Goyo, o pintor de São Marcelino

02.06.2005

Goyo assina a pintura de Marcelino, exposta na fachada da Basílica de São Pedro, em Roma, no dia da canonização de Champagnat. Esta obra, que para todo artista seria motivo de orgulho, não é uma produção isolada, senão uma produção que entra na sua trajetória. Goyo revolucionou as representações de são Marcelino, conseguindo o reconhecimento universal pela riqueza de sua pintura, pela variedade de situações representadas, por aproximar-nos uma figura de maneira pessoal.

Ir. Lluís Serra
FMS Mensagem 33

Qual é a primeira lembrança vinculada ao teu trabalho como artista?
Eu tinha uns oito ou nove anos…Lembro que o mestre, no povoado, nos dava algumas estampas típicas para copiar. Por algum motivo, gostou do que eu fiz. Isto pode ter sido o início de certa inquietude para continuar com algo que eu via e gostava e pelo que me valorizavam. Então, como eu não me destacava em esportes, por exemplo, que é o que mais se aprecia nesta idade, continuei por este caminho.

Teus pais chegaram a te falar de tua capacidade de artista e do teu gosto por pintar ou desenhar?
Sim, a pesar de sermos uma família muito humilde e com muitas dificuldades econômicas. Tudo o que tinha eram lápis de cores. Não cheguei a ter tubos de óleo até os dezoito anos, quando então os pude comprar. Os meios para conseguir eram difíceis, mas o espírito, eu o tinha.

Nesta idade distante, tua pintura era uma imitação de outros artistas ou uma expressão de teu mundo interior?
Durante muito tempo imitei o estilo de Dali. Depois, profissionalmente, a partir dos anos 90, que é quando começo a trabalhar com uma galeria em plano profissional, tive muita inquietude pela arte renascentista, pelos trezentos, pelos quatrocentos italianos. Posteriormnete fui combinando isso com uma tranformação um pouco mais pessoal deste ambiente renascentista

Para o desenho destes rostos, te inspiras em alguma pessoa real, ou é pura criação tua?
Sempre parto de uma realidade que observei, seja na relação com a pessoa ou através dos meios de comunicação, em revistas, no cinema, na televisão. Então crio o que me impactou de um rosto, de um perfil e o transformo com uma intencionalidade que convém ao que quero expressar na obra.

Em teus quadros, os protagonistas são fundamentalmente as pessoas, mais que quadros de natureza morta ou outros temas como paisagens…
Sim, o que mais me motiva foi sempre a figura humana, seja de uma maneira um pouco escondida atrás roupagens e máscaras ou, como ultimamente, com o rosto mais direto…. Quando o faço, sinto muita emoção como chegar a expressar certo matiz do sentimento só com levantar levemente as sobrancelhas ou com uma queda de pálpebras. É curioso ver como um rosto muda simplesmente com um milímetro de distância de um olho ao outro. Isso não deixa de ter seu mistério e continua me emocionando.

Há alguma interpretação da tua obra que te tenha chamado a atenção, inclusive surpreendido, ou que te tenha permitido conhecer melhor a ti mesmo?
Talvez esta observação sim, me fez refletir. A verdade é que sim, que olhando as obras elas têm uma relação com a gente, mas cada uma está em seu mundo, de forma um pouco individuada. Suponho que as obras reflitam minha forma de mover-me no mundo. Curiosamente, apraz a muitas pessoas do estrangeiro. São obras bastante universais neste aspecto, que agradam a muita gente.

Pintas para viver ou vives para pintar?
Suponho que de tudo um pouco. Agora já tenho a segurança de que tudo o que faço tem aceitação e se vende. Gozo de liberdade para fazer o que realmente quero.

Que país tem especial interesse por tua obra?
Há muitos clientes americanos, alemães?, mas na galeria de Londres é onde mais se esperam as minhas exposições e onde mais tenho êxito. Toda minha obra é organizada por um marchand e exposta em muitos outros lugares.

Passamos à pintura religiosa. Que coisas têm pintado no âmbito religioso?
O primeiro que fiz foi no noviciado. No curso 80-81, pintei para a entrada da capela do noviciado em Villalba um tema sobre Jesus e Maria, que ainda se conserva ali. Depois umas mãos entrelaçadas jogando com o anagrama marista, o M e o A. Isto também é muito daliniano. À direita havia como uma espécie de família universal com Cristo projetando raios de luz por todo o mundo, algo assim muito global, agora que está de moda a globalização. Fiz algumas última ceia, como a que está na residência de Nossa Senhora da Roca. Ali surgiu, por casualidade, uma técnica que empreguei para fazer as roupas dos apóstolos. Depois o que mais se conheceu é o Cristo da barca. Era um adesivo para a Páscoa de 82, em Alcalá de Henares, que o irmão Elicio ampliou e isso ganhou força. É o que tem tido popularmente mais aceitação, junto com a Virgem que está em São José do Parque, onde era antes a entrada da Residência Provincial. A Virgem com o menino nos braços, transparente… Todos os murais que fiz para os colégios maristas, anterior ao de Chamberí. Depois pedidos para a Conferência Episcopal, como o motivo do Jubileu do ano 2000?

Disseste que em teus quadros se reflete muito a nostalgia. Que elementos aparecem como expressão religiosa tua? Isto é, se alguém contempla teus quadros religiosos, que religiosidade ou sentido espiritual adivinha em ti e que valores religiosos transmites?
O Cristo da barca transmite um aconchego, uma humanidade, não sei, uma intensidade de emoção que é algo muito humano e portanto é muito espiritual, uma necessidade de comunicação, de aconchego ou de solidariedade, uma aproximação à pessoa. Não vejo a figura de Jesus como se representava no século XIX, com auréola e um pouco distante, senão que através, sobretudo, do olhar com muita intenção de contatar, de ver que te acontece e de que necessitas.

Marcelino Champagnat, o que representa em teu mundo interior e em tua pintura? Como o foste descobrindo, vivendo e plasmando?
É uma extensão desta colocação que te acabo de fazer. Quando o irmão Agustín Carazo me propôs a idéia de fazer alguma imagem de Champagnat que fosse um pouco moderna, fiz o primeiro quadrinho numa tábua que encontrei por aí atirada, no noviciado. Era um Champagnat sorridente, com os dentes bem visíveis. Foi o primeiro que publicou Agustín Carazo, que era postulador. A tábua se extraviou. A estampa da beatificação oferecia uma pose, com a mesa no meio, muito intelectual.
Para mim foi a possibilidade de fazê-lo perto, de construir como um personagem de uma película ao qual tu podes te dirigir e fazer-lhe interpretar teus próprios sentimentos. O entusiasmo que eu tinha como marista era uma expressão do que sentia, isto é, uma alegria transbordante.
Depois me disseram que tinha que fazer coisas mais sérias de cara para a canonização, e tive que fazer esquemas um pouco mais convencionais. Estou contente com o da canonização porque tem muita riqueza de matizes, especialmente interiores. Tecnicamente, está bastante bem apresentado. Sendo clássico, tem certo aspecto de atualidade..Julho

Que sentimento quiseste expressar com o quadro da canonização?
Teria gostado de expressar toda a riqueza pessoal e espiritual que tem Champagnat.
Sei que o irmão Balko gostou. Através de outros irmãos, me enviou felicitações.
Para mim é um êxito muito importante, porque ele havia sido muito crítico com outras imagens que havia feito de Champagnat. Num encontro que tive com ele em lHermitage, me orientou sobre o aspecto tipológico dos traços próprios de Champagnat. Recordando estas orientações que ele me deu, pude trabalhar no quadro da canonização. Assim consegui expressar bastante mais que em outros.

Agora resulta que, afortunadamente ou não, existem duas versões do quadro da canonização. Em um, Marcelino aparece mais jovem, e no outro, mais maduro. Como valorizas o fato de que te pediram para fazer um fundador, digamos, com alguns anos a mais?
Os encargos têm esta vantagem. Obrigam-te a quebrar a cabeça para conseguir algo que quer o cliente. Se a Miguel Ángelo, Júlio II não o tivesse encarregado da Capela Sixtina, não existiria, porque era um trabalho tremendo para fazê-lo por própria vontade. Então, os pedidos te obrigam a seguir adiante e a lutar por essa idéia, ainda que tenham o inconveniente dos limites que te põem. É assim.

Das duas versões de Marcelino, o fundador jovem e um fundador maduro, da qual gostas mais?
O primeiro tem este frescor… Vendo-o agora, compreendo que sim, efetivamente, continua sendo demasiado jovem, demasiado imaturo, iria dizer. Não o sei…

Quando fundou o Instituto, Marcelino tinha 27 anos?
Talvez eu já o via maior e o vi demasiado jovem neste retrato. Creio que é mais sólido o maior, sim, o definitivo.

Quando o quadro chegou a Roma, antes de devolver-te o quadro para refazê-lo, tira-se algumas fotografias de grande qualidade para poder editar e fizeram-se também pôsteres. Isto é, tipograficamente existem os dois.
Sim, isto é o bom que tem a arte, que há gostos para todos. Ou seja, que não há problema.

A partir de Marcelino Champagnat, que é o que mais te impressiona?
Sigo tendo esse sentimento de um homem bom, ou seja, a bondade, o aconchego com a gente, a capacidade de ver o que é que a gente necessita e despertar para resolver situações práticas. Essa humanidade tão grande que tem a capacidade de contatar com a gente, de abrir-se aos demais, de não estar queixando-se por pro-blemas senão o fato de pôr-se a resolvê-los. Esta capacidade e esta vontade de resolver situações imediatas me parecem muito importantes. Continuam dando-me muito que pensar.

Crês que não pintaste ainda o quadro definitivo de Marcelino Champagnat e que irás fazê-lo algum dia?
Sim, creio que continuarei fazendo expressões do que ele significa para mim. Não sei se chegarei ao que busco. As idéias te vêm à cabeça, inclusive pela noite, te despertas. Às vezes me digo: Vou pintar isto e logo pela manhã, quando acordo, vejo que me ocorreu uma idéia tola. É complicado plasmar algo imaterial.. Mas sim, guardo a esperança de chegar a concretizar algo interessante.

Observas alguma diferença entre o Marcelino Champagnat dos anos de noviciado e escolasticado, com aqueles dos últimos que tens pintado? Existe uma evolução?
Uma evolução cronológica. Os prmeiros eram muito jovenzinhos. Agora, ao vê-los, me parecem demasiado jovens. Há uma evolução em direção à madureza, que é expressão de minha própria biografia.

Marcelino Champagnat continua sendo hoje ponto de referência para tua vida pessoal ou espiritual?
Sim, tal como te comentei antes. Sobretudo na humanidade tão grande que tinha, na capacidade de contatar com as pessoas e em sua disponibilidade para ajudar no que necessitam…

Quando tu pintavas no noviciado, te sentiste compreendido por teus formadores? Pensavam: este rapaz está louco, ou porque pintavas coisas do fundador, diziam: bom, enquanto pintas santos está bem?.
No postulantado não cheguei a fazer nunca algo completo. Foi a partir do noviciado. Eu estava muito motivado porque lhes parecia muito interessante. E no momento o irmão Raúl, que era o mestre de noviços, estava encantado de que fossem desenhos para nossas publicações, para a Província. Foi uma etapa maravilhosa, porque fazia o que gostava, o fazia sentindo-o muito e com grande intensidade emocional. Tecnicamente não tinha muito valor, mas eu me julgava o rei da pintura ainda que fossem todos desenhos a tinta. O importante é que tinham aceitação. Para mim, um êxito total.

Realizaste também trabalhos sobre o mundo educativo. Na educação marista que tu conheces muito bem, que valores destacarias especialmente, que tenhas transladado ao mundo da pintura?
A aproximidade e a simplicidade. Vejo o mundo da educação como o reflexo da espiritualidade de Champagnat, ou seja, a possibilidade de aproximar-se das pessoas, dos garotos que irás educar, de uma forma mais direta ou mais próxima que outras espiritualidades, sem grandes teorias, atendendo a necessidades concretas.

Transferiste para tua pintura esta maneira de educar…
Sim, é o que tentei fazer, por exemplo, no mural de Chamberi. Os irmãos trabalham, se envolvem diretamente na construção do colégio. É uma metáfora porque não sei se chegariam a fazê-lo…A metáfora expressa esta imagem dos irmãos que constroem com cal, com pedras, com cimento… que põem janelas, os vidros. Com esta metáfora quero expressar uma aproximação total. Desde o primeiro momento eles controem o colégio com tudo o que signifiva de participação e de entrega

Crês que em nossa educação teríamos que dar mais importância à arte em suas diferentes facetas, ou já se dá suficientemente?
Não sei. Imagino-me que se está muito condicionado por tudo o que o Estado impõe quanto à educação, nas diferentes autonomias. Não conheço a realidade de cada colégio. Depende também do pedido que façam as famílias e os alunos. Oxalá houvesse mais gente que pedisse isso. Soube através de companheiros que trabalham no ensino público que irão suspender muitos postos de trabalho, porque a gente não pede currículo artístico. Não se pode obrigar as pessoas a escolher música ou pintura… Se os pais dizem a seus filhos que isto não tem futuro, o que vamos fazer? São épocas que vêm assim.

Como vês a Virgem em tuas obras?
Sempre, e sobretudo, como uma mãe, com um olhar maternal, muito acolhedora, com muita beleza de traços, com muita serenidade.

Quando pintas a Virgem, não sentes nostalgia?
Creio que sim. Todas as mulheres que pinto são assim. Têm esta distância de beleza ideal, sugerem uma serenidade que os clássicos tratavam de expressar em Vênus de Milo, esta série de esquemas matemáticos que se colocavam para refletir a serenidade. Eu o faço de forma instintiva, têm serenidade e nostalgia ao mesmo tem-po, mas quero buscar mais calor do que sinto.

Tendo que salvar duas ou três de tuas obras que pintaste, qual deixaria para a posteridade?
Espero chegar a pintá-las algum dia.Por enquanto, não me atreveria.

Todavia não as tens pintado?
Creio que não. Espero que o melhor esteja por chegar. Espero que algum dia ocorra. E se não, tampouco nada aco-tecerá. Já te disse, quando realmente me sinto a gosto é quando estou pintando e isto me basta. Quando o acabo de fazer, há que pensar no seguinte porque este já acabou e não da mais de si.

Pintaste o mural da Família Marista na Casa geral de Roma. Tinhas acabado de casar?
Sim, o fiz em minha viagem de lua de mel. Tudo começou quando o irmão Agustín Carazo, na ocasião Postulador geral, assistiu ao nosso casamento e nos disse: Venham a Roma de viagem de núpcias. Veremos a Itália, visitaremos a cidade, e de passagem, pintas um mural. Ele sempre me convidava para fazer coisas.

Pintaste alguns dos quadros da galeria dos Superiores gerais
Sim, pintei um de Charles Rafael. Depois me encarregaram do de Basilio Rueda?

Tua passagem pelos maristas, que valores deixaram em tua vida?
Noventa e nove por cento da minha personalidade, da minha forma de ser, a simplicidade, a naturalidade de aceitar as coisas com muita humanidade e sobretudo dar a prioridade às pessoas sobre as teorias. Desde o irmão Ruperto, que cuidava das galinhas em Sigüenza e que me deu a primeira definição de arte. Perguntou-me: És artista?. Acrescentou: O artista é o que faz as coisas bem. Enquanto os filósofos tentam explicar o que é a arte? Enfim, todos os irmãos que conheci e com os quais convivi são sempre uma presença contínua em minha mente.

ANTERIOR

Notícias aparecidas na WEB...

PRÓXIMO

Marcelino acreditava em Deus e colocava sua c...