O que é essa esperança que vocês proclamam?
É bela esta manhã dominical de março, de céu azul, sol brilhante e aquecedor. O cessar-fogo, que entrou em vigor há duas semanas, deixou as pessoas otimistas. Nos primeiros dias foi respeitado. O gorjeio dos pássaros, ao acordar, substituiu o ruído das bombas. A eletricidade e a água voltaram por dois dias, após uma interrupção total de vários meses.
O povo de Alepo passou noites sem dormir para lavar a roupa, tomar banho, encher os tanques de água, temendo que a provisão de água e de eletrecidade fosse apenas temporária, como já acontecera várias vezes.
Infelizmente, a pausa durou apenas alguns dias. Os franco-atiradores retomaram o seu trabalho vergonhoso de matar civis inocentes. Em seguida, os morteiros começaram a cair em alguns bairros; o grupo terrorista, na parte oriental da cidade, não está preocupado com a trégua. O abastecimento de água e eletricidade foi interrompido novamente. Mesmo se devesse ser restabelecido, os Alepinos sabem que o regime de racionamento será retomado: água 1 dia por semana, e a eletricidade 2 horas por dia. Apesar de tudo, nesta manhã, todo o mundo tem o sorriso nos lábios e a esperança no coração.
Nestes últimos tempos, os acontecimentos se sucederam: o êxodo de centenas de milhares de sírios para a Europa causou tensões entre os países europeus e entre os habitantes de um mesmo país. A ofensiva do exército sírio sobre a governadoria de Alepo para libertar nossa cidade cercada durante três anos e meio pelo grupo terrorista Al Nosra; o cessar-fogo proclamado, nem sempre respeitado, em vigor há 15 dias, concerne à Estatal síria e a uma centena de grupos rebeldes, mas não aos 2 principais considerados unanimemente como terroristas; a interrupção do único caminho (atacado pelos grupos armados) que liga Alepo ao resto do país, durante 8 dias tendo como consequência a retenção do abastecimento da cidade de produtos essenciais, e isso a alguns dias apenas do quinto aniversário do início da guerra na Síria.
Será o início do fim do pesadelo? O cessar-fogo será o prelúdio de uma solução política próxima? Os países ocidentais, submergidos por milhões de refugiados, terão decidido acelerar a solução política para reter o fluxo migratório? Será que finalmente nos deixarão de novo viver em paz entre nós, sírios, como temos feito ao longo dos séculos? Será preciso ser otimistas e esperar, ou realistas e na expectativa? Essas perguntas, atualmente sem respostas, os sírios em geral, e em particular os Alepinos, se fazem ao longo do dia.
Na espera, nós, os Maristas Azuis, continuamos nosso trabalho de solidariedade com as famílias deslocadas e/ou sem recursos.
Rami, um dos nossos benévolos, me perguntava no outro dia: "Por que vocês insistem em dizer que somos uma associação de solidariedade e não uma organização humanitária?". A resposta é evidente. Para nós, Maristas Azuis, os “beneficiários” não são números sobre listas; não são seres virtuais a alimentar, a abrigar e a cuidar; eles têm um nome. Por trás de cada nome há um rosto, há uma pessoa humana com seu passado, muitas vezes infeliz ou enlutado, seus dramas, seus sofrimentos, seus sonhos desfeitos, seu futuro hipotético; uma pessoa que também tem desejos e projetos. Nós queremos estabelecer com eles uma relação que lhes permita guardar, apesar de tudo, sua dignidade, sua humanidade e uma certa esperança.
A família de S.B. não é um número. Ela recebeu, faz um mês, uma granada no seu apartamento: Soubhi B. teve fratura no crânio e no braço e perdeu o nariz. Sua mulher, Gina B., perdeu os olhos, as pálpebras e todos os ossos da face; este aqui é somente um amontoado de carne queimada; e seu filho foi morto de repente.
A família H.R. não é apenas uma "beneficiário". Ela tem um passado doloroso, um presente excessivamente difícil e um futuro incerto. A mãe Lina e seus 9 filhos, deslocados e recolocados numa estrutura de construção, num quarto sem paredes e sem sanitários, são seres humanos. O marido está desaparecido há meses. Para sobreviver, os filhos maiores recolhem plástico e papelão para vender para a reciclagem, e os menores ajuntam o pão do lixo para secá-lo e vendê-lo como alimento para o gado.
M. K., mãe viúva de cinco filhos, deslocada duas vezes, seu marido foi morto por um franco-atirador no começo da guerra; uma de suas duas filhas morreu há um ano na explosão de uma granada; um filho estudante de medicina, consegue dificilmente estudar no porão onde moram. M. ou sua filha vêm a pé todos os dias até nossa casa (duas horas ida e volta) para buscar uma refeição quente para sua família. Será que M. é apenas um número na lista dos beneficiários da refeição de meio-dia? Será que ela não precisa ser olhada com amor, escutada com respeito e acompanhada com discrição?
Alguns exemplos, entre muitos outros, de dramas vividos pelas famílias deslocadas e/ou sem recursos que são assistidas pelos Maristas Azuis.
Nossos diferentes projetos continuam e se desenvolvem
Nós criamos uma nova «Cesta» para 244 novas famílias que aceitamos, a pedido e uma associação que já não tem os meios para continuar sua atividade. No total, são 800 famílias deslocadas que recebem uma ajuda mensal: uma cesta alimentar substancial, uma cesta sanitária completa, e, recentemente, o preço de «uma assinatura mensal de "1 ampère" para geradores privados que surgiram por toda a parte na cidade para complementar a eletricidade "oficial" que já não é fornecida. Para a Páscoa, cada família receberá um vale para comprar 1 kg de carne, gênero que se tornou tão caro que nossas famílias não podem pagar .
«Os Maristas Azuis para o alojamento dos deslocados» continuam sua ajuda, acolhendo as famílias em pequenos apartamentos. 150 famílias já foram socorridas, algumas por três anos.
Roupas, colchões, cobertores, recipientes de água e utensílios de cozinha são fornecidos a pedido, quando há necessidade. Uma refeição quente é distribuída a cada almoço para 550 pessoas .
A interrupção total da água nos levou a adquirir uma quarta caminhoneta. Equipados com um tanque, um pequeno gerador, uma bomba e uma mangueira, são enchidos tanques com centenas de poços perfurados em toda a cidade, preenchendo os reservatórios de 250 a 500 litros que nós fornecemos a nossas famílias. Esse projeto "Tenho sede" é muito apreciado pelas famílias.
O desemprego, a elevação vertiginosa dos custos de vida e o deslocamento fazem com que a maioria dos Alepinos já não tenham recursos para cuidar de si mesmos. Com o "projeto médico dos Maristas Azuis", ajudamosas famílias a pagar uma consulta, as radiografias ou exames de laboratório, os custos de hospitalização para tratamento ou cirurgia: Cem procedimentos médicos são financiados por nós a cada mês.
Nosso programa «Civis Feridos de Guerra» continua, graças à benevolência dos médicos e cirurgiões e à cooperação das Irmãs de São José da Aparição, que cuidam gratuitamente dos civis feridos de guerra, no Hospital São Luís.
Nosso projeto «Gota de leite» distribui cada mês leite em pó a 2.700 crianças de 1 a 10 anos, e leite para crianças a 275 bebês de menos de 1 ano que não são aleitados por suas mães.
Em breve, iniciaremos o novo projeto "Os Maristas Azuis para a erradicação do analfabetismo". De fato, constatamos que os adultos de muitas famílias deslocadas não sabem ler nem escrever. Esse projeto vai permitir-lhes aproveitar este tempo de guerra, de desemprego, de ociosidade para se desenvolver.
«Aprender a Crescer», para crianças de 3 a 6 anos, «Eu quero aprender», para crianças de 6 a 13 anos, e Escola de Habilidades, para adolescentes, continuaram o seu caminho com sempre mais pedidos de inscrição por parte dos pais e dos jovens.
Quanto ao nosso Centro de Formação (M.I.T.), seus seminários são muito estimados. Infelizmente, só podemos aceitar 20 candidatos sobre 50-60 pedidos de inscrição para cada oficina. Fazemos dois por mês, durante 3 dias para adultos jovens de 20 a 40 anos a fim de que possam adquirir conhecimentos em diversos temas, tais como, recentemente, "como fazer um Power Point" , "como avaliar o rendimento de um programa Excel","como avaliar o desempenho de um projeto", etc.
Nossa equipe dirigente, nossos 50 benévolos, nossos empregados, os médicos, enfim todos os Maristas Azuis trabalham duro para que todos esses projetos sejam concebidos, planejados, dirigidos e executados da melhor maneira possível, de um modo marista. Ou seja, conhecer "os beneficiários", sempre tratá-los com com respeito e amor, ouvi-los quando necessário e ser para eles uma fonte de esperança. Devemos-lhes muito, queridos Amigos, que nos apoiam com suas mensagens de solidariedade, suas orações e seus dons.
Logo mais, festejaremos a Páscoa, a festa da Ressurreição, a festa da Esperança. Rami , mais uma vez , interpelou-me dizendo: O que é essa esperança que vocês anunciam, quando vivemos já 5 anos na mais completa escuridão? Eu disse: Para nós, os Maristas Azuis:
«Esperar, é permanecer ligados quando tudo treme,
é aceitar o risco quando tudo está assegurado,
é propor uma presença quando tudo é absurdo.
Esperar é permanecer habitado pelo amor,
alimentado pela ternura,
animado pela paz.
Esperar é avançar quando tudo parece impedido,
quando tudo parece terminado,
quando tudo é condenado.
É viver no limite, na fronteira, no extremo de uma escolha essencial:
'Não tema,
eu o carrego na palma da minha mão,
você é meu amigo'.
Esperar é dizer Magnificat.
Você está na minha vida
e eu estou na sua,
um eterno poema de Amor.
É a Esperança que ajuda a nos superar na doação e no devotamento, a amar mais do que se possa imaginar, a crer de todo o coração e não somente com toda a nossa mente.
Após a sua Ressurreição, Jesus mandou dizer a seus discípulos que o esperassem na Galileia. Os discípulos estavam tristes e desesperançados porque Jesus havia morrido. Perderam toda a esperança. O seu encontro na Galileia, com Jesus ressuscitado devolveu-lhes esperança. Eles aprenderam que, depois da morte, há ressurreição, e que depois das trevas haverá luz."
Boas-festas de Pácoa!
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Nabil Antaki,
pelos Maristas Azuis
Power Point – Texto de Nabil Antaki e Ir. Georges Sabe (3 MB): English | Español | Français | Português