Perseverar
Nas últimas semanas vimos chegar vários amigos que tinham abandonado o país durante a guerra. Quase sempre estavam sozinhos. Ver as persianas de suas casas abertas ou reconhecê-los na rua reavivava em nós a esperança; o momento tão esperado do seu regresso significaria o fim da guerra, o fim do pesadelo da emigração e, sobretudo, o regresso à vida.
Nós os acompanhamos para visitar a cidade. Convertemo-nos em guias turísticos de mercados destruídos e bairros devastados pelo ódio. Tínhamos que explicar o sofrimento dos que tiveram que ficar. Muitos expressavam seu espanto e sua vontade de viver e sobreviver. E à nossa pergunta: "pensas ficar?", a resposta negativa ou oculta nos levava à amarga realidade da emigração.
Como curar as feridas da guerra?
É certo que em dezembro de 2016 se pôs um ponto final na divisão da cidade em duas partes. É certo que desde então a reconstrução se converteu no objetivo prioritário do governo e da população. É certo que algumas famílias que tinham fugido da parte leste da cidade e cuja casa era mais ou menos habitável, regressaram a seus lares. É certo que os serviços de água e eletricidade melhoraram.
Porém continua estando no centro a pessoa humana: aquela que fez a guerra e a que a sofreu. Que há nessa pessoa, em que estado mental ficou? Está equilibrada? Como curar as feridas da guerra? Como avançar para a reconciliação? Como reagir perante a violência sofrida por algumas pessoas? Que itinerário de educação oferecer às crianças da guerra? Que critérios de discernimento propor aos jovens em idade de tomar decisões para o futuro? Como apoiar os casais e as famílias? Como reavivar a chama da esperança?
O desejo que a paz reine
Também há o desejo de que a paz reine em todo o país, que não fiquem bolsões de guerra como na Província de Idlib, no interior ao oeste de Alepo ou o nordeste da Síria. Há centenas de milhares de famílias que continuam vivendo em acampamentos de refugiados dentro do país ou nos países vizinhos.
Sem dúvida, os ocidentais deveriam suspender as sanções que penalizam a população. O relator especial sobre os efeitos negativos das medidas coercitivas unilaterais em vigor, dos direitos humanos, depois de recente visita a Damasco, disse: "Preocupa-me profundamente que as medidas coercitivas unilaterais contribuam para agravar o sofrimento do povo sírio. Tendo em conta o sofrimento econômico e humano causado por essas medidas, é difícil crer que existam para proteger os sírios ou para fomentar a transição democrática".
Nossos amigos que regressaram por pequeno espaço de tempo para colocar em ordem sua casa ou para resolver algum problema, deixam-nos um grande questionamento: "Estaríamos destinados a sair do país?"
O fluxo de famílias ou pessoas que abandonam o país não se deteve
Em setembro de 2018, o dicastério do Vaticano para o desenvolvimento humano integral publicou o relatório: "Resposta das instituições católicas às crises humanitárias iraquena e síria 2017-2018".
Vão em seguida alguns extratos:
"Na Síria, mais de 13 milhões de pessoas necessitam de ajuda: há 6,6 milhões de migrantes internos e 5,6 milhões de refugiados registrados nos países vizinhos, principalmente na Turquia, Líbano e Jordânia. (…) A educação, a saúde e o apoio psicossocial continuam sendo atividades prioritárias de intervenção, porém o desafio principal está hoje na resposta a uma necessidade cada vez maior de estabilidade para o futuro das famílias, através de programas de desenvolvimento agroeconômico, de recuperação do tecido social e econômico, de formação profissional e de criação de oportunidades de trabalho".
Os maristas azuis
Nós, os Maristas Azuis, sem esperar essas recomendações, há vários anos empreendemos programas de educação, desenvolvimento humano e criação de oportunidades de trabalho.
O mês de setembro foi dedicado à formação das professoras de nossos dois programas educativos "Quero aprender" e "Aprender a crescer". Soumayya Hallak, suíça de origem síria, as formou na “terapia pós-traumática” pelo corpo e pela música. Bahjat Azrieh, psicólogo, as iniciou nas "competências da vida". Por último, Verônica Hurtubia da Universidade Católica de Milão e em colaboração com o BICE (Escritório Internacional Católico para a Infância), dirigiu a primeira etapa da formação em resiliência.
As 90 crianças de "Quero aprender" começaram seu ano escolar no início de outubro de 2018. As 55 crianças de "Aprender a crescer" se reuniram no final de outubro. Durante todos os meses de verão, as professoras elaboraram um novo programa adaptado às situações das crianças.
Uma nova equipe veio reforçar nosso trabalho psicoeducativo. Trata-se de "Seeds". Cinco pessoas vão trabalhar com diferentes grupos de idades, do infantil aos adultos, passando pelos adolescentes e jovens.
O programa "Desenvolvimento da mulher" reúne as mulheres em torno de várias formações semanais sobre temas importantes como saúde, psicologia, cozinha…
Heartmade, nosso projeto de reciclagem de tecidos e roupas, desenvolve-se rapidamente com o lema "evitar o desperdício, aprender a perfeição para alcançar a beleza". Aumentamos o número de mulheres que trabalham na oficina para uma maior produção. A página do facebook do projeto apresenta suas peças únicas.
"Corte e costura" assegura a 16 mulheres, para este quinto período de sessões, uma formação neste âmbito. Além do programa em si, estão realizando várias formações de desenvolvimento humano pessoal.
"Como criar seu próprio microprojeto" é um dos objetivos do MIT. Cremos que passar para a etapa posterior à guerra requer o lançamento de micro projetos que permitam às pessoas e especialmente aos jovens, viver dignamente no país. Por grupos de 24, jovens e menos jovens, assistem os cursos, formam-se, redigem seu próprio projeto e o apresentam a um júri que faz um estudo aprofundado. Oferecemos aos qualificados um donativo generoso que lhes permite iniciar seu projeto. Estão sendo acompanhados por um mentor que os ajuda a iniciar e a garantir a continuidade. Até agora financiamos 70 microprojetos.
O “programa médico” continua. É um grande serviço para as pessoas enfermas. Nós, Maristas Azuis, amparados por outras associações beneficentes, ajudamos os enfermos a receber tratamento e a comprar os medicamentos que necessitam.
“Gota de leite” continua sendo um projeto de grande êxito. Em torno de três mil crianças menores de 11 anos são atendidas mensalmente. Os pais nos expressam sua gratidão.
Acampamento de migrantes "Al Shahba"
Às quartas-feiras e domingos, uns vinte voluntários nossos, dirigem-se ao acampamento de migrantes "Al Shahba" situado a 25km de Alepo. Cerca de 120 famílias estão alojadas em tendas de campanha. Nossa presença e ação ajudou a melhorar as condições de vida deles. Os menores têm um tempo lúdico e de expressão corporal. As crianças de idade escolar aprendem a ler e escrever. Os adolescentes e jovens são acompanhados por um grupo de voluntários que os fazem refletir sobre temas relacionados com sua vida e suas condições de migrantes. Por último, as mulheres são ajudadas por uma equipe muito boa. Às vezes, médicos ou pessoas especializadas em algum tema unem-se a nós para dar-lhes uma formação específica. A distribuição de alimentos, roupas, cobertores e medicamentos respondem na medida do possível às suas enormes necessidades.
Paz e reconciliação
O Natal está no horizonte, traz consigo a esperança de paz e reconciliação. Para nossa cidade de Alepo, para nosso país, Síria, para nosso povo, esperamos que o Natal seja o tempo do encontro e não de adeus.
Trabalhamos para que a civilização do amor e da paz reine em nossa terra e nos corações.