14 de dezembro de 2012 SíRIA

«Obrigado pela solidariedade»

Desde a nossa última carta, de 26 de outubro, a situação militar no país não mudou. Apesar das brigas de rua, atentados, carros-bomba, atiradores de elite, assassinatos e sequestros, nenhum dos lados do conflito conquistou definitifamente Alepo.

Por outro lado, a situação humanitária é catastrófica. Falta tudo: pão, água, electricidade, gás, gasolina e combustível, citando apenas as necessidades básicas. Estes produtos estão disponíveis em outras cidades sírias ao preço normal. Mas o preço praticado em Alepo é altíssimo: todas as estradas que conduzem a Alepo estão nas mãos dos rebeldes, que impedem a entrega desses produtos. E quando os produtos podem ser comprados, os preços são absurdos e a maioria das pessoas não pode comprá-los: o pão, por exemplo, custa 10 vezes mais o seu preço normal, a gasolina 5 vezes, o óleo (para aquecimento) 12 vezes e o gás (para cozinhar) 9 vezes. Os habitantes de Alepo sentem frio (é inverno), têm fome e estão desesperados. Além disso, a eletricidade é racionada, quando não é cortada completamente, como aconteceu há alguns dias, quando a principal central elétrica foi bombardeada, deixando Alepo às escuras por 48 horas. Falta também água. O frio tem sido muito intenso e as pessoas não podem contar com o aquecimento elétrico que compraram por causa da falta de óleo para o sistema de aquecimento tradicional.

Há muitas dificuldades para se comunicar: os celulares, internet, chamadas internacionais estão bloqueadas, na maior parte do tempo. Também é muito difícil sair de Alepo: pela estrada há o risco de ser sequestrado ou assassinado; de avião, para chegar no aereoporto, há um grande risco de receber um tiro, coisa que aconheceu a mais de um. O número dos desabrigados aumenta: um resumo estatístico mostra que mais de 80% da população não mora mais na própria casa, mas se transferiu para casas de parentes que moram em bairros considerados mais seguros. A vida se tornou tão cara que até mesmo a classe média tem dificuldades para sobreviver. E imaginem o que acontece com os pobres e desabrigados, de quem somos responsáveis.

Através dos "Maristas Azuis", nós continuamos nosso trabalho com os desabrigados. A manhã é dedicada à distribuição de alimentos e atividades no posto médico, onde temos entre 30 e 50 pacientes por dia. Na parte da tarde, os adultos do nosso grupo, com os dois irmãos Georges, visitam as famílias e jovens, enquanto o Irmão Bahjat cuida das crianças. O nosso projeto "Eu quero aprender" tem como objetivo a alfabetização das crianças desabrigadas, ensinando-lhes as noções básicas de escritura e matemática. Eles sofrem muito com o frio, pois as salas de aula não estão equipadas com aquecimento. A solução é usar blusas grossas e cobertores que nós mesmos fornecemos. Ao menos pudemos instalar em cada escola um chuveiro elétrico, que lhes permite tomar um banho quente (quando a eletricidade e água estão disponíveis!).

Nosso projeto "Cesta da Montanha" está em seu quinto mês. Este projeto tem como objetivo fornecer uma cesta básica (o suficiente para alimentar uma família completa), uma vez por mês, para as famílias cristãs sem recursos do bairro Jabal Al Saydé, para saciar a sua fome, dando a eles um mínimo essencial para a sobrevivência. Domingo, 2 de dezembro, aconteceu a quarta distribuição das cestas básicas, para um total de 291 famílias. A quinta distribuição será realizada nas vésperas do Natal e, pela primeira vez, incluirá 1 quilo de carne. Este será um presente de Natal para famílias que há 5 meses não comem carne.

Todos estamos cansados e desesperados com essa situação, que há 5 meses aflige Alepo e há quase dois anos a Síria. Não se vê a luz no fim do túnel. Os habitantes da cidade estão cansados de ouvir o som das bombas, das balas, da pobreza, da situação de privação. Não suportam mais a fome, o frio, a destruição, a necessidade de mudar de lugar; há sempre perigo de morrer. Tanto os desabrigados quanto os nossos voluntários sofrem em ver a própria cidade e país destruídos; perderam a esperança no futuro.

O que nos consola é a rede de solidariedade que se criou em torno a nós. Primeiro, os parentes e os sírios no exterior, que não perdem uma oportunidade de mostrar o seu carinho e amor pelos conterrâneos que permaneceram no local e pelo próprio pais de origem. E depois, é claro, todos vocês: amigos, conhecidos ou amigos de amigos que nos apoiaram e continuam a fazê-lo de várias maneiras.

A todos vocês, em nome de nosso grupo "Ouvido de Deus", em nome dos "Maristas Azuis" e do projeto "Cesta da Montanha," eu gostaria de dizer muito obrigado por seu apoio, sua amizade e amor. Nós desejamos que o Natal seja, para você, cheio de alegria e de paz. Que o Nosso Senhor, Deus de Amor e Paz, faça com que cesse o nosso pesadelo e que suscite em  nós a esperança de que, após a escuridão, a luz vai surgir para que, novamente, possamos  viver em paz e segurança.

Para 2013, desejamos-lhe o melhor.

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Alepo, 12 de dezembro de 2012.

Nabil Antaki, em nome dos "Maristas Azuis"

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