São Marcelino Champagnat: um sonho esculpido no Mármore

01/06/2006

Jiménez Deredia na Basílica de São Pedro do Vaticano

Em 1976, um jovem escultor costarriquenho viaja pela Itália. Ele tem 21 anos e uma bolsa de estudo de alguns meses. Os ateliês de Carrara estão abertos a seus desejos de aprendizagem. Ele não consegue apagar da sua memória as imagens das esculturas pré-colombianas de seu país de origem. Quando ele atravessou pela primeira vez as portas da Basílica de São Pedro e contemplou as estátuas, sonhou, um dia, colocar ali uma das suas obras. Pouco importa quem; esse seria um sonho de juventude. Para ele, não se tratava de uma intuição. No dia 20 de setembro de 2000, esse sonho torna-se realidade.

Que representa para você ter uma das suas estátuas no Vaticano, mais precisamente aquela de São Marcelino Champagnat?
Para mim, a escultura de São Marcelino Champagnat representa um importante momento da minha vida pessoal e espiritual. O fato de que ela esteja no Vaticano significa uma possibilidade de concretizar o pensamento de Marcelino para que ele seja mais conhecido. Descobrir a figura de São Marcelino com sua dimensão espiritual, sua simplicidade e sua concepção de mundo, me ajudou a compreender uma parte da minha busca interior e espiritual. A coisa mais importante que cada ser humano deve compreender na sua vida é buscar a verdade com humildade e depois segui-la. Infelizmente, em nossa vida, temos tendência a ver as sombras, e não nos habituamos a buscar a verdade das coisas. A simplicidade de São Marcelino foi provavelmente a chave mais importante para buscar a verdade da vida… A resposta existencial do homem Champagnat e da sua mensagem coincidem automaticamente com minha evolução e minha concepção espiritual. O fato de que Marcelino esteja no Vaticano não é nem motivo de orgulho nem de honra para mim, mas significa a concretização de uma resposta existencial e pessoal que coincide com a resposta existencial de Marcelino.

Como surgiu sua vocação de escultor?
Eu comecei a esculpir muito jovem. Tinha 15 anos quando fiz minha primeira escultura pública na Costa Rica. Com toda a inconsciência da minha idade, esculpi um educador costarriquenho. A partir desse momento, compreendi que tinha nascido para a escultura. Eu queria fazer muitas coisas na minha vida, mas o que me fazia mais feliz era ser escultor. Por outra parte, compreendi que poderia projetar minha dimensão espiritual através da arte, isto é, meu subconsciente que é, como se diz, nosso ser interior… Eu poderia expressar aquilo que vai além do racional através da escultura. Cada um de nós encontra um meio de expressar sua dimensão espiritual através de uma estrutura religiosa, da música, da poesia, da conservação da natureza etc. Todos nós, seres humanos, somos chamados interiormente a encontrar o canal propício; no meu caso, esse foi a escultura. Sinto que sou escultor porque este é o caminho que Deus me deu para encontrar a minha própria dimensão espiritual e para expressar todo este mar interior que existe em mim, como existe em todo ser humano. Poder expressá-lo através da matéria, é um privilégio enorme, porque isso me permite traduzir essa espiritualidade em alguma coisa de concreto. É assim que eu penso haver descoberto minha vocação de escultor. Isso corresponde, de alguma maneira, à minha resposta existencial a: Por que estou aqui?; que devo fazer?; para onde vou? Todas estas grandes questões que estão em nós têm suas respostas na dimensão espiritual de cada um. E em meu caso, elas encontram seu canal indispensável na escultura.

Que aconteceu para que uma das suas obras, como essa estátua, fosse colocada no Vaticano, uma vez que isso realmente não é fácil?
Trata-se de uma longa história. Uma história mágica e fascinante. Contá-la-ei em algumas palavras: Isso pode parecer estranho, mas sinto em meu coração que não fomos nós que escolhemos São Marcelino, mas foi antes ele que nos escolheu. Compreendemos que colocar uma escultura na Basílica de São Pedro é uma operação muito complicada e que em, 99% dos casos, devemos conhecer bem as pessoas da estrutura eclesiástica e ter boas conexões dentro do Vaticano. Minha esposa e eu, no entanto, tínhamos sonhado fazer alguma coisa verdadeiramente importante para o Vaticano. Pouco a pouco, nós nos deixamos penetrar por essa mensagem cada vez mais forte em nossos corações, e exploramos todas as vias que se poderiam abrir para nós, esperando essa pequena luz no fundo do túnel que nos indicaria o caminho a seguir. Assim, pouco a pouco, as coisas foram se concretizando, até o momento em que apareceu a possibilidade de descobrir São Marcelino, que nos inspirou qual deveria ser nossa participação no Vaticano para o Jubileu. Gradualmente, as coisas tomaram forma; pessoas gostaram do projeto, e a Congregação Marista entrou em cena para apoiá-lo com amor, dando-nos seu apoio espiritual, moral e a coragem de que necessitávamos para seguir. Pudemos, assim, concretizar nosso sonho de realizar essa escultura para a Basílica de São Pedro.

Portanto, um ano antes, você não conhecia ainda nada sobre São Marcelino Champagnat.
Devo reconhecer que ignorava a existência de São Marcelino Champagnat.

Então, como você pôde aprender tanto sobre ele em tão pouco tempo? Que lhe atraiu a atenção? Que fez você para se impregnar tão rapidamente do seu espírito?
Senti que a história de Marcelino e a minha história pessoal tinham elementos comuns, com todo respeito que tenho por Marcelino. Eu venho de uma família pobre, de um país pobre onde as grandes aspirações são abundantes. Eu sou um grande sonhador e acredito que tenho força interior para lutar pelas coisas em que acredito e pelas quais sinto um apelo espiritual muito forte. Quando conheci Marcelino, uma frase prendeu minha atenção para depois vir a ser um pilar fundamental durante esse ano. Ela diz que se colocarmos nossa confiança em Deus, a nossa fé n?Ele, nada é impossível. Isso quer dizer que Marcelino era um homem que não acreditava somente em teoria, mas lutou para realizar seu sonho com suas mãos e sua fé. Sentimos, de alguma maneira, que, mesmo pobres economicamente e sem grandes meios, tudo seria possível se tivéssemos uma grande fé e se Deus estivesse conosco. Esta foi a nossa identificação quase total com São Marcelino. Um homem que cortou a rocha para construir l?Hermitage, um homem que tinha apenas suas mãos, que se fez um igual, que não esperava que as coisas caíssem do céu. Em minha vida, aconteceu de lutar com minhas mãos e com meus grandes sonhos e de ver como, pouco a pouco, Deus dava uma resposta e uma luz para esse combate. Marcelino me deu a força porque, com poucos recursos mas muita fé, ele conseguiu construir um reino, que foi um reino de fé e de amor. Eis por que eu quis dar o nome ao projeto de: ?Um Gigante do Amor?. Em Marcelino, eu encontrei um verdadeiro gigante do amor, onde os grandes valores espirituais podiam ser traduzidos em coisas concretas. A estátua de Marcelino é um exemplo de um grande ideal que pode ser expresso bem concretamente através de um bloco de mármore: um sonho realizado.

O caráter inovador da sua escultura não apresentou uma certa dificuldade para a Comissão artística do Vaticano, que deveria aprovar esse projeto?
É sempre difícil aceitar coisas novas. Logo que eu elaborei o projeto, escutei meu coração, o que eu sentia em mim mesmo e o que deveria ter sido o sentimento de Marcelino. Acredito que São Marcelino amou as pessoas de diferentes maneiras, com suas fraquezas e seus limites. Agiu da mesma maneira para com as crianças. Eu deveria traduzir esse aspecto humano através do viés das crianças. Meu grande desafio era não fazer uma obra retórica: uma obra que descreveria os elementos anedóticos do santo; mas, que revelaria sua alma, isto é, o sentimento profundo que o conduzia a amar as crianças. Isso correspondia à concepção que Marcelino tinha de um mundo simples. Afastar as coisas superficiais para ir em busca da verdade. Esta também foi minha palavra de ordem mais profunda durante esses últimos anos da minha vida. Ir em busca da verdade é afastar tudo o que é superficial, e isso me conduziu a realizar uma escultura que é relativamente revolucionária no contexto das obras que têm uma origem histórica barroca, e que se situa entre 1700 e o início de 1900. A obra tinha uma data precisa e uma expressão cultural e artística do momento. Para mim, uma escultura do ano 2000 deveria ser aquela que, além de representar a verdade e a essência de Marcelino, deveria também significar a linguagem de uma cultura do ano 2000, sem cair em modismo, sem cair no excesso de esteticismo, mas devendo respeitar a linguagem cultural do ano 2000. Por essa razão, a obra foi profundamente revolucionária e difícil de ser aceita no início. Estava evidente que as pessoas prefeririam uma obra mais tradicional, mais em harmonia com a escultura dos anos 1700-1800. Esta escultura apareceu como ela é porque ela deveria ser assim; deve-se respeitar meu mundo interior e o de Marcelino. Acredito que esse mundo deveria ser manifestado através de uma maneira simples e numa linguagem contemporânea.

Você disse que sua estátua é uma estátua essencial. O que você quer dizer com isso?
Para mim, o essencialismo é o último estágio de uma coisa. Uma coisa é essencial quando se tira dela tudo o que é superficial para chegar ao coração de um pensamento. É, pois, o último estágio de todo pensamento. Em geral, experimentamos tudo isso quando queremos fazer uma coisa. Temos muitos estímulos e enfrentamos o desafio de uma idéia complexa porque ela tem muitas camadas. O que devemos fazer é eliminar essas camadas para chegar ao coração da idéia. E somente quando a idéia for liberada dessas camadas, é que chegamos ao seu essencial, à sua pureza. O essencialismo corresponde, segundo meu modo de pensar, ao último estágio de um pensamento quando ele foi purificado a ponto de ficar totalmente limpo, e assim chegamos à sua verdade. Desse modo, realizo o processo de todo filósofo: a busca da verdade. Infelizmente, como dizia Platão no seu célebre mito da caverna, ?tudo que vemos diante de nós, não é senão sombras da realidade?. É preciso ter a coragem de retirar essas correntes e de voltar a cabeça para ver a verdade que se esconde por trás das imagens que vemos. Para mim, o essencialismo é um dos caminhos que nos são dados para nos voltarmos a ver a verdade das coisas, a fim de que não a confundamos com suas sombras, que estão diante de nós ou diante da caverna.

Então, para você, qual é a essencialidade de São Marcelino? Qual é sua essência? Que você quis transmitir de Marcelino através da sua escultura?
Para mim, São Marcelino era um homem que havia compreendido onde estava a verdade das coisas e que lutou durante toda a sua vida para expressá-la e comunicá-la da maneira mais simples ao mundo. Para compreender as coisas, alguém deve complicá-las acrescentando todas essas camadas que confundem o espírito e fazem perder a transparência das coisas. Para mim, Marcelino havia compreendido perfeitamente a mensagem de Jesus. Ele havia entendido as aspirações de sua alma e sua harmonia com a mensagem de Jesus. Sabia que somente uma linguagem clara permitiria ao mundo compreender. Para mim, Marcelino é a expressão de tudo isso e se, como eu acredito, alguém abre seu coração à vida e a Deus, que ele busca, essa verdade das coisas não pode senão coincidir com o que Marcelino descobriu como essencial em sua vida: a busca das profundezas, dos grandes valores que não são o dinheiro nem a exaltação de grandes coisas, mas a própria compreensão do ser humano e da sua relação com o cosmos… sua harmonia. É o que nos ensina a psicologia analítica ao dizer que passamos da fase do eu para ir ao ser, harmonizar a existência e chegar ao ser. Isso quer dizer: ?não sou eu mais que vivo, é Cristo que vive em mim?. É precisamente a harmonia entre mim e meu ser para chegar a encontrar um espaço como ser humano em situação no cosmos. Para mim, a mensagem de Marcelino se situa nesse ponto fundamental: a busca do ser.

Que papel as duas crianças representam na escultura?
As duas crianças representam a relação emocional e intensa que São Marcelino tinha com o ser humano. A criança que está sobre seus ombros é nosso filho, criança que carregamos com amor sobre nossos ombros. Eu quis me inspirar em alguma coisa viva, e não teórica. A criança do alto foi inspirada na minha própria experiência humana com meu filho. Eu estava certo de que um homem como Marcelino tinha amado as crianças e teria tido fortes relações emocionais com elas. Eu não queria fazer algo teórico, pois o que é teórico se revela falso, frio, uma abstração, uma leitura de sombras. A verdade passa por aquilo que vivemos profundamente. A experiência de Deus é uma coisa que você vive ou não vive. Se isso é apenas teoria, então é uma coisa morta; se é algo vivido, então assume um sentido existencial. Essa criança sobre os ombros é alguma coisa viva, como a fé de Marcelino. Procurei expressar através do mármore uma experiência existencial comum a todos, isto é, perceber com sua pele, mesmo a pele do pescoço, a qualidade humana que essa criança podia sentir. A criança embaixo (menino ou menina, pouco importa, representa as crianças em geral) tem uma mão colocada sobre o pé do santo, colocando sua confiança na figura do IMAGO paternal que São Marcelino representa nessa escultura, e que também representa para todos aqueles que se aproximam dele: a imagem perfeita do IMAGO paterno. Não se trata apenas de uma pessoa que dá uma qualidade emocional, mas que dá também a possibilidade de crescer intelectualmente, isto é, refletir sobre sua existência, sobre Deus e ter um conhecimento completo, ao mesmo tempo emocional e intelectual. Ele é a figura que talvez una os dois conceitos que estão em nós: a razão e a emoção que, quando estão bem equilibradas, nos permitem viver plenamente nosso ser. Essa criança abaixo faz, pois, a experiência de dois momentos fundamentais da natureza humana: a compreensão emocional, através do contato com o santo, e a compreensão racional, que une o emocional para completar o conceito de ser nessa criança.

Foi difícil integrar em uma única imagem de Marcelino a força masculina, a firmeza e a ternura?
Não. Devo dizer que não houve um esforço racional, a priori. Isso aconteceu estudando a figura de Marcelino, buscando concretizar nessa imagem os valores nos quais ela acreditava profundamente, e eu tinha automaticamente a imagem de São Marcelino, aquela do IMAGO paterno. Ele devia ser masculino, alto, forte, com uma expressão de caráter, mas ao mesmo tempo doce, isto é, um homem que corrige e ama ao mesmo tempo, capaz de dizer a frase mais gentil e indicar com firmeza o caminho que você deve tomar. A ternura veio automaticamente, sem procurá-la. Devo admitir que nunca procurei colocar nele ternura ou severidade como homem; essas eram duas imagens que estavam em mim desde que me identifiquei com Marcelino e que de alguma maneira correspondiam com minha concepção do mundo: de um lado, a força; e do outro, a ternura, características próprias do ser humano. Quando compreendemos o ser humano, a ternura vem automaticamente. Não é uma coisa que se busca, teórica. É uma experiência existencial, e acredito que a escultura concretiza as duas como resposta de uma personalidade estudada, analisada, amada e que, de uma certa maneira, foi esculpida no mármore.

Esta é a atitude da estátua, da escultura, mas o que dizer do rosto de Marcelino?
O rosto é importante nessa escultura. Seus olhos um pouco cerrados falam da responsabilidade que ele tinha diante do mundo. Ele não era um homem que se ausentava do mundo ou que observava apenas as coisas exteriores do mundo. Ele tinha um olhar introspectivo que lhe dava uma visão completa do mundo. Esse rosto de Marcelino é um pouco o reflexo da sua dimensão espiritual que, de certa maneira, coincide com o ideal, o esforço de nossa busca e o desejo de atingir o espiritual. Eu tenho sempre defendido que uma escultura deve refletir essa busca pela verdade, a própria visão de si mesmo. Isto é, uma imagem que deve respeitar a fisionomia da pessoa representada, mas também certa maneira de concretizar a sensibilidade do artista. Um quadro é sempre o reflexo de um artista enquanto criador e uma interpretação psicológica do personagem que está representado. Esse binômio, porque, se representamos apenas o exterior do personagem, lhe faltará a dimensão fundamental de toda obra de arte: passar pelo crivo da existência, do vivido. Uma vez passado pela experiência da vida, essa imagem contém também o artista. As duas coisas formam um binômio, e o artista deve respeitar ao mesmo tempo a personalidade daquele do qual fazemos a imagem, e a sua própria personalidade de artista. No caso de Marcelino, existe uma correspondência entre essas duas coisas, e por isso essa imagem exerce um magnetismo. Acredito que era isso que Marcelino tinha. É a magia que Deus lhe havia revelado em seu coração.

De tudo o que fui aprendendo ao acompanhar o desenvolvimento da estátua durante todos esses meses, vi que era um projeto seu, mas também partilhado, me parece, com Giselle, sua esposa. Até que ponto se trata de um projeto de família?
Sim, trata-se, fundamentalmente, de um projeto de família. Minha esposa foi a primeira a ter a impressão de que era necessário produzir uma coisa importante. Acredito que Marcelino a ouviu, lhe revelou sua vontade em sonhos e me deu a possibilidade de concretizar em parte sua mensagem para essa escultura. Eu digo isso com toda a humildade, sem a menor presunção, mas é um pressentimento que temos em nossos corações; daí o desejo e a vontade da minha esposa de defender esse projeto. Ela o sentia como uma das missões que Deus lhe confiou em sua vida. Ela lutou a todo momento para criar as condições ideais de realizar a escultura. Em certo momento, ela marcava encontros sem me consultar, fazia coisas que eu acreditava desnecessárias de fazer, mas ela acredita que Deus lhe pedia para realizá-las. Esse é, portanto, um projeto partilhado em meio familiar de maneira muito intensa. Mentiria, como aquele que não busca a verdade, se dissesse que é um projeto primeiramente sentido por mim; foi minha esposa que o intuiu primeiro e criou as condições iniciais. Foi pouco a pouco que entrei no mundo aonde ela me convidava. Foi assim que o percebemos através da nossa fé: Deus nos indica uma parte da nossa missão e do nosso destino nesta vida.

Que emoção você sentiu quando chegou o momento de se encontrar com o Papa, após a bênção da estátua?
Para mim, foi uma experiência muito forte, como a realização de um sonho do qual todos tínhamos tomado parte. O Papa João Paulo II foi, sem dúvida, o primeiro a me oferecer a possibilidade de colocar essa escultura. Quando me aproximei dessa figura carismática, com toda a humildade que pude sentir diante de tal personalidade, o único sentimento que me veio foi de reconhecimento por me ter dado a possibilidade de tomar parte nesse grande projeto. Isso me comoveu profundamente. As poucas palavras que ele disse para me agradecer por ter feito a escultura significaram para mim o coroamento, algo que nunca havia imaginado que iria viver.

Que repercussões lhe chegaram depois da inauguração da sua escultura?
Em geral, foram reações positivas. É a minha impressão. Sempre haverá pessoas que não gostarão da escultura. Haverá também aquelas que a criticarão, mas isso não me interessa, porque a escultura é a expressão do que eu queria dizer. Muitas pessoas perceberam a mensagem humana. As impressões das pessoas que não são conhecedoras ou especialistas culturais me interessam muito quando passam e sentem uma emoção. Fiquei emocionado ao ver como pessoas de grande cultura pessoal se identificaram com a figura de São Marcelino e, em particular, pelo fato de que ele carrega uma criança nos ombros. Faz pouco tempo que uma pessoa me parou e disse: ?Eu lhe quero dizer que quando observava a escultura, ela me agradou muito, porque lembrou minha filha que carrego freqüentemente sobre os ombros, apesar das minhas dores nas costas, apesar de todos os problemas que isso possa me causar. Fico muito emocionado quando a carrego nos ombros. Quando vi essa escultura, me identifiquei automaticamente com esse contato humano que tenho com minha filha.? Para mim, isso é mais importante do que qualquer crítica sofisticada do mundo. Que se faça uma análise racional, uma análise estética, para mim são coisas válidas, porque são verdadeiras. Como eu disse, se progredirmos em uma busca sincera das coisas verdadeiras, e uma pessoa toca o nosso coração, ela nos comunicará um sentimento verdadeiro que inunda de alegria toda a pessoa.

Mas você conseguiu reunir, num julgamento favorável, não somente pessoas simples, como também pessoas importantes no mundo da crítica, como, por exemplo, aquelas que lhe atribuíram o prêmio ?Angélico Béat? e o célebre crítico francês Pierre Stanay, que escreveu uma obra sobre você.
Bom, digamos que é um momento feliz da minha vida, como disse anteriormente. É igual a quando se atinge o ponto ideal no plano intelectual. A pesquisa sobre os valores para transformar a matéria sustenta toda a minha obra. Se digo que somos poeira de estrelas, o fruto da transformação da matéria, o fruto do milagre do tempo místico, trata-se do tempo da transformação da matéria. Todas as religiões expressaram isso através de diferentes símbolos. É um pensamento bastante complicado que analisaram as religiões egípcias, pré-colombianas e mesmo a religião cristã etc. e que foi manifestado através de diferentes símbolos. A crítica, a alta crítica, como a de Pierre Stanay e a de outros críticos de âmbito internacional, apreciou essa posição cultural, intelectual e o reflexo dessa reflexão em minha obra em geral. Estou contente por encontrá-los. Eles me ajudaram a integrar esse pensamento e, ao mesmo tempo, a manter o contato com o camponês que existe em mim e que me convida ao desenvolvimento e ao crescimento da vida. Isso mostra que existe uma comunicação imediata e uma outra comunicação em um nível mais elaborado que envolve tudo: a fenomenologia humana, a antropologia, a psicologia, a sociologia, todo esse conjunto de valores que amadurecem em nós e completam o ciclo para nos fazer compreender a nossa participação no cosmo. Eu penso em particular em Karl Gubstafson, o fundador da psicologia analítica, que foi fundamental para mim. Ela foi a chave que me permitiu entrar em contato com esses grandes críticos como Pierre Stanay e outros que, graças à influência de Jung, compreenderam todo o processo fundamental da transformação da matéria à qual nós pertencemos, e esse processo do qual tomamos parte quotidianamente: a presença de Deus, ou simplesmente Deus, como o fenômeno que determina a transformação da matéria e sua participação cósmica, ou a ocasião que nos é dada de pertencer ao cosmo.

Jung fala em seus escritos da luz e da sombra. Quais são as luzes e as sombras de Marcelino?
Esta é uma questão muito complicada, porque o conceito de sombra em Jung é muito complicado. Ele a identifica por vezes com o mal, e outras vezes com a parte irracional que existe em nós. Eu não saberia responder a essa questão com autoridade. Seria necessário ter conhecido pessoalmente Marcelino e ter falado com ele para explorar esse conceito. Uma coisa é clara em São Marcelino: a luz predominou sobre a sombra, e aquilo que pode ter sido sombra ou negativo nele foi transformado em algo positivo. Sua mensagem é positiva, uma mensagem de luz. Suas sombras, se existiram, não tiveram mais que uma importância secundária e foram obliteradas pela luz de sua própria existência. Acredito que está aí uma das maiores mensagens de São Marcelino: a luz, sua dimensão espiritual, extinguiu ou talvez incorporou a sombra (porque não podemos extinguir a sombra em nós), refreando e mudando essa sombra para que, através da luz da qual se sentia inundado por Deus, iluminasse também as partes sombrias da sua alma.

Você leu a carta 24 de Marcelino Champagnat ao irmão Barthélemy?
Ultimamente me falaram dessa carta, mas não a tinha lido antes de fazer a escultura.

Marcelino escreveu ao irmão para que dissesse às crianças que Jesus as carrega nos ombros para que elas não se cansem. Realizando essa escultura, parece que você traduziu o pensamento de Marcelino mesmo que desconhecesse o texto.
Perfeitamente, é evidente que isso supõe uma revelação no quadro do inconsciente. É o que chamo de consciência emocional, isto é: colher a verdade através das emoções. A célebre mensagem de Jesus continua clara: ?Eu sou a verdade e a vida, eu sou a luz do mundo?.

Agora uma pergunta fácil: muitos entre nós gostaríamos de saber quais foram as dificuldades técnicas para fazer uma estátua de mármore de dimensões gigantescas como essa.
É uma pergunta interessante. Existem muitas dificuldades técnicas: como manipular um bloco de mármore de 32 toneladas, deslocá-lo, trabalhá-lo, fazer surgir da pedra um sentimento. Como escolher o material adequado que seja bonito e sem falhas? É preciso fazer um grande esforço para ir a uma pedreira, encomendar o bloco com muito tempo de antecedência, realizar os cortes na encosta de uma montanha até encontrar o mármore ideal de onde sairá a escultura. Existe a precisão técnica para transportar de um modelo reduzido para uma grande escala, a dificuldade de dar o acabamento perfeito à obra, obter as luzes e as sombras com grande habilidade técnica que requer um esforço interior. Eu entendia, então, São Marcelino, sua grande força para lutar sem perder a coragem. A escultura exige tudo isso. Quando chegamos perto do fim, a luz acaricia a matéria e determina o polimento. É uma operação de muita técnica que requer um grande esforço, porque a qualquer momento a escultura poderia estar terminada, mas não é fácil determinar quando ela o será realmente, pois é necessário obter o melhor resultado técnico possível.

Acredito que exista uma relação unívoca entre o escultor e a escultura. Você modelou São Marcelino e o resultado é visível para o Vaticano. Em que medida Marcelino também o modelou?
Sem dúvida que em grande parte ele também me modelou. A figura de Marcelino, que eu não conhecia antes, chegou em um momento importante da minha vida. Eu tinha necessidade de concluir o que havia começado há vários anos, talvez desde quando tinha 15 anos. Todo um desenvolvimento cultural, intelectual, filosófico através da psicologia, da sociologia e da filosofia, que eu gostava imensamente, mas me dei conta de que a verdade não poderia ser encontrada nem pela filosofia que é muito teórica, nem pela psicologia, muito técnica, nem pela sociologia, nem pela arquitetura que estudei durante seis anos, nem por todas essas coisas que não passam por aquilo que vivemos em profundidade. Quando toda essa sopa de condicionamentos filosófico-teóricos estava catalisada através de uma experiência vivida profundamente, então apareceu a figura de Marcelino, e então todos os elementos chaves de todas essas reflexões começaram a se encaixar automaticamente. Para mim, Marcelino chegou quando eu tinha necessidade de dar um passo importante em um momento crucial da minha vida. Ele me ajudou a compreender que a verdade passava por uma experiência simples e verdadeira. Foi assim que nos modelamos mutuamente, porém Marcelino modelou a mais a minha pessoa do que eu a sua escultura.

Você é o primeiro escultor não-europeu a ter uma estátua no Vaticano. O que representa para a América Latina e Costa Rica esta obra do nosso Fundador que está no Vaticano?
Acredito que isso representa muito para todos nós. Uma parte do orgulho costarriquenho vem do fato de que não somente o autor, mas também pessoas que apoiaram o projeto e me ajudaram financeiramente são costarriquenhas. Foi um esforço costarriquenho para realizar esta obra. Eu contribuí com minha parte, que foi a criação escultural; eles deram o apoio moral e financeiro. Enfim, acredito que os Costarriquenhos estão orgulhosos que esta obra esteja no Vaticano. Orgulhoso no sentido próprio da palavra, sem arrogância, mas pela alegria de pertencer a um povo capaz de realizar coisas boas juntos, coisa que favorecem a evolução espiritual.

O que você descobriu entre os irmãos Maristas, os destinatários particulares desta estátua? O que você descobriu entre esses últimos, durante o seu trabalho?
Para mim foi uma bela experiência poder conhecer os irmãos Maristas. A qualidade humana das pessoas com as quais estive em contato me ajudaram a compreender que Marcelino deixou uma mensagem que ele assimilaram em profundidade, e que conseguem transmiti-la simplesmente vivendo-a, com poucas palavras, com poucos aparatos e propaganda, mas que vai além do essencial. Estou feliz, como pessoa, por ter estabelecido essa relação com um grupo de irmãos Maristas, porque eles me ensinaram através da sua maneira de viver que podemos dizer coisas fundamentais sem tocar tambor ou trombone.

Agora você está inscrito como escultor no catálogo permanente do Vaticano, a cidade eterna, pelos séculos futuros. Sua mensagem espiritual permanecerá assim por gerações e gerações que entrarão pela pelo pátio de Santa Marta para ver esta estátua. Você já tem novos projetos?
Meu grande projeto é uma importante exposição retrospectiva no Palácio Strozzi de Florência. Expor neste palácio é um importante objetivo para todo artista. Desejo reservar uma sala dessa exposição para a estátua de São Marcelino Champagnat: o processo de elaboração da escultura, os modelos, os sonhos, as decepções, as lutas e a grande satisfação espiritual dessa experiência serão ilustradas. Esse será também o momento onde o livro de Pierre Stanay será publicado e onde essa idéia do pensamento transformando a matéria será ilustrado. Para mim, isso é o coração da existência, porque nós não somos senão o fruto da transformação da matéria e Deus é aquele que opera essa transformação.

Marcelino Champagnat tinha une grande devoção à Virgem Maria. Em que medida você acredita que a sua estátua reflete esse aspecto, mesmo se na realidade Maria não aparece nela explicitamente?
O Imago materno, a Virgem Maria, é um dos nossos mais importantes conceitos. A psicologia analítica tratou muito desse tema do Imago materno, especialmente Jung. Na figura de São Marcelino essa mensagem encontra-se escondida. Esse instinto materno que Marcelino possuía é um pouco o Imago materno que está no Imago paterno, isto é, a conjunção de duas imagens fundamentais de todo ser humano: o Imago paterno que se expressa através da figura firme de São Marcelino, e o Imago materno através da sua ternura para com as crianças. É a Virgem que está por trás de tudo isso. É essa imagem que pressentimos e que nos dá esse sentimento de segurança que nos transmite São Marcelino.

Será para nós um prazer contemplar suas obras futuras, sabendo muitas delas estão sendo realizadas. Desejamos que seus sonhos não acabem!
Obrigado!

ANTERIOR

218 Seleção de notícias aparecidas na WEB ...

PRÓXIMO

Entrevista com o Ir. Clemente Ivo Juliatto, R...