Solidaridade com o Sudão do Sul
O Projeto de Solidariedade com o Sudão do Sul, nascido por solicitação da Conferência dos Bispos do Sudão do Sul, é apoiado por várias Congregações religiosas.
A iniciativa, centrada nas áreas da saúde, da agricultura e da preparação profissional de educadores, expressa um novo paradigma de colaboração entre as Congregações, para responder de modo mais efetivo às imensas e urgentes necessidades desse país.
O Ir. Christian Mbam, da Nigéria, que participa do projeto, abaixo partilha sua experiência.
Antes que o Instituto enviasse Irmãos para o Sudão do Sul, o Ir. Benito Arbués, há mais de 12 anos, havia pedido à Região Marista da África que estudasse a possibilidade de abrir uma missão conjunta no Sudão do Sul. Quando fui eleito Provincial da Nigéria, este assunto, que havia ficado no esquecimento, estava na agenda das reuniões dos provinciais e do superior de Distrito da África do Oeste. Faltava clareza sobre o tipo de missão, dado que o tema voltou a ser suspenso. No entanto, as discussões me prepararam para responder ao convite que o Ir. Emili Turu me fez para que me unisse a una iniciativa solidária. Nunca me arrependi de ter dito “sim”, graças a Deus.
O Sudão do Sul esteve envolvido, com frequência, em lutas armadas contra o resto do país, acusando-o de marginalização e uma calculada supressão da sua cultura e religião para estabelecer o domínio da cultura e do idioma árabe sobre o predominante cristianismo do Sul. Estes conflitos continuaram por décadas até que o Sudão do Sul conseguiu sua independência. O Sudão do Sul, por sua raça, é africano e o Sudão do Norte é árabe.
Tantos anos de guerra deixaram o Sudão do Sul em estado lamentável. A malha rodoviária praticamente não existe. As estradas poderiam se chamadas de armadilhas mortais. Nem se pode falar de eletricidade, de água encanada ou de escolas dignas. Exceto Juba, a capital, o resto das casas não são mais do que grupos de choças que parecem cogumelos com seus telhados de palha. Na zona rural, as poucas crianças que podem ir à escola, têm suas aulas debaixo das árvores sentadas no chão. As poucas universidades que funcionam nesse país empobrecido, só tem o nome. Não têm infraestrutura nem recursos. Internet só está ao alcance de poucos privilegiados. Na região em que vivo, nem sequer há rede telefônica. Tudo isso nos dá a perspectiva de um país tremendamente pobre, atrasado, predominantemente analfabeto e com uma ignorância sem precedentes.
Se não fosse pouco, as guerras fratricidas entre os grupos étnicos, motivadas pela luta pelo poder e as diferenças tribais, fizeram com que um terço da população fugisse para os campos de refugiados ou se deslocasse dentro do país para conseguir comida e alguma ajuda das várias organizações caritativas.
Felizmente há bons sinais de mudança. Recentemente a energia elétrica voltou a funcionar em Juba depois de alguns anos sem luz. Mais casas, em outras cidades estão começando a mudar de aspecto, inclusive estão sendo pintadas.
Missão escolhida
Há alguma razão para escolher esta missão ou outra diferente do que aquela animada pela fé? O Papa João Paulo II insistiu que a Igreja, e em particular as Congregações Religiosas, saísse para as periferias ao encontro das pessoas marginalizadas.
A União dos Superiores Gerais respondeu imediatamente a este apelo considerando a possibilidade de ir ao Sudão do Sul de forma conjunta. Supunha uma iniciativa totalmente nova e uma mudança de paradigma. Decidiram trabalhar juntos, não só em projetos, mas também como comunidades. Como era de esperar, isso iria reunir homens e mulheres de várias congregações e de culturas diferentes. A missão era tão urgente que não se podia perder tempo em considerar medos ou em dar passos muito prudentes… e não foi em vão.
Este é meu sétimo ano tomando parte de Solidariedade no Sudão do Sul, dando vida a esta iniciativa. Até agora vivi em duas comunidades e passei algum tempo numa terceira. Em todas elas se mesclam o internacional, o intercontinental, o intercongregacional, homens e mulheres.
Em muitos casos, especialmente devido à diminuição das vocações e ao envelhecimento das pessoas nos países ocidentais, com muitas congregações fechando casas, já não se coloca a possibilidade de abrir novas missões em outros países. Às vezes uma congregação pode ceder um ou dois de seus membros para uma nova missão, porém como não é assegurada sua continuidade, prefere-se nem tentar.
A iniciativa de Solidariedade no Sudão do Sul resolveu esse contratempo. Oferece a uma congregação a possibilidade de participar numa missão com o que pode, sem ter que abrir uma casa. Daí que em Solidariedade, algumas congregações só têm um ou dois participantes e outras podem participar de outras formas. Atualmente há umas duzentas congregações participando nesta iniciativa.
Com certa razão se pode perguntar: Que tipo de comunidade religiosa se pode formar com membros de diferentes congregações, inclusive com leigos e pessoas casadas? Os estatutos de Solidariedade deixam bem claro que se tratam de comunidades religiosas que têm uma ampla flexibilidade. Mais que um superior, temos coordenadores comunitários que não têm a autoridade de superiores, mas que organizam e harmonizam a vida comum dos seus membros.
Eles coordenam as reuniões comunitárias segundo o plano de vida aprovado pela comunidade. Eles ou elas são a ligação entre a comunidade e as pessoas de fora, também com o diretor executivo do projeto. Pede-se aos membros da comunidade que desenvolvam uma maturidade condizente com a vivência de seu compromisso comunitário. A comunidade escolhe quando reunir-se para a oração, as refeições e reuniões etc. O espírito religioso, mais que pobreza e obediência, deve estar sempre presente. Precisamos ser transparentes em todos os assuntos.
A grande alegria que encontro em pertencer à iniciativa Solidariedade é que tocamos a vida das pessoas. Nós nos damos conta de como a transformação é percebida, ainda que pouco a pouco. Ver que enfermeiras e professores do Sudão do Sul estão se formando nos centros de Solidariedade, que em breve serão a força laboral do país, nos dá uma imensa alegria. Em nossa escola paroquial temos já quatro professores formados trabalhando. Até agora os professores eram pouco menos que analfabetos que a duras penas podiam ensinar algo. Também usufruímos a vida comunitária na qual cada um leva o melhor que tem para construí-la.
Desafios
A grande variedade de comunidades apresenta também seus desafios e suas desvantagens. Temos que deixar de lado interesses pessoais, culturais e congregacionais. Na comida, que é muito variada, podem aflorar as sensibilidades de cada um. As palavras-chave que contribuem para o êxito das comunidades de Solidariedade são: adaptação, flexibilidade e sensibilidade, reforçadas pela caridade de Cristo e a necessidade da missão. Tentamos novos caminhos e coisas novas. Todos podem trazer suas iniciativas pessoais dentro dos limites impostos pelo manual de convivência da organização ou pelo projeto de vida comunitária.
Os membros da comunidade têm que perdoar os erros dos demais, especialmente quando se trata de iniciativas que não saem bem. Cada um tem que assumir a responsabilidade de seus riscos, erros e decisões que vão contra o manual de Solidariedade. Cada um cobre seus gastos com saúde, mesmo que todos tenham que obter o cartão sanitário (da saúde pública).
Eu me dediquei ao ensino e à agricultura em distintos momentos. A força de Solidariedade consiste em contribuir com o desenvolvimento do país e da Igreja, por isso optou por formar professores e enfermeiras que prestarão serviço às pessoas. Inclusive o projeto agrícola tem como um dos objetivos educar as pessoas e melhorar os métodos de agricultura. A equipe de pastoral de Solidariedade também educa os catequistas e o clero em suas atividades e iniciativas.
O contrato inicial com a Conferência Episcopal do Sudão do Sul foi por 10 anos, depois dos quais, a Igreja local teria já um bom grupo de agentes de pastoral formados e Solidariedade poderia ceder seus proventos de formação à Igreja local. Já se passaram esses dez anos e não houve mudanças. O Arcebispo de Juba disse: “Dar para quem?” Assim, assinamos um novo contrato por outros dez anos deixando claras as linhas e políticas de cessão.
É uma alegria afirmar que o Instituto Marista foi a espinha dorsal da iniciativa de Solidariedade desde seu início até hoje. Atualmente há dois Irmãos. Antes havia três. O Instituto também contribuiu consideravelmente com o financiamento para que a missão de Solidariedade seguisse adiante. A última doação há aproximadamente um ano foi de sessenta mil dólares. Eu creio que podemos mandar mais pessoas. Pedi urgentemente aos encarregados da Região africana que tomem o touro pelos chifres e que iniciem já uma missão conjunta no Sudão do Sul.
Atualmente Solidariedade está desenvolvendo uma campanha de captação de participantes para a equipe de pastoral que possam substituir os que terminam seu contrato e regressam a suas congregações. Podemos recomendar estes Irmãos qualificados e que podem contribuir nessa tarefa. Solidariedade também está buscando um Diretor executivo associado que se incorpore ao escritório central em Roma. O tipo de pessoal voluntário que mais necessitamos é de professores, enfermeiras e agrônomos.
Para terminar, quero recomendar esse tipo de iniciativa solidária, como um sinal dos tempos. Novas missões podem ser empreendidas e realizadas de uma forma profissional, trabalhando com o modelo de Solidariedade. Talvez a mistura de congregações e sexos assuste no início. Claro que há riscos, porém estes mesmos riscos diminuem quando as pessoas que participam de Solidariedade demonstram ter elevado nível de maturidade e experiência. Hoje muitos dos membros de Solidariedade são pessoas idosas, aposentadas. Talvez os riscos sejam maiores se os que vierem para as comunidades de Solidariedade forem religiosos jovens. Se isso ocorrer, é possível que seja necessário organizar novas formas de vida em comum.