
Triste sexto aniversário da deflagração da guerra na Síria
A 23 de dezembro de 2016, o pesadelo acabou para os habitantes de Alepo. Neste dia, o último comboio de rebeldes e de terroristas, que ocupava os quarteirões Leste e Sul de Alepo após julho de 2012, deixou a cidade para se estabelecer, sob a supervisão neutra, numa província vizinha, Idlib, sempre sob o controle dos terroristas de Al Nosra.
Os Alepinos estavam loucos de alegria pela libertação de sua cidade. Não havia mais Leste ou Oeste, Alepo voltou, como sempre foi, a ser uma cidade só sob o controle do Estado Sírio. Somente 15,000 habitantes dos quarteirões Leste foram evacuados, a pedido deles, com os rebeldes para Idlib. Os outros, mais de 100,000, que foram submetidos à ocupação sem tê-la escolhido – unicamente porque seus domicílios se encontravam lá – permaneceram em Alepo. Eles sofreram muito, mas foram aliviados após quatro anos de ocupação terrorista e 3 meses de controle de seus quarteirões pelo exército sírio. Para os 1.5 milhões de habitantes dos quarteirões Oeste, que estavam sob o controle governamental, a libertação trouxe um sentimento de segurança que eles tinham perdido faz quatro anos: a segurança de não mais receber os obuses de morteiros, de bombonas de gás utilizadas como bombas e dos tiros de franco-atiradores. Mas, Otimismo prudente: Bombas continuam a cair ocasionalmente sobre os quarteirões periféricos do Oeste de Alepo lançadas pelos rebeldes ainda instalados em alguns quilômetros no subúrbio Oeste.
Como todos os Alepinos, nós fomos visitar as antigas linhas do front, o quarteirão histórico de Jdeidé, antiga cidade ao redor do centro e os quarteirões Leste e Sul. A amplitude da destruição ultrapassa o que nós imaginamos. Em Midane, quarteirão armênio, em Jdeidé, quarteirão histórico dos cristãos, em Hanano, em Sukari etc., a realidade ultrapassa frequentemente a imaginação.
Otimismo prudente
Com a libertação, a cidade retoma um aspecto mais normal, mais civilizada. Todas as ruas – a maior parte tinha sido bloqueada pelas barricadas ou por muros de rochas durante quatro anos de guerra – foram abertas à circulação. Havia uma enorme quantidade de concreto pelas ruas. As pessoas caminham serenamente sem temer a morte que as espreitava antes da libertação. O trânsito de automóveis é muito intenso. As lâmpadas de sinalização e de iluminação das rótulas, alimentadas por painéis solares instalados em cada cruzamento funcionam novamente. O recolhimento do lixo foi retomado; os jardineiros da prefeitura estão de novo no trabalho dos jardins públicos e nos canteiros centrais. Todas as escolas e universidade funcionam normalmente.
Mas o Otimismo é prudente: As condições de vida quotidiana permanecem, todavia, muito difíceis.
Neste inverno nós passamos muito frio. Havia falta de óleo para o sistema de aquecimento. Havia ausência de eletricidade, não havia nenhum meio de se aquecer uma vez que as temperaturas em dezembro, janeiro e fevereiro foram muito baixas.
Como durante os dois últimos anos e apesar da libertação, não temos ainda eletricidade. Continuamos a comprá-la, a um preço elevado, dos geradores particulares que funcionam sobre as calçadas de nossa bela cidade, que se tornou muito feia com os geradores que sujam e os cabos elétricos que pendem por tudo. As autoridades trabalharam duro para religar, de novo, por postes de alta tensão, Alepo à rede nacional. Parece que eles conseguiram a conecção porque depois de uma semana, temos eletricidade, uma hora por dia, por rodízio.
Quanto à água encanada, ela continua cortada. Durante a ocupação, a água chegava do Eufrates aos tanques de tratamento em Alepo, mas não era bombeada para a rede de água potável porque a estação de bombeamento estava nas mãos dos rebeldes de Alepo Leste; com a libertação, a estação de bombeamento está de novo sob o controle do governo sírio, mas Daech não deixa mais a água ser bombeada a partir da pequena cidade de Khafsa sobre o Eufrates. O exército sírio está em processo de retomar a cidade. Mas Otimismo prudente: Entretanto, 1.5 milhões de Alepinos continuam a utilizar a água, seguidamente não potável, a partir de 300 poços perfurados na cidade. O número de infecções intestinais atinge recordes nestes últimos tempos.
Diversas famílias desalojadas puderem recuperar suas casas; outras precisam fazer reformas importantes; outras esperam a retirada das minas de seus quarteirões e de restabelecer suas infraestruturas destruídas e outras enfim, que habitavam os imóveis agora totalmente destruídos, devem esperar a reconstrução. Por isso, os projetos de reconstrução da cidade são numerosos. Uma infinidade de organizações internacionais ou nacionais solicitaram autorização para participar na reconstrução: seja para reconstruir dez escolas, uma outra para restaurar 200 apartamentos, uma terceira para reconstruir a antiga cidade, etc.…Mas Otimismo prudente: nada foi ainda iniciado. Esperem e verão.
A crise econômica
A crise econômica permanece muito grave. Em seis anos de guerra, as pessoas empobreceram pelo desemprego e o aumento vertiginoso do custo de vida. Situação paradoxal: os Alepinos não encontram trabalho, mas por outro lado, as pequenas empresas que começam a abrir timidamente não encontram mão de obra qualificada, a maioria dos jovens são ou engajados no exército para seu serviço militar ou como reservistas, ou deixaram o país para céus mais clementes. Os Alepinos têm, agora mais que nunca, necessidade de serem ajudados para poder avançar.
Entrementes, a guerra continua na Síria com a implicação de numerosas forças estrangeiras. Muitos territórios e pequenas cidades foram libertados do controle do Daech. Alguns estão atualmente sob o controle do Estado Sírio, outros sob o controle dos Kurdos, dos Turcos ou dos islamistas. Nos dois últimos meses, houve negociações inter-sirianas sob a égide do Irã e da Rússia em Astana depois, sob a égide da ONU, em Genebra. Nenhum avanço foi feito. Mas, Optimismo prudente, uma lista de pontos a negociar foi estabelecida e aceita e a data para outro encontro de negociações foi fixada.
Os Maristas Azuis
Nenhuma das centenas de famílias desalojadas beneficiária dos diferentes programas dos Maristas Azuis pôde recuperar sua moradia. Nós temos, ao contrário, admitido numerosas famílias novamente desalojadas que habitavam os quarteirões Leste e que vieram alojar-se junto de parentes, de antigos desalojados. Nós, os Maristas Azuis, não temos meios nem as competências nem a missão de participar na reconstrução material da cidade. Por outro lado, nós pensamos que a reconstrução da Pessoa é primordial e nós aí colocamos, na medida de nossos meios, o nosso parecer. Foi assim que nós desenvolvemos com sucesso nossos projetos pedagógicos e iniciado de novo.
Nosso centro de formação de adultos, «o M.I.T.», continua a organizar dois seminários por mês sobre temas bem determinados conforme o desejo dos adultos de 20 a 45 anos. Em fevereiro, o Ir. Georges dirigiu um Workshop sobre o tema «do perdão à reconciliação» e nós vislumbramos, devido a sua importância, de refazê-los com outros grupos proximamente.
Convencidos da necessidade de ajudar os jovens adultos a trabalhar para viver e sair do círculo vicioso, – guerra – situação econômica catastrófica – desemprego – pobreza – assistencialismo ou migração, temos organizado, no final de 2016, um seminário de 100 horas sobre dois meses para atender o desejo dos jovens de 20 a 35 anos sobre o tema: «Como empreender seu próprio projeto». Vinte participantes aprenderam dos melhores especialistas como pensar, realizar e fazer avançar um projeto. Ao final da sessão, o júri selecionou os quatro melhores projetos realizáveis em termos de rendimento e de chances de sucesso e nós os financiamos em parte. Diante do sucesso do projeto, deslanchamos uma segunda versão com 15 participantes.
Muitos projetos educativos e de suporte psicológico voltaram a ser oferecidos recentemente.
«Corte e costura» permite a uma trintena de senhoras aprender a costurar e a confeccionar as roupas para as necessidades da família e também para encontrar um emprego nas lojas de confecção que abrem e demandam operários. A primeira turma vai em breve terminar seus quatro meses de aprendizagem e as demandas de candidatos para a continuidade são numerosas. Aproveitamos de sua presença no curso de costura para organizar, para eles, tempos de formação pessoal e de suporte psicológico.
«Esperança» é um projeto bom que visa ensinar uma língua estrangeira, o inglês ou o francês, às jovens mães que tem filhos na escola elementar. Com efeito, desde a primeira classe elementar, o programa impõe o ensino de uma língua estrangeira aos pequenos. O ensino das mães permite a estas, além de uma satisfação pessoal, poder acompanhar os estudos de seus filhos.
«Douroub» acolhe as crianças de 10-11 anos que foram até o momento, esquecidas pelos nossos diferentes projetos. Com uma equipe de três monitores, elas se reúnem para atividades educativas e lúdicas.
« Luta contra o analfabetismo» acontece em dois níveis. O nível superior, para os que já participaram de uma primeira sessão de dois meses, para lhes ensinar o nível da terceira série elementar, quer dizer, fazer frases, lê-las e escrevê-las. E o nível debutante com um novo grupo de pais ou de jovens analfabetos para ensiná-los a escrever e ler as palavras.
«Skill School» para 75 adolescentes (tes), «Aprender a crescer» e «Eu vou aprender» com 200 crianças de 3 a 6 anos, seguem, melhor que nunca, seus belos programas para educar, instruir e apoiar as crianças e jovens.
Os diferentes programas de socorro continuam a vir em ajuda aos desalojados e aos mais vulneráveis. «Os Maristas Azuis para os desalojados» ajudam mais ou menos 1000 famílias, cristãs e muçulmanas, a prosseguir graças à distribuição de cestas de alimentos e de medicamentos mensais bem consistentes, de dinheiro vivo para pagar 1 ampère de eletricidade comprado dos geradores privados, de um cupom de carne ou de frango mensal. Nós ajudamos assim famílias desalojadas a pagar o aluguel de seu alojamento provisório.
O programa «Civis Feridos de guerra» que tem, durante anos, tratado e salvado milhares de feridos, chegam, felizmente, a uma redução com a libertação de Alepo, mas nós continuamos a tratar seja de novos feridos que pisaram sobre as minas deixadas pelos rebeldes antes de sua partida ou de antigos feridos já tratados, mas que tem necessidade de tratamento ou de outras intervenções cirúrgicas.
Por outro lado, «o programa médico dos Maristas Azuis» adquiriu muita amplitude por causa do aumento da pobreza, do desemprego e do custo de vida. Para os doentes que não tem recursos, nós ajudamos nos custos das intervenções cirúrgicas, do tratamento hospitalar ou simplesmente nos custos das prescrições médicas (o preço dos medicamentos fabricados localmente sofreram um aumento de 400%), desde radioterapias, tomografias, e das análises clínicas dos laboratórios.
«Tenho sede» distribui, com nossas quatro camionetes, água às residências de 40 a 45 famílias cada dia. Por causa das dificuldades para encher nossas camionetes de água dos poços furados um pouco por toda parte em Alepo – que são tomados de assalto das 8h da manhã até às 10h da noite- e a perda de tempo ocasionada pela espera da vez, nós começamos a furar nossos próprios poços. Podemos assim encher rapidamente e distribuir quotidianamente a um maior número de famílias.
Enfim, «Gota de Leite» está no seu 22º mês de distribuição de leite a 3000 crianças cada mês. Um projeto essencial ao crescimento e ao desenvolvimento de nossas crianças e que não parou um dia sequer apesar da dificuldade de abastecimento de leite, sobretudo do leite especial para bebes, e o custo que representa o projeto.
A tarefa continua sendo mais importante do que antes
Com a libertação de Alepo, apesar do nosso Otimismo prudente, a tarefa é ainda mais importante do que antes. Ela é enorme. Seremos nós capazes psiquicamente, moralmente e financeiramente de enfrentar os desafios? Ajudar os desalojados a voltar junto aos seus no momento dado? Os desempregados a encontrar trabalho? Os traumatizados a curar suas feridas? Os desesperados a reencontrar a esperança? As crianças a viver sua infância roubada pela guerra? As pessoas a perdoar? A se reconciliar? Seremos nós capazes de convencer as pessoas de não mais deixar o país? O êxodo continua e todos os dias amigos, conhecidos, voluntários, colaboradores ou beneficiários vêm dizer-nos um até outra vista que se assemelha mais a um adeus.
Apesar de tudo, nós continuamos a viver nosso engajamento. Com um Otimismo prudente, nós fazemos nosso este extrato do bom texto de nosso amigo Pe. Jean Debruynne:
« Resistir é opor-se a olhar um pedaço do céu mesmo se ele é cinza ou preto, mesmo se ele se encaixa em um lenço de bolso, preso entre muros altos. Resistir é nunca renunciar a espiar o sol pela abertura de uma boca de lobo.
Resistir é ser bastante teimoso para ver elevar-se o dia por trás do arame farpado.
Resistir é não ceder à obrigação de se calar.
Resistir é um orgulho.
Resistir é refutar a intolerância, a indiferença e a negação das diferenças.
Resistir a não renunciar jamais.
Resistir a não aceitar jamais a tranquilidade.
Resistir escolhe ser responsável.
Resistir é manter-se de pé diante de Deus. De pé e não deitado de barriga, nem de joelhos.
Porque resistir é inventar amar».
Nós cremos também que resistir é esperar, como na Páscoa, que após a morte, vem a ressurreição.
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Nabil Antaki
Pelos Maristas Azuis