11 de maio de 2009 ESPANHA

O monte Gelboé ou o encanto de soltar amarras

O percurso do Programa ?HORIZONTES?, na casa dos claretianos, em Los Negrales, foi simbolicamente marcado pela subida aos montes bíblicos. Na primeira semana de abril, encerrava-se nosso itinerário alcançando o alto do Gelboé. Na expressão de Joan Chittister, nesse morro ?passa-se da vingativa rigidez de Saul ao encanto vital e gosto pela vida de Davi?. É o monte do ?encanto de soltar amarras?, do olhar para frente, do peregrinar e do transformar-se, do contemplar com esperança o horizonte infindo, do acolher a vida com harpas e cítaras como Davi, do descobrir novos caminhos. A partir desse monte, projetamos nosso futuro.

A última semana recordou-nos as oito montanhas percorridas e os horizontes vislumbrados. ?Se quiser ver os vales, suba ao alto das montanhas? (Khalil Gibran). A experiência dessas oito semanas nos motivou a subir, a caminhar, a empoeirar os pés. Ressoava o convite a sermos ?buscadores e desbravadores? e não ?cariátides?. Abordamos a Vida Religiosa como paradigma de busca, e nossa época como tempo para a criatividade e a imaginação. Tempo para repensar nossas relações com Deus, com a vida, com os acontecimentos… e reconhecer que ?o Senhor está nesse lugar, e eu não sabia? (Gn 28,10).

Os dias de retiro sensibilizaram-nos para o sonho que Deus tem para cada um, e para todos enquanto comunidade. O retiro convidou-nos a reconhecer o Projeto sobre o qual se enraíza nosso projeto pessoal. Recordou-nos que o sonho de Deus consiste em que sejamos pessoas desprendidas, com gosto, em pé, capazes de olhar com o coração, de experienciar a fé como júbilo, e de fazer da vida uma benção.

Retomando o caminho percorrido, encontramos novamente o Deus que se revela por meio das experiências da vida diária. Nas partidas de bochas, no jogo de cartas, nas celebrações, nos serviços de limpeza da casa, no diálogo fraterno, no trabalho de manutenção e jardinagem,… nas coisas pequenas e simples encontramos sementes de eternidade. ?Deus é tão grande que somente cabe nas pequenas coisas?. O quotidiano se nos apresentou como constante convite a descobrir toda a riqueza e profundidade que há no bojo dos momentos e ações da vida diária.

Isso que acabamos de mencionar nos motivou a desenvolver, ao longo das semanas, leituras de fé, procurando olhar além dos fatos e descobrir o que possuem de ?acontecimento?. ?Saber reconhecer traços eternos em paisagens diárias?. Procuramos esquadrinhar a realidade de modo sistemático a fim de tomar consciência da luz e da sabedoria que existem no substrato de nossa vida. Cientes de que ?aquele que tem olhos abertos é capaz de, no efêmero, ler e interpretar o Permanente; no temporal, o Eterno; no mundo, a Deus?.

Avaliando nossa experiência, apreciamos a riqueza do diferente. A internacionalidade e a interculturalidade do grupo, a convivência com os claretianos, as diferenças e a diversidade tornaram-se proximidade da infinita riqueza de Deus. Vimos o diferente como oportunidade e dom. A relação harmoniosa e fraterna com o diverso ajudou-nos a ser mais nós mesmos, e a ver o diferente como sagrado.

No final do encontro, sob múltiplas formas expressou-se o que ficou no coração de cada participante. A seguir, o testemunho de dois Irmãos.

?A experiência em Los Negrales foi um verdadeiro tempo de graça e de esperança. Foi uma oportunidade de reconhecer e agradecer a presença de Deus ao longo da minha vida; e neste momento atual, senti que Ele me ama tal como sou, mas me mantém em caminho, em busca de Novos Horizontes. Todo o processo que seguimos foi um constante chamamento a integrar todas as dimensões da minha vida e vocação: o meu caminho de fé, as minhas relações afetivas, o prazer de viver em comunidade, a radicalidade da entrega. E depois de muitas subidas e descidas há algo forte que ressoa nas minhas entranhas: Ser Irmão, capaz de gerar vida ao meu redor, em qualquer lugar onde Deus me chamar! E isto ?mola?! Obrigado a todos por esta oportunidade!?

?Dou graças ao Senhor por todos aqueles que tornaram possível esta experiência, que, aliás, creio, me chegou em momento chave de minha história. Valorizo a dinâmica de interiorização e o itinerário seguido, com aspectos fundamentais frente à integração pessoal, de fé e marista. Em primeiro lugar, serviu para reconciliar-me com muitas de minhas feridas, e para tornar-me consciente, uma vez mais, da ´incondicionalidade´ de Deus. Verifico também que minha sede de relação pessoal com Jesus despertou, bem como o desejo de revitalizar algumas chaves de espiritualidade encarnada na vida, que haviam ficado adormecidas em mim?.

Sentimos que estes dois meses foram verdadeira experiência da graça.

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Los Negrales, 7 de abril de 2009.

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