2 de maio de 2014 SíRIA

Maristas Azuis

Um jornalista perguntando-me recentemente como qualificaria eu a situação na Síria, respondi : podre.  Andamos em guerra há três anos ;  nenhum dos dois campos é capaz de prevalecer militarmente e não se vislumbra nenhuma solução política no horizonte. As potências regionais e mundiais  (e os meios de comunicação) parecem ter perdido o interesse pelo conflito, mas foram eles que o suscitaram, financiaram, forneceram armas e que talvez o programaram. Só que agora têm outras preocupações : Crimeia, Ucrânia, voo MH370 , eleições e, portanto, deixam apodecer a situação na Síria. 

E isso em detrimento dos Sírios que vêem seu país destruído, sua economia a zero, seu património entregue à pilhagem, sua elite exilada e a sua riqueza roubada; sem esquecer os mortos 150.000, os 4 milhões de refugiados, os deslocados internos 8.000.000 , atos de selvageria e barbárie que ninguém poderia imaginar e ódio confessional  que desconhecíamos, entre cristãos e muçulmanos que durante séculos vivemos em harmonia. Mesmo os destruidores mais acérrimos do regime e os defensores mais ferozes da reforma não queriam a guerra, muito menos esta.

Em Alepe, a situação vai de mal a pior com o bloqueio intermitente mas total de pessoas e bens. Daí a impossibilidade de sair ou de entrar na cidade e uma escassez de bens essenciais : legumes, frutas, carne, frango, combustível etc . Passados  dez a quinze dias, de repente, o bloqueio abranda para, pouco depois voltar ao que era. Recentemente, a água e a eletricidade foram cortadas por 11 dias consecutivos; os vendedores de geradores e óleo combustível esfregaram as mãos. Felizmente, há um ano, uma organização cristã protestante perfurou 20 poços nas igrejas de diferentes quarteirões de Alepe (seguidos nesta ideia por grupos muçulmanos que fizeram o mesmo onde havia mesquitas). Os habitantes de Alepe, portanto, têm que fazer fila em frente das igrejas e mesquitas para encher bidons de água (regresso à Idade Média !).

Uma chuva de morteiros cai diariamente em Alepe matando dezenas de pessoas e ferindo outras tantas. Snipers continuam a causar estragos entre os peões. Para não falar nas explosões monstruosas de edifícios públicos por explosivos colocados por via subterrânea.

Esta deterioração da situação gerou em Alepe três sentimentos : medo, desespero e sofrimento.

Penso nos telefonemas de famílias deslocadas, a quem ajudamos, que nos contam seus medos, nos gritam o seu pânico e que nos pedem conselho quando os obuses caem à sua volta. E as mães que se recusam em determinados dias de nos enviar os seus filhos, de  medo que o nosso  autocarro possa ser o alvo de um sniper ou de um morteiro.

Estou a pensar em todos os jovens adultos que tinham sonhado e planificado um futuro profissional ou familiar e que já não o podem alcançar. Tendo durante 3 anos resistido à tentação de deixar o país, estão agora desesperados e só não emigram se não puderem.

Estou a pensar nessas sete famílias com 23 filhos que vivem juntos numa cave de dois quartos (constataçao de visu da nossa equipe de visita domiciliar).

Estou a pensar nas 23 pessoas mortas por um obus no domingo, 27 de abril enquanto estavam na fila diante de uma  padaria no centro da cidade para comprar pão, e outras 19 que morreram no espaço de  48 horas, como resultado de seus ferimentos.

Estou a pensar em todas estas pessoas que sofrem fome, neste bébé de cinco meses, que, falta de leite, é  alimentado por um biberon com amido diluído (viram-no os olhos da nossa equipa ao fazer a visita domiciliar) .

Estou a pensar no jovem M.C. de 18 anos que teme perder o seu rim transplantado (devido à perda da função de seus dois rins por um franco-atirador ) por falta de medicamentos anti-rejeição .

Estou a pensar na N.M., esta menina arménia de 20 anos que teve o fígado, os pulmões e o estômago perfurados por estilhaços de um obus.

Estou a pensar em A.G., este jovem de 19 anos, muçulmano que teve de amputar as duas pernas, porque ele estava na rua no local da queda de um morteiro . Atualmente está nos cuidados intensivos em estado grave, devido a uma  septisémia.

Estou a pensar nessa mãe,já de idade, K.H., que veio a uma consulta por transtornos neuróticos e confessou-me que o seu filho mais novo, pai de família, foi morto por um franco-atirador e, no dia seguinte a nora e seus 4 filhos por um obus.

Diante destes medos, estes desesperos e estes  sofrimentos, não podemos limitar-nos a oferecer apenas a nossa compaixão. Diante desses desafios, nós resistimos, somos solidários com estes homens e mulheres que sofrem.

A todos os civis afetados por ferimentos de guerra, nós, os Maristas Azuis oferecemos o nosso programa « Feridos da Guerra ». Em parceria com as Irmãs de São José do Hospital São Luís, e os médicos e cirurgiões benevolentes deste estabelecimento (o melhor de Alepo), tratamos gratuitamente os civis atingidos pelas balas ou pelos obuses. 

A todos estes jovens adultos desesperados, oferecemos, à espera de dias melhores, o MIT (Instituto Marista de Formação – Marist Institute for Training) . Com conferências que organizamos (« pintura ao longo do tempo», « orientação psicológica : do eu à auto-descoberta », etc) ; os jovens têm um espaço de reflexão e enriquecimento cultural. Os Workshops de três dias oferecem-lhes a oportunidade de adquirir conhecimentos e habilidades que lhes podem ser úteis mais tarde (estudo da rentabilidade de um projeto, como escrever um currículo e estar preparado para uma entrevista de emprego, a arte de liderar uma equipe , etc . ) .

Aos bébés, oferecemos fraldas e leite (nós somos a única organização que distribui leite)..

As famílias deslocadas ou sem recursos, os nossos vários projetos: « A cesta da Montanha» , «A cesta do Ouvido de Deus» , « a cesta dos Maristas Azuis»  oferecem aos seus cestas básicas semanais ou mensais , colchões, cobertores , recipientes com água, utensílios de cozinha, roupas …

Além disso, uma centena de famílias vêm aqui à hora do almoço receber uma refeição quente .

Às crianças (famílias deslocadas ou sem recursos ) em idade  pré-escolar ou escolar, mas que não vão à escola, oferecemos-lhes  um porto de paz onde a educação a formação, e a higiene são dadas pelos nossos benévolos amigos de «Aprender a Crescer »  e « Eu quero aprender. »

Aos adolescentes mais velhos, «Habilidade na Escola » oferecemos-lhes a possibilidade de Encontros com outros jovens e a realização de projetos comuns.

Às Mães jovens, «  Tawassol »  facilita-lhes aprender Inglês, Informática e Artesanato. Pela Páscoa, faráo uma exposição e venderão o seu produto.

Nós, Maristas Azuis, tentamos responder a estes desafios o melhor que podemos, mas as nossas necessidades são imensas. Nós temos outros projetos em mente, para melhor acomodar os deslocados mais pobres mas para isso necessitamos de um monte de dinheiro que não temos . Se pudermos fazer face materialmente e financeiramente, será graças a todos vocês, nossos amigos de todo o mundo que nos apoiam. Obrigado. 

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Nabil Antaki – Em nome dos Maristas Azuis

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