberto, acolhedor, compreensivo e com espírito de iniciativa, toma o pulso da história participando em primeira fila. Possui elevado nível de instrução para seu tempo. Sua letra é impecável, sua facilidade de falar em público, assim como sua capacidade de direção, são provas de suas qualidades. Exerce diversas funções e cargos como juiz de paz e obtém o primeiro lugar na votação para delegado. Dedica-se com esmero em suas atuações públicas. Mesmo servindo os ideais revolucionários, nos quadros dos jacobinos, partido de extrema esquerda, dá prioridade às realidades concretas de seu povo, salvaguardando os interesses de seus habitantes.
Enquanto se sucedem estas ocorrências políticas, Marcelino convive estreitamente com sua mãe que se dedica ao comércio de telas e encaixes, tendo que completar seus ganhos com a agricultura e os trabalhos do moinho. Maria Teresa é, na vida de seu esposo, um instrumento de moderação e equilíbrio. Seu temperamento e sobretudo a energia e a clarividência em relação à economia familiar e à educação dos filhos, facilitam-lhe a tarefa: educa com esmero seus filhos, acentuando os valores da piedade, do trato social e do espírito sóbrio. Sua tia, Luísa Champagnat, é religiosa de S. José, expulsa do convento pela Revolução. A influência que deixa no jovem através de orações, lições e bons exemplos é tão profunda que, com certa freqüência, Marcelino a relembra com agrado e gratidão. Com a idade de seis anos, um dia, pergunta-lhe: "Tia, que é a revolução? É uma pessoa ou um animal?" Em seu ambiente é quase impossível subtrair-se ao palpitar da História.
A educação de Marcelino é realizada no cruzamento das novas idéias, trazidas por seu pai, e a espiritualidade profunda e tradicional, transmitida por sua mãe e sua tia. No seio da família, os problemas do mundo são vividos em toda a sua agudeza, recebendo uma solução moderada, porém positiva e sempre favorável às pessoas mais que às ideologias. Respira o sentido da fraternidade vivendo lado a lado com suas irmãs e irmãos.

Uma ferida luminosa
Deus se serve amiúde das páginas obscuras de nossa história e das feridas que a vida produz em nós para fazer surgir uma fonte de luz. Marcelino vive uma situação escolar muito deficiente. Duas experiências negativas lhe produzem um forte impacto.
Sua tia ensina-lhe os rudimentos da leitura com resultados decepcionantes. Seus pais decidem enviá-lo ao professor em Marlhes, Bartolomeu Moine. No primeiro dia em que vai à escola, por ser excessivamente tímido, o professor o chama para perto de si com o fim de fazê-lo ler. Enquanto está indo, outro aluno se antecipa e lhe toma o lugar. O professor aplica sonora bofetada no intruso e manda-o para o fundo da sala. Este ato de brutalidade produz um trauma ao recém chegado, aumentando-lhe o medo. Revolta-se interiormente: " não voltarei à aula de um professor assim; ao maltratar sem razão este menino, mostra-me o que está me esperando; por qualquer coisa poderá tratar-me assim; não quero, por isso, receber dele aula e menos ainda castigos". Apesar da insistência da família, não volta à escola. O primeiro dia de aula é também o último.
Depois deste fracasso escolar, aprende a vida na escola de seu pai. Acompanha-o em qualquer lugar que vá e realiza todos os trabalhos necessários para a manutenção de uma granja. Entrega-se com entusiasmo a todas estas ocupações, movido por seu temperamento dinâmico, seu amor ao trabalho manual, seu espírito de iniciativa, seu sentido prático e sua força física. Marcelino possui, além disso, um bom caráter. As mães, que dão mais valor à sabedoria do que à cultura, o propõem como modelo para seus filhos. Ao mesmo tempo, cresce em piedade e em virtude na escola de sua mãe e de sua tia, recebendo, aos onze anos, a primeira comunhão e o sacramento da confirmação.
Outro fato que ocorreu numa sessão de catequese o impressiona profundamente. Um sacerdote, cansado das traquinagens de um rapaz, repreende-o e dá-lhe um apelido. O rapaz não pára e seus colegas usam o apelido para ridicularizá-lo. Na saída, continuam. Seu agastamento estimula a agressividade de seus colegas. O rapaz, em conseqüência, torna-se arredio e fechado em si mesmo. Anos mais tarde, Marcelino dirá: "Ai tendes o fracasso da educação: um menino condenado, por seu caráter mal formado, a converter-se em suplício para sua família e vizinhança. E tudo isto por causa de uma atitude de impaciência que poderia ter sido evitada facilmente".
A fundação do Instituto dos Irmãos Maristas será sua resposta de fé às carências e à situação escolar da França que adquire caracteres dramáticos. No ano de 1792 são suprimidas todas as congregações religiosas. A instrução pública é nula. A juventude tem diante de seus passos o caminho da ignorância e do desacerto. Poucos anos depois o século XIX abrirá suas portas. Será o século da escola para a qual Marcelino contribuirá de maneira notável.

Sua vocação: "vencerei já que Deus o quer"
A falta de sacerdotes é evidente. Urge fomentar vocações e fundar seminários. Um sacerdote quer recrutar alunos para o seminário. O pároco o encaminha à família Champagnat. João Batista não pode conter seu espanto ao saber do motivo da visita: "Nenhum de meus filhos jamais manifestou o desejo de ir ao seminário". Ao contrário de seus irmãos que recusam o convite, Marcelino fica em dúvida. O sacerdote, com um pouco mais de conversa, fica encantado com a singeleza, modéstia e caráter franco e aberto de Marcelino: "Filho, tens que estudar e ser sacerdote. Deus o quer". Marcelino então decide ir ao seminário. Sua opção jamais será revogada.
Sua vida toma outro rumo. Seus projetos, vinculados ao comércio e aos negócios, vão por águas abaixo. A determinação de ir ao seminário exige outros requisitos: aprender Latim, além de ler e escrever em Francês. Sua língua materna e habitual é uma variante do ocitano: o franco-provençal. Seus pais, antevendo as dificuldades, tentam dissuadi-lo. Tudo inútil. Sua determinação está clara: será sacerdote.
João Batista, seu pai, morre repentinamente. Marcelino tem 15 anos. Volta aos estudos. Recuperar, nesta idade, o tempo perdido torna-se uma empresa gigantesca. Vai à escola de Benito Arnaud, seu cunhado. Apesar do esforço de ambos, os progressos são escassos. O cunhado tenta dissuadi-lo. E informa disso a mãe de Marcelino. Apesar das dificuldades, ele persiste e aprofunda sua vocação. Reza com freqüência a São Francisco Regis e vai com sua mãe ao santuário mariano de La Louvesc. A decisão é irrevogável: "Quero ir para o seminário. Terei êxito em meu propósito, já que Deus me chama".

O caminho do sacerdócio
Marcelino ingressa no Seminário Menor de Verrières. Ao início, não se comporta bem e é convidado pelo reitor a ficar em casa e não voltar ao Seminário. Marcelino passa por maus momentos. Supera esta etapa com a ajuda direta da mãe – que falecerá ao completar Marcelino 20 anos – e orienta as energias em função de seu projeto de vida. Luta ardorosamente para conseguir a ciência e a piedade. Seu comportamento, avaliado como "regular" no sexto ano, progride até obter a classificação de "muito bom ". É nomeado vigilante de dormitório. Esta tarefa intensifica seu sentido de responsabilidade e lhe permite subtrair horas de sono para dedicá-las ao estudo.
Realiza progressos notáveis em sua piedade e na ação apostólica entre os companheiros, dois dos quais se inscrevem nas páginas da História: João Cláudio Colin, fundador e superior geral da Sociedade de Maria, e João Maria Vianney, o santo Cura dArs. Anima os desestimulados. Suas resoluções de retiro, que terminam com uma oração, são seu documento autográfico mais antigo. Além de esforçar-se por uma vida espiritual mais intensa e profunda, promete ao Senhor "instruir os que ignoram teus divinos preceitos e ensinar o catecismo a todos sem distinção de ricos e pobres". Durante as férias, assim procede reunindo as crianças de sua aldeia.
Marcelino entra no Seminário Maior de Lião, dirigido pelos sulpicianos, com 24 anos. O escudo de armas do seminário é o monograma mariano que, anos mais tarde, será adotado pela Sociedade de Maria em geral e pelos Pequenos Irmãos de Maria em particular. Os três anos de Teologia, preparatórios à ordenação sacerdotal, constituem um tempo privilegiado para o fervor, a madureza, a amizade, o ideal apostólico e os projetos de fundação. Os anos anteriores a sua ordenação sacerdotal lhe servem para realizar três tarefas: sua maturação humana e espiritual, a aquisição de um nível satisfatório em seus estudos – partindo de uma base acadêmica quase inexistente, fato que aumenta suas dificuldades e põe à prova sua constância – e a amizade com o grupo de companheiros, estimulados pelo amor à Virgem e tendo em vista o desejo partilhado de fundar uma congregação religiosa.
Ingressa um novo seminarista: João Cláudio Courveille que afirma ter sido curado milagrosamente em 1809 e ter ouvido, em Puy, uma voz interior que o impele a fundar a Sociedade de Maria. Junto a ele, é constituída uma equipe de seminaristas para esta finalidade. Marcelino, recrutado pelo próprio Courveille, está entre eles. Uma certa clandestinidade e o ideal de um projeto esperançoso enchem de entusiasmo suas reuniões. O projeto compreende padres (e irmãos leigos), irmãs e ordem terceira. No entanto, Marcelino tem suas preocupações particulares: quer fundar uma congregação para o ensino. A necessidade imperiosa de educação naquele momento histórico e a lembrança do que lhe havia custado instruir-se subjazem em sua decisão: "precisamos de irmãos". Sua proposta não encontra eco no grupo por não estar previsto no projeto inicial. Mas ele insiste: "Precisamos de irmãos". Finalmente, concordam em que ele o realize: "Encarregue-se você dos irmãos já que a idéia é sua". Cláudio Maria Bochard, um dos vigários gerais, também alimenta desejos de fundar sua congregação e verá no projeto de Marcelino uma ameaça ao seu.
No dia 22 de julho de 1816, Marcelino é ordenado sacerdote junto com muitos de seus companheiros de seminário e de projeto fundacional. Doze deles, Marcelino entre eles, sobem em peregrinação ao Santuário Nossa Senhora de Fourvière para colocarem-se sob a proteção de Maria. Depois da missa, João Cláudio Courveille lê um texto de consagração que pode ser considerado o primeiro ato oficial, embora de caráter privado, da Sociedade de Maria, assim como a data de fundação. As tarefas pastorais os dispersaram pela imensa diocese de Lião.

Com os olhos abertos
Marcelino antecipa a metodologia do "ver, julgar e agir". Anos mais tarde, em carta dirigida à rainha Maria Amélia, recorda sua época de coadjutor em La Valla: "Elevado ao sacerdócio em 1816, fui enviado a um município da região de Saint-Chamond (Loire). O que vi com meus próprios olhos nesta região, no tocante à educação dos meninos e adolescentes, me relembrou as dificuldades que eu também tive em minha infância por falta de educadores. Apressei-me, portanto, em levar a efeito o projeto que tinha de formar uma associação de irmãos educadores para os municípios pobres, rurais onde, na maioria dos casos, a penúria não permitia haver Irmãos das Escolas Cristãs. Dei, aos membros desta nova associação, o nome de Maria, persuadido de que só este nome já atrairia grande número de alunos. Um êxito rápido, apesar da falta de recursos materiais, justificando minhas conjecturas, superou minhas esperanças […]. O governo, ao nos autorizar, facilita, de maneira singular, nosso desenvolvimento. A religião e a sociedade obterão grande proveito com isso".
Quando chega a La Valla, ao divisar o campanário da Igreja, prostra-se de joelhos e confia ao Senhor e a Maria, que a chama de Boa Mãe, sua tarefa apostólica. La Valla está encravada numa bela paisagem da zona montanhosa do Pilat. A paróquia está abandonada, lamentavelmente. Para renová-la, traça uma regra de vida pessoal. Concede importância à vida de oração, ao estudo diário da Teologia e à preocupação pastoral: "Procurarei, especialmente, praticar a mansidão e, para levar mais facilmente as almas a Deus, tratarei com suma bondade a todos".
A mudança só será possível a partir do estudo da realidade paroquial. Não demora em fazê-lo. O abandono em que se encontram os meninos acentua seu cuidado por eles através da catequese, da educação e da instrução. Seu trato afetuoso dá preferência à recompensa e ao estimulo antes que ao castigo, praticamente não utilizado por ele. Demonstra suas atenções para com os adultos por meio de homilias e pelo sacramento da confissão. No entanto, seus privilegiados são os enfermos e os pobres. Um jovem, João Maria Granjon, trava amizade com Marcelino e o acompanha em algumas de suas visitas aos doentes. Será o primeiro irmãozinho de Maria. O uso deste diminutivo, para Marcelino, tem uma profunda conotação espiritual de simplicidade e humildade. Um fato ocorrido no dia 28 de outubro de 1816 é decisivo para concretizar seu sonho. Atende um jovem de 17 anos, chamado João Batista Montagne, moribundo, na zona de Palais. Impressiona-o profundamente suas carências a respeito da vida. Dá-se conta da ignorância que ele tinha dos mistérios da fé. Horas depois, o jovem falece. Champagnat não pode mais ficar de braços cruzados. Naquele mesmo dia comunica a João Maria Granjon seus projetos e o papel que ele, João Maria, poderia desempenhar. É urgente realizá-lo. A proposta de Marcelino sobre a necessidade de irmãos adquire caracteres dramáticos. Cinco dias depois aparece-lhe um jovem, João Batista Audras, para expor-lhe suas inquietudes vocacionais. Marcelino propõe-lhe vir viver com João Maria Granjon.

Fundador dos Irmãos Maristas
Já tomou conhecimento do suficiente. Em seu interior ressoam as palavras de Maria: "Fazei tudo o que ele disser" e passa decididamente à ação. Tem 27 anos e nem sequer passaram seis meses de sua ordenação sacerdotal. No dia 2 de janeiro de 1817, João Maria Granjon, com 23 anos, e João Batista Audras, de 14 anos e meio, ocupam a pequena casa que Marcelino alugou em La Valla. Entremeiam oração, trabalho e estudo. Sua ocupação manual consiste na fabricação de pregos, para, com isto, prover a sua manutenção. Marcelino dá-lhes lições de leitura e escrita e zela por sua formação de religiosos educadores. Novos jovens incorporam-se ao projeto, entre eles Gabriel Rivat (Irmão Francisco) que será o primeiro superior geral.
Depois de preparar adequadamente os irmãos, funda uma escola em Marlhes. O irmão Luís é seu primeiro diretor. Apesar de sua juventude e inexperiência, o resultado obtido em tão pouco tempo torna-se patente a todos. Técnicas elementares alimentam todo um estilo educativo, proporcionado por Marcelino: partilhar a vida com os jovens, amá-los e conduzi-los a Jesus sob a proteção maternal de Maria. As fundações se sucedem de forma paulatina mas constante. As vocações não são suficientes para atender aos numerosos pedidos de abertura de novas escolas.
Toda pessoa que progride humana e espiritualmente passa sempre por uma "noite escura" que lhe serve de purificação em suas motivações e de embasamento na essência de sua fé e de sua vida. Alguns setores da sociedade não vêem com bons olhos os projetos do fundador, sua persistência em levá-los a bom termo e sua freqüente ocupação em trabalhos manuais. Recebe censura de Bochard, que o deixa entregue à própria sorte. Marcelino entrevista-se com o vigário geral da arquidiocese. Põe-no a par de sua comunidade e pede-lhe o parecer sobre a obra, declarando-lhe que está disposto a deixar tudo se ele achar que esta é a vontade de Deus. Põe-se à sua disposição para ser transferido, se for o caso. Esta atitude elimina todas as reservas de seus superiores.
A escuridão da noite tem também raios de luz. Sua confiança na "Boa Mãe" lhe permite encontrar um refúgio seguro em meio a uma tempestade de neve ao visitar um irmão enfermo. Ante a escassez de vocações, sua confiante oração à Virgem encontra uma resposta inesperada com a chegada de oito aspirantes. Uma mudança na cúria diocesana, com a substituição de Bochard, anima sua fundação e recebe autorização para adquirir nova casa. Ajudado economicamente por Courveille, compra, a baixo preço, já que é terreno rochoso, uma propriedade às margens de Gier.

Uma casa edificada sobre rocha
A construção é feita em condições muito duras, suavizadas pela piedade e relações fraternas, o que permite que se realize em menos de meio ano. As pessoas da vizinhança ficam assombradas, já que as dificuldades oferecidas pelo pedregal são enormes. Vêem o jovem sacerdote arremangar a batina e carregar as pedras mais pesadas. Gostam de ouvir, ao passarem pela estrada, os cantos da comunidade. Trata-se de uma casa edificada sobre rocha: Nossa Senhora de LHermitage.
O ano de 1825 é uma das épocas mais angustiosas, porque entrecruzam-se problemas legais e financeiros, a par de sua enfermidade e as intrigas de Courveille, que passa a morar com ele em LHermitage. Apesar de tudo, Marcelino confia em Maria, seu recurso ordinário.
A autorização legal do Instituto é um problema que não será resolvido em vida. Procura, sem encontrá-la, uma solução definitiva e convincente. Isto custa-lhe dores de cabeça, tramitações burocráticas, visitas e viagens. Entretanto, preocupa-se muito mais de sua obra que de sua legalização.
Courveille considera-se o superior dos irmãos e procura seu reconhecimento: as manobras e a política à socapa encontram resistência. Consegue submeter, à votação, a escolha de superior, porém os irmãos escolhem Marcelino, que encara, com profundo espírito de fé e humildade, as intrigas de seu companheiro de sacerdócio. Inclusive, Marcelino chega a propor uma segunda eleição, depois de sugerir aos irmãos que as pessoas que o cercam são mais qualificadas do que ele. Ganha outra vez quase a unanimidade.
É admissível que estes acontecimentos o façam sofrer muito, embora nada exteriorize. Courveille, respeitado e considerado por Marcelino como superior do grupo de congregações maristas, não reconhece o resultado e passa a um ataque quase frontal por meio de cartas, práticas e argumentação com o fim de persuadir. Esta situação angustiosa e o enfraquecimento de sua saúde, devido a suas numerosas viagens para visitar as comunidades, colégios e moribundos, em condições climáticas adversas, lançam Marcelino no leito da enfermidade, de tal forma que, em poucos dias, perde-se toda a esperança de salvá-lo. O Instituto está em perigo de desaparecer. Sobrevem o desalento. A forma de governo empregada por Courveille, com medidas impositivas e drásticas, contrasta com o estilo de Marcelino com o qual estavam acostumados: retidão e bondade. As águas voltam, lentamente, ao seu leito. Continuam, porém, em tom menor, as agitações de Courveille, que abandona LHermitage e retira-se para a trapa de Aiguebelle.

Um estilo de educação baseado no amor e na exigência
Marcelino quer que os irmãos maristas sejam de categoria única e que não haja distinção de classe entre eles. Constitui, este projeto de fraternidade, um sinal se antecipação e de progresso. A trajetória pessoal de Marcelino Champagnat e sua postura frente aos eventos mais relevantes da história permitem observar que sua obra está nascendo adaptada aos tempos modernos. Nas fundações, sempre pede autorização à hierarquia religiosa e ao poder civil. Demonstra, assim, sua vontade de "educar bons cristãos e bons cidadãos". Embora muitos fundadores procedam de famílias conservadoras, Marcelino vive, desde sua infância, o pulso da Revolução e de mudança. Outros estão contra o governo; ele quer colaborar. Um deputado do Parlamento explica esta atitude: "nunca funda sem o beneplácito da autoridade pública". Assim procedendo evita conflitos. Mantêm-se sempre à margem da política de partido e dentro das orientações da Igreja.
Marcelino desperta nos irmãos atitudes educativas. Em vez da circunspecção, sugerida como primeira virtude de um educador em outras congregações de ensino, Marcelino propõe a singeleza e a bondade, a autenticidade e a abertura. Insiste também no espírito de família, na benevolência, na devoção a Maria, expressa mais em atos do que em palavras, no trato bondoso dos alunos, no espírito de trabalho e no ideal de educação religiosa bem profunda que deve sublinhar a relação com Deus na confiança. Estas qualidades configuram uma modalidade educativa peculiar.
Não se trata de uma revolução nos métodos pedagógicos, cuja importância não se discute, mas de uma forma de enfocar a vida, de visualizar a educação, de orientar as pessoas, de conduzir a madureza… Trata-se de atitudes profundas, a cujo conjunto chamamos de estilo. Por isso, não é de estranhar que os pedidos de abertura sejam sempre superiores às possibilidades de aceitá-las. A dedicação chega, inclusive, a superar as deficiências que porventura pode haver em nível acadêmico.
Diz com freqüência: "Não posso ver uma criança sem que me assalte o desejo de ensinar-lhe o catecismo e dizer-lhe o quanto Jesus Cristo a ama". Sente a necessidade de educar a fé através da cultura: "Se se tratasse apenas de ensinar a ciência profana aos meninos, os irmãos não fariam falta; seriam suficientes os professores para esta tarefa. Se pretendemos apenas dar-lhes instrução religiosa, limitar-nos-ía-mos a ser apenas catequistas, reunindo-os uma hora diária para fazê-los recitar a doutrina. Porém, nossa meta é bem superior: queremos educá-los, isto é, dar-lhes a conhecer seus deveres, ensinar-lhes a cumpri-los, infundir-lhes espírito, sentimentos e hábitos religiosos, fazê-los adquirir as virtudes de um bom cristão. Não conseguiremos isto se não formos pedagogos, se não vivermos com as crianças e sem que elas estejam muito tempo conosco". Tudo isto constitui um projeto de educação integral a partir de uma ótica cristã.
O estilo educativo de Marcelino mergulha suas raízes em sua espiritualidade. O amor a Jesus e a Maria é a fonte inspiradora de sua pedagogia. Seu lema é: "Tudo a Jesus por Maria; tudo a Maria para Jesus". Não adere, por exemplo, às influências de seu tempo no tocante aos castigos corporais, muito freqüentes naquela época. Sua contribuição pedagógica e educativa centra-se na visão religiosa da vida e das pessoas, num profundo sentido comum, na capacidade prática de enfrentar as diversas situações que se apresentam, na pedagogia da presença, como a melhor forma de prevenção, e de preferência pelos mais pobres e abandonados.

Um projeto de vanguarda
Outras instituições religiosas exigiam de seus membros que fossem de três em três para formar uma comunidade e que cobrassem mensalidades determinadas. Marcelino, com o propósito de chegar a cobrir as necessidades mais urgentes, permite que vão dois a dois; admite, inclusive, a possibilidade de ir só um irmão, porém com o dever de reunir-se e conviver em comunidade com outros. Pergunta-se: Diante da impossibilidade em que se encontram tantos municípios rurais para suprir as necessidades de mais de dois professores, dever-se-ia vacilar entre deixá-los sem meios de educação ou então ministrá-la por meio de dois irmãos, apesar de oferecerem menos garantias que três ? Seria interessante para a religião e para a sociedade que se duvidasse disso? Seu ardor apostólico não tem fronteiras. Não quer que a falta de recursos econômicos seja impedimento para que os meninos recebam educação. Por isso, esforça-se por diminuir os custos por meio de trabalho na própria horta, de cobrança de alguns alunos e da volta dos irmãos a LHermitage quando a escola não funciona.
Marcelino Champagnat vive a mística na ação. "Se o Senhor não edifica a casa, em vão se cansam os construtores", é seu salmo preferido. Nele, os fatos que brotam de uma espiritualidade apostólica profunda falam mais que as palavras. Seus escritos são raros, uma centena de cartas, pouco mais. Impelido pelo espírito e pela necessidade, prepara alguns jovens para realizar um projeto de educação cristã dentro de uma vida religiosa laical. Quando a vida lhe vai diminuindo e novos membros solicitam ingresso em seu Instituto, convence-se de que deve proporcionar-lhe uma Constituição. A ação antecipa-se à palavra. As normas surgem da experiência. Os irmãos maristas herdarão sua espiritualidade mariana e seu estilo pedagógico, a singeleza de trato e seu dinamismo apostólico em favor dos meninos e dos jovens, especialmente os mais desassistidos.

Marcelino: um coração sem fronteiras
Marcelino envia irmãos à Oceania, ansioso por poder ir também com eles porque sente profundo espírito missionário, porém deve ir a Paris para pleitear a legalização do Instituto. Sua vida espiritual alcança grau relevante: "Encontro-me tão unido a Deus nas ruas de Paris como nos bosques de LHermitage". Diante das dificuldades da autorização legal, reage assim numa carta: "Tenho sempre uma grande confiança em Jesus e Maria. Conseguiremos nosso objetivo, não tenho dúvidas, apenas não sei quando… Não esqueça de dizer, a todos os irmãos, quanto os amo e quanto sofro por estar longe deles…"
Vai chegando o momento decisivo, sua saúde não permite ter muitas esperanças. Realiza a eleição de seu sucessor como superior geral. Os irmãos elegem em 1839 o Irmão Francisco. A vida do Instituto segue um ritmo trepidante com numerosas vocações que se apresentam. Ainda encontra tempo e energias para pregar um retiro a alunos. Sua piedade e bondade que transparecem em seu rosto, marcado pela fraqueza e pela dor, conquistam o coração de todos eles, que exclamam: "Este sacerdote é um santo". Deus está com ele. Deixa resolvidos todos os assuntos temporais, para o que recorre a um notário, já que as propriedades da congregação estão em seu nome. Dita seu testamento que distila uma espiritualidade altíssima e uma sensibilidade apurada. Duas frases: "Oxalá se possa afirmar dos Irmãozinhos de Maria o que se dizia dos primeiros cristãos: vede como se amam… É o desejo mais vivo de meu coração nestes últimos instantes de minha vida. Sim, meus queridos irmãos, escutai as últimas palavras de vosso Pai que são as de nosso amado Salvador: amai-vos uns aos outros; e uma terna e filial devoção a nossa boa Mãe vos anime em todo o tempo e circunstância. Fazei-a amar em toda parte tanto quanto vos seja possível". Jesus, Maria e José encontram-se no centro de seu coração e de sua oração. No sábado, 6 de junho de 1840, vigília de Pentecostes, pouco antes do amanhecer, Marcelino entrega sua alma a Deus na idade de 51 anos. A realidade que deixa é evidente mas seu projeto é ainda mais ambicioso: "Todas as dioceses do mundo entram em nossos planos". Hoje quase 5.000 irmãos maristas e numerosos leigos realizam o carisma de Marcelino em 75 países.
No dia 29 de maio de 1955, Marcelino ocupa a glória de Bernini, por ocasião de sua beatificação, sob o Pontificado de Pio XII e, no dia 18 de abril de 1999, Marcelino é canonizado pelo Papa João Paulo II. Este Papa, no dia 20 de setembro de 2000, ano do Grande Jubileu, benze a escultura de S. Marcelino Champagnat que passa a fazer parte dos santos fundadores de ordens religiosas, representados na Basílica de São Pedro.

Fé e amor esculpidos para sempre

Traços de são Marcelino na escultura de Deredia
A escultura reflete a fortaleza e a decisão de Marcelino, que leva sobre seus ombros o peso da infância com ternura e delicadeza. Estas suas atitudes antropológicas adquirem toda sua dimensão cristã pela força da cruz que sustenta com sua mão esquerda. As crianças, especialmente os pobres e marginalizados, precisam de uma relação educativa que lhes proporcione segurança e amor. Assim o entendeu Marcelino e assim o irradia a estátua, com reminiscências da imagem do Bom Pastor. O jogo de pés e mãos traduzem a trama afetiva, que é o terreno preparado para receber a Palavra de Deus e a ação educativa. A criança sobre os ombros se apoia na cabeça do Santo adquirindo uma perspectiva superior para ver a vida e seu pé descansa seguro na mão direita de Marcelino. Por outra, a figura inferior do grupo escultórico se apoia no pé de Champagnat, como referência pessoal, enquanto o livro aberto aponta as oportunidades educativas de que goza e seu olhar vai configurando um modo próprio de ver a vida.
A humildade e a simplicidade de Marcelino se expressam através da mensagem da estátua. Não há sobrecarga de elementos senão traços essenciais. A escultura permite observar o mistério mais sublime da fé cristã ao representar a unidade do amor na trindade de pessoas. Todo o mais é acidental. A obra não pode ser diferente. Descreve em cada sinal o retrato do personagem e cada volume harmoniza com o conjunto. A luz esvai-se suave e cândida sobre a roupagem sem alterar aquela unidade com o universo que Miguel Ângelo e Marcelino sonharam.


Bibliografía
M. CHAMPAGNAT, Cartas, Luis Vives, Zaragoza 1996; J.B. FURET, Vida de José B. Marcelino Champagnat. Luis Vives, Zaragoza 1990; Ir. SILVESTRE, CRÓNICAS MARISTAS IV, Memorias, Luis Vives, Zaragoza 1990; S. SAMMON, San Marcelino Champagnat. Vida y misión, Instituto de Hermanos Maristas, Roma 1999; R, MASSON, Marcelino Champagnat, las paradojas de Dios, Luis Vives, Zaragoza 2000; ESCORIHUELA, MORAL, SERRA, El educador marista. Luis Vives, Zaragoza 1983; G. MICHEL, Champagnat, Ed. Salesiana, Asunción 1994; V. DEL POZO, Yo y la revolución, Ed. Barath, Madrid 1985; F. ANDRES, Padre de hermanos, Luis Vives, Zaragoza, 1990; INSTITUTO MARISTA, Misión Educativa Marista. Un proyecto para hoy, Edelvives, Madrid 1999; P. ZIND-A. CARAZO, Tras las huellas de Marcelino Champagnat, Provincia Marista, Chile 1999; M. A. DORADO, El pensamiento educativo de la Institución marista, Ed. Nau llibres, Valencia 1984.


Bibliografía / Bibliography
M. CHAMPAGNAT, Cartas, Luis Vives, Zaragoza 1996; J.B. FURET, Vida de José B. Marcelino Champagnat. Luis Vives, Zaragoza 1990; Ir. SILVESTRE, CRÓNICAS MARISTAS IV, Memorias, Luis Vives, Zaragoza 1990; S. SAMMON, San Marcelino Champagnat. Vida y misión, Instituto de Hermanos Maristas, Roma 1999; R, MASSON, Marcelino Champagnat, las paradojas de Dios, Luis Vives, Zaragoza 2000; ESCORIHUELA, MORAL, SERRA, El educador marista. Luis Vives, Zaragoza 1983; G. MICHEL, Champagnat, Ed. Salesiana, Asunción 1994; V. DEL POZO, Yo y la revolución, Ed. Barath, Madrid 1985; F. ANDRES, Padre de hermanos, Luis Vives, Zaragoza, 1990; INSTITUTO MARISTA, Missão Educativa Marista. Un proyecto para hoy, Edelvives, Madrid 1999; P. ZIND-A. CARAZO, Tras las huellas de Marcelino Champagnat, Provincia Marista, Chile 1999; M. A. DORADO, El pensamiento educativo de la Institución marista, Ed. Nau llibres, Valencia 1984.

Edição: Jiménez Deredia en la basílica de San Pedro del Vaticano

ANTERIOR

Marcelino Champagnat...

PRÓXIMO

Marcelino Champagnat: não seria possível se...