A pastoral vocacional na vida marista atual
Estamos preparados para responder ao desafio?

17/04/2008

Seán D. Sammon, FMS

Mensagem do Ir. Seán Sammon, Superior Geral, aos irmãos e leigos participantes do Encontro de pastoral Vocacional celebrado em Les Avellanes (Lleida, Espanha), de 3 a 8 de abril de 2008. O encontro foi organizado pelo Secretariado de Vocações para analisar a situação da Pastoral vocacional das Províncias maristas nos países secularizados.

Antes de começar, permitam-me felicitá-los por terem reservado estes dias para se reunirem aqui e analisar o problema da pastoral vocacional na sociedade secularizada. Luis e os demais membros do Conselho Geral partilham comigo este agradecimento pela sua presença e vontade de trabalhar.

Peço perdão por não ter podido estar presente no encontro de Les Avellanes. Nós, no Conselho, estabelecemos a Pastoral vocacional como uma das nossas grandes prioridades. Se não estivesse ocupado com a visita à Província do Brasil Centro-Norte, com prazer estaria presente aí com vocês, durante esta semana.

O seu apostolado é certamente particular dentro do Instituto. Poucos assumem essa missão cotidiana de promover as vocações nos países marcados pela secularização, em modo tal como vocês fazem. Aqueles que se comprometem com a evangelização dentro dessas sociedades provavelmente são os que se identificam mais intimamente com a missão de vocês. Falando sinceramente, hoje é mais fácil o trabalho de evangelização entre os que vivem em países em desenvolvimento do que entre aqueles que pertencem ao mundo desenvolvido, que podemos definir como secularizado.

Qual é a finalidade das palavras que escrevo? Partilhar três coisas que me preocupam, em relação à tarefa que vocês têm, e fazer um comentário a cada uma delas. Certamente essas não são as únicas questões que existem neste ambiente e talvez nem possam ser aplicadas a todo o mundo marista. Creio, porém, que são características das sociedades desenvolvidas ou secularizadas e, neste sentido, a reflexão pode ajudar em nosso trabalho pastoral.

Três motivos de preocupação

Em primeiro lugar, parece que hoje nos encontramos diante de um tempo novo, no processo de renovação da vida religiosa. É muito mais desafiador do que aquilo que temos vivido nos últimos anos e a resposta que damos, hoje, determinará nosso futuro como Instituto e a eficácia da nossa missão nos anos vindouros. Isto terá conseqüências também para a pastoral das vocações.

Segundo, nos países que chamamos secularizados, o fruto dos nossos esforços de renovação foi influenciado, até agora, por um tipo de pensamento que pertence, com mais exatidão, ao período conhecido como ?modernidade? e não à ?pós-modernidade?. Em seguida falarei sobre isto. O fato que nos termos deixado conduzir, na nossa missão de renovação, pelos princípios associados à modernidade, levou-nos a resultados inexpressíveis e gerou um abismo cada vez maior, entre alguns de nós e o mundo dos jovens. Isso influencia o tema que estamos tratando.

Por último, a Igreja apresenta sinais, em algumas partes do mundo, de ter pouca clareza quanto à estrada a ser percorrida. Esta situação é causada, em parte, pela dificuldade da vida religiosa em renovar-se e assumir seu próprio papel na relação com o Povo de Deus em seu conjunto.

O papel dos religiosos e sacerdotes não consiste em ser exclusivamente uma força de trabalho eclesiástica. Ao invés, sua função e sua verdadeira identidade se baseiam em ser uma presença ardorosa, um fermento. A vida consagrada, na sua melhor expressão, precisa ser entendida como a memória viva do que a Igreja pode e deve ser. Quando não consegue desempenhar essa tarefa, sofre tanto a própria vida religiosa quanto a Igreja como um todo. Insisto: tudo isso comporta sérias conseqüências para a pastoral vocacional.

O ideal de renovação

Há 40 anos o nosso Instituto começou sua marcha para a renovação. O XVII Capítulo Geral, celebrado logo depois do Concílio Vaticano II, nos deixou uma documentação sem igual sobre a vida religiosa marista. Os capitulares, junto com outros tantos irmãos, tinham confiança em nossa capacidade de caminhar em direção ao futuro e de poder dar frutos.

Naquele tempo, o Instituto tinha cerca de 10.000 membros. Existia a convicção de que, colocando em prática as decisões do Capítulo e vivendo o espírito do Concílio, teríamos as portas abertas para o crescimento. Por razões humanas, medíamos nosso sucesso em termos materiais: número de obras, porcentagem de alunos aprovados nos vestibulares, reconhecimento nos contextos nacionais e internacionais.

Porém, com o passar dos anos, estes critérios não valiam mais e fomos obrigados a reexaminar o sentido e o objetivo de nosso modo de vida. Neste processo, muitos entre nós passamos a acreditar que a vida religiosa significasse o seguimento incondicional de Deus, centrado em Jesus Cristo e expresso através da castidade consagrada, vivida no celibato.

Dizendo isso não quero afirmar que o nosso modo de vida se fundamente na teologia particularizada de ?Deus e eu?. Não. Ao contrário, procuro relembrar a primeira chamada da Mensagem do XX Capítulo Geral, na qual está escrito que a nossa missão de irmãos maristas é mais efetiva e nossa motivação para realizá-la é menos egoísta, quando Jesus Cristo constitui o centro e a paixão de nossas vidas. Ao realizamos esta mudança do coração, temos também a possibilidade de redescobrir o ministério profético da vida religiosa.

Na nossa impaciência inicial, na tarefa de renovação, acabamos por não entender a natureza da mudança. O mundo que era tão familiar para nós estava acabando e, a todo custo, queríamos reiniciar com coisas anteriormente possíveis. Para alcançar este objetivo usamos todos os meios humanos que tínhamos ao nosso alcance – consultores, planos estratégicos, programas de pastoral, retiros de renovação, citando alguns ? tendo a certeza que com eles caminharíamos mais rapidamente e evitaríamos a sensação de perda e desconforto, necessários para atingir o objetivo. Quando se viu que os resultados esperados não chegavam, alguns desanimaram e começaram a manifestar dúvidas sobre o futuro do nosso estilo de vida.

Apesar dos protestos, poucos dentre nós aceitam as mudanças. Estas corroem os nossos esquemas e nos deixam perdidos. Quase todos desejam as coisas estáveis e previsíveis. A mudança se realiza através de três fases distintas e inter-relacionadas: primeiro, existe um fim; depois, vem um tempo prolongado com dúvidas e incertezas e, por último, realiza-se um novo início.

Em diferentes modos, passamos os últimos 50 anos decaindo como grupo. Apesar de ter sido um processo desestabilizador, essa experiência nos permitiu formular questionamentos e enfrentar desafios que são essenciais para uma renovação autêntica. Inclusive, estamos dispostos a permitir que Deus nos conduza através do processo de renovação, em vez de confiar nas nossas soluções humanas. Embarcando nesta segunda etapa do caminho da renovação, é aconselhável levar conosco somente a fé em Deus e os equipamentos de um peregrino.

Os jovens sentem-se, em geral, mais atraídos pela aventura do que pelas coisas estabelecidas. Em vez de esperar que terminemos a viagem da renovação para convidá-los a unirem-se conosco, precisamos dar a oportunidade, agora, para que nos acompanhem nessa peregrinação.

Modernidade e pós-modernidade

O que entendemos por modernidade? Trata-se de uma corrente cultural que iniciou com o Iluminismo europeu, do século XVIII, seguiu com a revolução industrial, alcançou o auge com a Época Vitoriana e chegou até os nossos dias. Posteriormente, a modernidade apareceu em diferentes países, graças, sobretudo ao desenvolvimento econômico. Quais são as características desse período? Confiança na razão científica, o individualismo e a crença na possibilidade ilimitada do progresso material.

A ênfase no avanço científico e no progresso material conduziu muitas sociedades a se tornarem mais seculares. Os sociólogos afirmam que o nascimento da modernidade coincide com a marginalização da religião, colocando-a na esfera da crença individual.

Como a Igreja reagiu, inicialmente, a essa situação? Com medo. Ergueu as pontes móveis e criou um mundo centralizado em si mesmo, que conseguiu sobreviver praticamente intacto, até o início da década de 60. Durante esse período, por exemplo, algumas encíclicas afirmavam que o ensinamento católico não devia ser contaminado pelo pensamento moderno.

O Vaticano II marcou o fim desse mundo fechado. A Constituição pastoral do Concílio sobre a Igreja no Mundo Moderno (Gaudium et Spes) foi um sinal evidente que a Igreja estava abraçando a modernidade. Porém, aqui, existe uma certa ironia, pois enquanto a Igreja decidia acolher a modernidade, a própria modernidade era questionada pelo pensamento da pós-modernidade.

Os eventos catastróficos que marcaram a história do século XX até o Concílio Vaticano II ? as duas guerras mundiais, a Grande Depressão, o Holocausto, os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, mencionando alguns ? ameaçaram a convicção de que a aplicação da razão universal poderia resolver as grandes questões da vida.

Enquanto se difundia esta crítica da modernidade, muitos seminários e casas de formação do ocidente católico manifestavam um grande entusiasmo em poder adaptar-se a ela. Os teólogos pós-conciliares adotaram o racionalismo científico que seus predecessores tinham condenado. Estava na moda explicar as coisas, enquanto o simbolismo e o mistério, não. Olhando para trás, vemos que nesse desenvolvimento da situação havia luzes e sombras. Por exemplo, na pressa de tornar-se parte do mundo secular, a vida religiosa perdeu muito da identidade precedente.

Hoje convivemos com as conseqüências dessa visão de renovação. A liturgia, por exemplo, necessitada de reformas, no tempo do Concílio Vaticano II, foi atualizada, em muitos aspectos, seguindo uma linha racionalista. Contudo, enquanto nós racionalizávamos nossas celebrações, um número grande de pessoas, na sociedade, parecia valorizar cada vez mais os ritos e os símbolos. Nos anos recentes, a busca do transcendente tem sido particularmente intensa entre os jovens. E onde estiveram a Igreja e a vida religiosa? Enquanto a religião entrava pela porta de fundos, a Igreja e a vida religiosa estavam de costas para essa porta. Havey Cox, grande experto na questão da Igreja no mundo secular, escreveu o seguinte: ?Há quase 3 décadas escrevi um livro com o título A Cidade Secular, onde procurava elaborar uma teologia para a ?idade pós-moderna?, que muitos sociólogos diziam que estava prestes a chegar. Desde aquele tempo, porém, a religião ? ou ao menos algumas religiões ? parece ter ganhado uma nova oportunidade. Hoje é a secularização que se extingue e não a espiritualidade? (Havey Cox, Fire from Heaven 1996, p. xv).

É difícil definir a pós-modernidade, mas uma das suas características principais é a volta à religião e à espiritualidade. Pode ser que isto não seja evidente nas pessoas que freqüentam as igrejas, mas, com certeza, existem, novamente, interrogações sobre aspectos religiosos. O racionalismo e o secularismo já não satisfazem. Não nos enganemos sobre isso: a pós-modernidade também tem seus problemas. Ela introduziu, por exemplo, uma situação de relativismo moral e de fragmentação social e individual. Demonstra que impacientemente espera explicações sobre realidade. Ao mesmo tempo, o pensamento pós-moderno tem virtudes que não podemos ignorar.

A vida religiosa, em muitas nações desenvolvidas, parece ter ficado imóvel numa fase moderna, pós-Vaticano II. Sublinho que não quero dizer que deveria ter tentado resolver esse problema, abraçando incondicionalmente a pós-modernidade. Por exemplo, o mundo pós-moderno tem pouca relação com compromissos. Nossos votos religiosos, vividos em plenitude, desafiam essa realidade.

Como irmãos – especialmente aqueles encarregados da promoção vocacional – devemos acompanhar de perto as experiências dos jovens de hoje, mesmo se aquilo que nos dizem contrasta com a nossa visão do mundo. Muitos que se aproximam de nós parecem estar buscando espiritualidade, transcendência e comunidade. Fazendo isso, muitos foram tachados de reacionários, acusados de buscar a restauração de práticas do passado. Porém, recordemos que eles não vivem no passado. Na maioria das vezes eles redescobriram algumas tradições da Igreja e querem integrá-las em suas vidas.

Os termos modernidade e pós-modernidade são, obviamente, conceitos elaborados que apresentam a possibilidade de entendermos melhor nossa experiência na vida. São noções complicadas e não pretendo simplificá-las. Contudo, como Instituto, precisamos examinar os valores que elas contêm. Se falirmos nesta empresa, seremos condenados a viver apegados ao passado, exatamente quando um novo início se realiza.

O sentido e propósito da vida religiosa

Ultimamente concordo com essa definição da vida consagrada: a memória viva da Igreja – daquilo que ela pode ser, pretende ser e deve ser. Antes do Concílio, a Igreja, na mente de muitos, parecia uma pirâmide. O sacerdócio, a vocação privilegiada, estava no cume e a vida religiosa tinha seu lugar no meio dessa estrutura. A maioria dos membros da Igreja, os leigos, estava reunida na base da pirâmide. Os únicos que tinham uma vocação ou missão eram os padres e os religiosos.

A chamada universal à santidade, da parte do Concílio, decretou o fim desse pensamento e esclareceu que todos os membros do Povo de Deus têm uma missão, graças ao seu batismo. Essa missão era a missão singular da Igreja: amar a Deus e fazê-lo conhecido e amado.

De qualquer forma, enquanto o Vaticano II ajudou a esclarecer o papel e o lugar dos leigos na igreja e no mundo, foi menos feliz em ajudar os religiosos a entender a própria identidade ou a encontrar seu lugar na Igreja. Por isso, muitos dentro da Igreja começaram a perguntar-se o que os leigos não podiam fazer e o que, ao invés, as irmãs, os irmãos e os padres podiam fazer. A resposta a essa interrogação foi sempre clara: não há nada que os religiosos façam e que os leigos não possam fazer.

Contudo, como mencionado acima, a vida religiosa nunca foi pensada para ser somente uma força eclesiástica de trabalho. Reconsiderando, o Vaticano II se esforçou em favor da vida religiosa. Recordou, a quem queria ouvir, que a vida consagrada não foi pensada para ser parte da estrutura hierárquica da Igreja. Ao invés, o seu objetivo era o de ser um movimento carismático, com lugar dentro das estruturas carismáticas da Igreja. Nosso modo de vida foi pensado para ser um pouco ?selvagem?. Antes do Concílio, contudo, tornou-se ?doméstico?. Para mudar tal situação, seus membros tiveram que experimentar conversões pessoais, ler com atenção os sinais dos tempos e reivindicar o espírito dos respectivos fundadores.

O carisma típico da vida consagrada devia ser um dos elementos necessários para a sua renovação. O Papa Paulo VI recordou-nos que o carisma não é nada mais do que a presença do Espírito Santo. Por isso, a nossa tarefa hoje e a seguinte: acreditamos que o Espírito de Deus, tão ativo e vivo em Marcellin Champagnat, almeja viver e soprar também em nós? Convidando os jovens para o nosso modo de vida, hoje, damos-lhes uma oportunidade de envolver-se com o Espírito de Deus, em modo tal que suas vidas são transformadas para sempre. Que grande bênção para eles e para nossa Igreja e mundo!

Conclusão

Uma boa compreensão sobre o projeto de renovação que se realiza hoje, dentro da vida religiosa, a inclusão das idéias pós-modernas na nossa análise do estado atual da vida consagrada e do seu futuro e um exato entendimento de nossa vida como irmãos estabelecerão o tipo de diálogo necessário para a promoção vocacional nas sociedades seculares. Estas mudanças nos ajudarão a abrir novos horizontes e inovar o nosso comportamento, quando convidamos os jovens de coração generoso a encarnar o sonho e o carisma de Marcelino Champagnat.

Muito obrigado.

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