
Pequena reflexão sobre a morte
Na Casa Geral é cada vez mais notória a realidade da Família Marista. Os leigos que aqui trabalham sentem-se parte integrante dessa família. Aproveitamos a morte do senhor Francisco, pai do senhor Luiz da Rosa que trabalha com a equipe da Administração geral, em Roma, para escrever esta pequena reflexão sobre a morte, ao mesmo tempo que lhe apresentamos a certeza da nossa oração e amizade, neste momento da sua vida. É uma reflexão que pretende situar a morte numa visão mais humana não dando prioridade ao lado trágico que muitas vezes vemos nesse acontecimento último. Segundo alguns autores espirituais a morte não devia ser olhada como uma tragédia, mas como um momento essencial a toda a vida: o momento que nos introduz na vida verdadeira, na luz definitiva.
A morte é um momento de dor, mas não de tristeza. Falamos de dor e não de tristeza porque um momento de morte é um momento de dor. Sempre. É normal. Mas não de tristeza. Pelo menos na perspectiva cristã. Dá-me gosto repetir que a tristeza não é cristã.
· A tristeza mata, a dor vivifica.
· A tristeza se fecha em si mesma; a dor abre caminhos de confiança.
· A tristeza oprime, sufoca; a dor purifica, alivia.
· A tristeza esconde o sentido da existência; a dor revela-o, talvez sem comprendê-lo, mesmo quando ele parece distante, inexplicável.
· A tristeza resigna-se face à morte; a dor aceita na coragem e no silêncio as possibilidades de verdadeira vida aberta a horizontes ilimitados.
· Aceito a dor como elemento constitutivo da existência na qual a vida pode fortalecer-se e amadurecer; recuso a tristeza como elemento anômalo que pode infiltrar-se na história dos meus dias para lhes roubar o sentido, ou simplesmente, negá-lo.
· Aceito a dor mesmo se não a compreendo, como um elemento constitutivo do meu ser que fecunda o futuro e me torna solidário de tantos homens e tantas mulheres que sofrem; recuso a tristeza como se tivesse que ser um elemento inelutável, sobretudo quando penso nas relações entre a vida e a morte.
· À dor digo sim, mesmo se a combato; à tristeza digo não, mesmo quando a ela sucumbo.
Ao escrever esta reflexão, lembrei-me da grande devoção a Nossa Senhora que tem o povo brasileiro (o país de Luiz da Rosa). Podia chegar à reflexão sobre a dor e a tristeza, partindo precisamente de Maria, que na família marista invocamos sob o título de Boa Mãe. A tradição cristã, especialmente a tradição católica, deu-lhe mil títulos. Alguns são até muito engraçados ou pelo menos originais. Precisamente no Brasil invocamos Maria de um modo especial sob o título mais formal e histórico, de Nossa Senhora Aparecida. Mas não tivemos problemas em inventar, com grande imaginação criadora, junto com os nossos irmãos argentinos, o título de Nossa Senhora do Chimarrão ou do Mate (Chimarrão: uma bebida típica brasileira que na Argentina se chama Mate).
Nos 8 anos que dei Mariologia, em Nairóbi, prestei atenção aos títulos de Nossa Senhora. Nunca encontrei o título de ?Nossa Senhora da Tristeza?. Mas encontrei repetidas vezes a invocação bastante divulgada de ?Nossa Senhora das Dores?. É isso que me leva a dizer que a tristeza não é cristã. A dor sim.
Ver Maria como a ?Senhora das Dores? é uma maneira muito católica de a ver e venerar. Veneramos Maria, a mulher que junto à Cruz, perante a dor de seu Filho e, certamente, perante a própria dor, permaneceu de pé. A Senhora da Dores, mãe do ?Homem das dores? que, através da sua dor, sofrimento e morte, venceu definitivamente a morte, para nos introduzir no mundo da verdadeira vida. Em momentos de morte inspira a minha oração por todos aqueles que perderam algum ente querido. E partilho com eles esta oração:
Senhora das Dores, vejo-te ao pé da Cruz e admiro a tua coragem de mulher, ao perderes, para o bem da humanidade o Teu Filho bem-amado. Não foi o destino trágico que O roubou ao teu amor de mãe, mas a resposta fiel ao plano de salvação de Deus, que Ele aceitou na sua vida. Senhora das Dores, dá-me a tua coragem junto à Cruz quando vivo a dor da perda de meu querido pai. A sua existência não foi inútil: deu-me a vida e o sentido da fé, partilhou comigo a mesma esperança na vida eterna, o mesmo amor por ti.
Foi frente à imagem de Nossa Senhora das Dores, que se venera na minha aldeia, que escrevi esta oração quando o meu pai morreu. Com escrevi o poema que transcrevo a seguir. O poema é outra forma de traduzir, com a mesma certeza da esperança, o poder que o Senhor tem sobre a morte: ?Eu sou a ressurreição e a vida?. Esse poder é fruto do amor que o Senhor nos tem para que a vida aconteça e se desenvolva em nós. O amor do Senhor é um amor que vivifica. Juntos, o poder do Senhor e o Seu amor, transformam a nossa existência, dão-lhe sentido. A iniciativa do Senhor nunca é ineficaz na nossa história. Transforma-a até naquilo que parece mais radical, mais destruidor, mais inumano: a morte! Para que na história de todos e de cada um de nós, a vida surja triunfante.
Morte,
apenas a hora do limite
não a hora de finitude.
Não é a vida que se demite:
adquire apenas outra amplitude!
Amplitude que liga a terra e o céu
no corpo sem vida que jaz,
prisioneiro da terra que o desfaz!
Ali, prisioneiro, inerte,
à espera de Palavra que o liberte
do tempo e da história…
à espera da palavra Vitória!
Eu quero apenas dizer,
à espera, sempre à espera
dessa Primavera
que não morreu,
e agora vai renascer!
Teófilo
Roma, 13 de fevereiro de 2011