Nossa esperança não desfalece!
Hoje, 19 de junho de 2015, é o primeiro dia do Ramadã… Esta manhã as ruas estavam quase desertas. Todo mundo dormia. Os muçulmanos que jejuam velaram até bem tarde da noite para poder comer antes da oração da aurora, que anuncia o começo do jejum.
Distribuímos hoje a cesta mensal de alimentos às famílias desalojadas no marco do projeto “Cesta dos Maristas Azuis”. A mãe de Douha não veio. Na verdade a pequena Douha, de cinco anos, está no Hospital São Luís desde o domingo, atendida pelo projeto “Civis feridos de guerra”. Foi ferida gravemente na cabeça e nas mãos pelos estilhaços de um obus. Sua família vive num dos bairros mais problemáticos da cidade. São pobres. Não têm muitos recursos. De fato, não tem nada de nada. Este bairro é o mais barato. A última casa em que viviam até o domingo pela manhã era a casa de sua tia. Nos três últimos meses deslocaram-se duas vezes, sempre no meio deste mesmo perigoso bairro. Cada vez que caía um obus e destruía uma parte da casa deviam ir refugiar-se em outro sítio. Douha terá que voltar ao bairro e seguir vivendo nas mesmas condições de insegurança!
Para ela, e para muitas crianças como ela, lançamos o projeto educativo «Quero aprender». Como ela, muitas crianças de nossos diferentes projetos, assim como seus pais, vivem ameaçados dia após dia pelos obuses. Penso em Hiba, que vai ficar na rua com toda sua família de 8 pessoas. Nas casas de todas essas famílias encontramos… os mesmos medos… as mesmas ameaças… as mesmas inquietudes… sobretudo quando são avivadas pelos rumores… “vão entrar… ocuparam já tal bairro, tal rua… vimos eles, vimos duas bandeira, ouvimos seus gritos, vimos eles passar”… Porém não são mais que rumores anunciados pelos profetas de desgraças…
Pois é, isto é Alepo, uma cidade inundada pelos rumores de uma possível invasão dos grupos armados. Como se a gente não tivesse bastante com o viver debaixo da ameaça dos obuses e morteiros, e tivesse que acrescentar também a inquietação pelo que se passará amanhã…
Precisa realmente buscar uma resposta? Não gerar o pânico? Inquietar-se e alarmar a gente? O que fazer, como agir, o que dizer? Que atos podem inspirar confiança? Que gestos?
Muitas perguntas que nos obrigam, a nós Maristas Azuis, a sermos portadores de esperança.
Quando vós, amigos do mundo inteiro, colocais em contato conosco para ter notícias nossas ou para mostrar-nos vossa solidariedade e vosso apoio, nós recuperamos forças, animamo-nos a continuar o caminho por duro que seja…
Esta tarde penso em todos os nossos amigos muçulmanos para quem o jejum é o período da volta para Deus e ao homem, a todo homem, sobretudo o mais desfavorecido, ao mais pobre. É o tempo do «Zakat», a esmola… é o tempo em que toda pessoa tem direito ao «l‘iftar», a comida com a qual se rompe o jejum.
Penso em meus amigos muçulmanos piedosos que rezam e mudam seu coração. Durante o “Ramadã” muda todo o ritmo de vida. Todos os comércios e todas as atividades culturais e lúdicas giram em torno do Ramadã… 29 dias em que a vida se transforma em culto e fé.
Na Síria o Ramadã é uma ocasião para compartilhar, abrir-se aos outros: vizinhos, parentes, amigos… A mim, pessoalmente, edificam-me muito todas as pessoas que jejuam… A mãe de “Kosai”, de 5 anos, veio suplicar-me que o convencesse de não jejuar. Colocamo-nos de acordo de jejuar um dia sim outro não.
Na tradição do Oriente, para desejar a um muçulmano um bom Ramadã, nós lhe dizemos: «Mabrouk Ta3itkon»… “Que Deus abençoe vossa obediência”. É o tempo de regular seu ritmo de vida ao ritmo de sua fé… um exemplo… um modelo neste terceiro milênio.
Nossos amigos muçulmanos respeitaram sempre o fato de seus compatriotas cristãos não jejuarem. Não se impõe nada aos cristãos…
Estes são livres de viver sua vida e sua fé na pura tradição cristã sem nenhuma ameaça nem imposto a pagar.
Estávamos longe do fanatismo que impõe um só modo de ver, uma só compreensão, uma só via… Assim, como estamos longe deste mundo extremista alheio a nossa história e a nossa tradição cultural…
Nós temos respeitado sempre a fé, a cultura e as tradições do outro.
Hoje querem convencer-nos de que o outro é um inimigo. Querem convencer-nos de que viver é excluir ao outro, não deixar-lhe espaço… querem convencer-nos de que a diversidade não deveria existir… Uma só doutrina, uma só visão, uma só lei, e todos os que não aderem a ela são ameaçados, perseguidos, excluídos e mortos.
Neste mundo em busca de sentido, propor a Deus, viver sua fé e comprometer-se pelo homem é um testemunho eloquente dos valores que dão sentido.
Nosso Irmão Emili, Superior geral, quis apresentar os Maristas Azuis como modelo de presença evangélica nas fronteiras. Nós lhe dissemos que não somos heróis e que nossa opção responde a um chamado interior.
A casa dos maristas está no máximo de atividades para crianças, jovens e adultos. Não estamos em greve. As férias são ocasião para abrir nossas portas, lançar atividades ao ar livre… permitir aos monitores fazer a experiência do outro e permitir às crianças respirar a alegria e a amizade.
Queremos compartilhar convosco um novo projeto que temos iniciado e pelo qual somos responsáveis. Em coordenação com outras 19 associações caritativas cristãs de Alepo, temos lançado o projeto “Gota de leite”. Mais de 3.000 crianças cristãs de menos de 10 anos se beneficiam já faz 2 meses de uma distribuição mensal de leite em pó ou de seu equivalente para as crianças de menos de um ano.
Os outros projetos continuam. O último programa do MIT prevê 4 sessões de formação.
Preparamos pacotes de roupa nova para 200 famílias que celebrarão a festa de Fitr.
Vários feridos por morteiros e por balas estão sendo atendidos no hospital São Luís.
As cestas de alimentos são distribuídas regularmente e todos os beneficiados apreciam a quantidade e a qualidade.
Aproveito a ocasião para dizer muito obrigado a todos nossos amigos e benfeitores, sem os quais não teríamos podido sustentar aos mais necessitados das famílias de Alepo.
Antes de despedir-me deixo-lhes este texto de nosso amigo o Padre Jean Debruynne, retirado de “As três filhas da Sabedoria”, uma peça teatral escrita para os Guias Escoteiros de Alepo: “Talvez seja hoje, talvez seja amanhã, quando um novo dia nos diga que sim e nos abra suas mãos… Escutai, vede; ouço um passo. Chegará esta noite, talvez, Aquele que não esperávamos. O veremos aparecer”.
Nossa esperança não desfalece!
Felizes férias a todos. Continuai tendo presentes a Alepo e seus habitantes em vossas orações.
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Ir. Georges Sabe – Pelos Maristas Azuis.