Presidente Nelson Mandela
Durante o Apartheid, todo mundo era classificado de acordo com a própria raça e grupo étnico. Do mesmo modo, as zonas residenciais e as estruturas sociais eram distribuídas conforme a classificação racial das pessoas. Assim, existiam escolas para crianças brancas, indianas, mestiças, para crianças de língua Zulu, de língua Xhosa, etc. As “escolas brancas” normalmente tinham os melhores professores e melhores infraestruturas.
Durante muitos anos os responsáveis pelas escolas católicas na África do Sul discutiram sobre a necessidade de receber alunos independentemente da classificação racial do governo. Finalmente, na metade da década de 70 algumas escolas católicas, tradicionalmente colégios para crianças brancas, começaram a aceitar matrículas de crianças de outras raças. Entre essas escolas estavam as entidades maristas da África do Sul.
Em torno de 1990, depois de anos de ameaças de fechamento e anos de intensas negociações, o regime do Apartheid finalmente diminuiu a pressão e alunos negros foram admitidos mais livremente em escolas até então tidas como “escolas para brancos”.
Nesse período, o Colégio Sacred Heart, uma das 3 escolas maristas em Johannesburg, já contava com um número grande de alunos negros. O diretor da escola primária desses anos era o Ir. Joseph Walton, atualmente Provincial da Província de África Austral.
Há pouco mais de um mês da morte de Nelson Mandela, queremos recordá-lo através dessa conversa com o Ir. Joseph sobre a relação dos Maristas com ele.
Ir. Joseph, você era diretor na Sacred Heart Junior School de Johannesburg quando os netos de Mandela frequentavam o colégio?
Sim. Eu lembro quando vieram para fazer a matrícola dos netos, em fevereiro de 1991. A Sra. Winnie Mandela e sua filha Zinzi vieram até à secretaria da escola. Fui chamado e falei com eles sobre o Colégio. Nos dias seguintes, 3 crianças vieram e fizeram o teste de ingresso e foram aceitos. Esse foi o início de uma boa relação com a família.
Você lembra quantos netos de Mandela frequentavam o colégio?
No início eram 3 crianças, mas o número cresceu durante aquele ano. Se lembro bem, tivemos, em certo momento, 8 netos de Mandela matriculados no nosso colégio.
O Sr. Mandela visitou a escola?
Tivemos a sorte de receber várias visitas de Nelson Mandela na escola. Ele veio visitar-nos antes de se tornar presidente da África do Sul e também quando era presidente. Algumas visitas eram informais e em outras ocasiões foi oficialmente convidado para participar de eventos especiais. Outras vezes veio em celebrações apenas para prestigiar os seus netos. Adorava estar com as crianças. Estava muito contente pelo fato de crianças de todas as raças receberem juntas a educação no Colégio Sacred Heart. Significava a realização do seu sonho para a África do Sul.
Você poderia nos contar algo particular que aconteceu durante suas visitas ao colégio?
Muitas visitas dele foram especiais para nós no colégio. Lembro da primeira vez que veio. Foi para ver seus netos durante um torneio de natação, num sábado pela manhã. Nesse período estava negociando um acordo para as eleições. Em outra ocasião foi convidado para um concerto na escola primária. Veio cedo demais, pois um dos netos passou erroneamente o horário. Fui chamado para acompanhá-lo, até que o concerto iniciasse. Tinha muito interesse na escola e na educação que oferecíamos. Nesse período estávamos introduzindo um novo programa integrado de formação.
Ainda em outra ocasião, como presidente, veio sem avisar durante um encontro de pais e professores onde se anunciava o que os educadores esperavam das crianças durante o ano acadêmico. Nelson e Graçia Machel vieram com alguns guarda-costas para encontrar um dos professores de seus netos. Era o terceiro ano e ele mostrou particular interesse no ensino da leitura. Depois do encontro, percebeu que havia um outro casal que obviamente também eram avós de alunos. Ele então convidou-os para um chá em sua casa.
Houve também aquela vez em que o Sr. Mandela passou pelas proximidades da escola quando ia visitar uma de suas filhas. Quando, de longe, viu as crianças jogando na cancha de esportes, pediu ao motorista que o levasse até as dependências do colégio. Desceu do carro e falou aos alunos sobre a importância da educação.
Outra vez foi convidado para assistir a um show musical organizado pelo colégio. A primeira cena do espetáculo começava com “gangsters” invadindo com barulho a escola com armas de brinquedo. A polícia que acompanhava o presidente se precipitou para ver o que acontecia e se ele estava bem. O espetáculo teve um momento de pausa e depois continuou normalmente.
Há tantas outras histórias que poderia contar sobre as visitas de Nelson Mandela à escola, mas vou terminar com uma última. No final de um ano letivo, tivemos a apresentação do coral. Usamos a igreja paroquial vizinha, pois a capela do colégio teria sido pequena para acolher todos os convidados. Meia hora antes de iniciar a apresentação, chegou a notícia de que o Presidente assistiria o evento. Os guardas dele vieram antes para inspecionar o ambiente e sugeriram onde ele poderia se sentar. Mas ele apareceu rodeado por crianças do primário, com poucos guardas e estava muito à vontade.
Estas são apenas algumas ocasiões em que Nelson Mandela foi ao colégio. Talvez uma última história. A escola fez um apelo aos pais para angariar fundos para uma nova cerca de segurança em volta da propriedade da escola. Soubemos que Nelson Mandela arranjou um doador que pagasse a construção da cerca.
Tive o privilégio de ser convidado para a posse do Presidente Mbeki, quando Nelson Mandela deixou o cargo. O convite veio do escritório do presidente.
Qual foi a sua impressão sobre o Sr. Mandela?
Quando estava junto com Nelson Mandela, sentia-me bem, pois tinha um jeito maravilhoso de se relacionar com a gente. Quando caminhava pela escola, parava para falar com todos os que via, não importando se fossem professores ou pessoal da limpeza ou outros empregados e dizia-lhes quanto feliz estava por encontrá-los. Fazia todos se sentirem bem. Nunca viu o cargo de presidente como algo que o fizesse superior aos outros, mas uma oportunidade para servir. Era de verdade um homem sensível que cuidava das pessoas e mostrava compaixão para com todos. Dava para sentir, estando com ele, que era uma pessoa especial. Sempre ficávamos tristes quando terminava a sua visita, mesmo se a sua presença criasse uma certa interrupção das atividades. Eram grandes momentos e as crianças que o encontraram terão boas recordações para o resto de suas vidas.
Nos seus contatos com o Sr. Mandela, o que lhe impressionou mais nele?
Penso que tenha sido o seu grande amor e respeito pelas pessoas, especialmente pelas crianças. Acreditava que a educação podia libertar as pessoas da pobreza e ajudar uma nação a se desenvolver.
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A entrevista e a apresentação foram feitas pelo Ir. Jude Pieterse