2021-07-20 BOLIVIA

Cochabamba: Carta de Champagnat aos noviços

Caríssimos Noviços de Cochabamba

Fiquei muito feliz por ocasião do ingresso de vocês, no dia 1 de maio, este ano, ao Noviciado Regional de Cochabamba.

Alexandre, Bruno, Daniel, Enos, João Pedro, José Augusto, Juan Pablo, Leandro, Manoel, Ranielle, o Bom Deus os chama à vida de Irmão marista; continuem crescendo na fé, no encantamento pela vida comunitária e no apreço às crianças e os jovens.

Gustavo, Maria continuará fortalecendo-o e indicando o caminho no seu segundo ano de noviciado.

Senti-me sensibilizado ao saber que dez de vocês e um Irmão da equipe formadora contraíram o Covid. Tomei conhecimento que vários Irmãos, de distintas provinciais, faleceram em decorrência deste temível vírus. Alenta-me, por outro lado, saber que vocês, da comunidade do noviciado, estão reagindo bem às medicações.

Desejo aos Irmãos que não foram afetados por este terrível vírus muitos cuidados, confiança no bom Deus e em Maria e redobrada disposição para atender aos Irmãos

adoentados. Acredito que os desafios enfrentados neste período do noviciado fortalecerão os laços de fraternidade entre todos os membros da comunidade.

Relembro-os de que, nos primeiros anos do Instituto Marista, tivemos vários casos de Irmãos que adoeceram; alguns deles, infelizmente, não resistiram à doença e faleceram.

Por exemplo, fiquei muito sentido ao saber da doença do Irmão Moïse. Solicitei, por meio de carta, escrita no dia 9 de janeiro de 1835, que cuidassem bem dele para que se restabelecesse e que depositasse em Deus sua confiança. Expressei a confiança de que Maria, nossa Mãe comum, o ajudaria. Disse-lhe ainda que me uniria a seus sofrimentos e que estava muito grato pelo trabalho realizado, e que Deus lhe reserva uma boa recompensa (cf. Carta 53).

No dia 4 de agosto de 1837, escrevi uma carta ao Irmão Apollinaire, após saber que se encontrava adoentado. Pedi-lhe que se atirasse nos braços da nossa Mãe comum. Ela ficaria comovida com a situação; ela saberia perfeitamente dar um jeito na situação (cf. Carta 126) .

Pessoalmente, no final de 1825, experimentei situações muito delicadas. O Instituto, nos seus primeiros anos de existência, passou por crises financeiras, algumas dificuldades de relacionamentos e alguns dos primeiros Irmãos chegaram a abandonar a vocação marista; para piorar a situação, passei a enfrentar problemas sérios de saúde, levando alguns a pensarem que seria o fim da minha vida (cf. Ângelo Ricordi, Crise e Carisma. Estudos Maristas n. 3. p. 13).

Partilho com vocês outros aspectos da minha vida. Antes do enfrentamento dessas duras crises, acreditava basicamente nas minhas capacidades, nas ideias pessoais, naquilo que pensava sobre mim e sobre diversas realidades da vida marista.

Naqueles tempos não era muito habitual um religioso ou um sacerdote falar de si mesmo. Hoje, após tantas mudanças e avanços na compreensão da relação que um religioso marista estabelece consigo mesmo e, em especial, com Deus, considero conveniente partilhar um pouco da realidade pessoal.

Eu, antes de experimentar várias crises, em particular de saúde, considerava-me grande, poderoso, forte, insuperável, invencível; seguindo, em parte, o estilo da época, levava pouco em consideração as minhas debilidades pessoais.

A partir das crises vividas naqueles tempos, compreendi que elas se constituem em valiosas oportunidades de purificação de vida. Convenci-me de que, embora tenhamos indiscutíveis capacidades, somos fracos, e se o Senhor não construir a casa em vão labutam os construtores (Sl 126, 1). A partir do momento que passei a me abrir mais à ação da graça divina, sem deixar de lado o empenho pessoal, as coisas começaram a adquirir novo sabor. Se antes já acreditava na importância da humildade, simplicidade e modéstia, a partir da experiência mais profunda de encontro com Deus e com a Boa Mãe, convenci-me de que estas virtudes são fundamentais na vida de um irmãozinho de Maria.

Caríssimos noviços, estou impressionado com a caminha realizada por tantos Irmãos ao longo de mais de duzentos anos do Instituto Maristas. Vocês, hoje, em terras bolivianas, estão mergulhando na proposta de vida marista, oportunizada pela experiência que estão fazendo no noviciado.

Soube que alguns de vocês se encontram enfermos. Vale lembrar que vários Irmãos faleceram nos últimos tempos; milhares de leigos deixaram seus entes queridos; amigos e familiares estão passando por situações delicadas de saúde.

Repito. Uma enfermidade, dependendo de como a pessoa afetada a enfrenta, poderá se constituir em marcante oportunidade para se conhecer melhor, tempo valioso de encontro mais profundo consigo mesmo, com Deus e com as demais pessoas.

Quando alguém está adoentado poderá se limitar a travar uma luta contra a doença, levando em consideração apenas a dimensão humana. Neste caso, quase sempre, será invadido de revoltas, tensões, medos, dúvidas, pessimismos, tristezas, desânimos, vontade de abandonar tudo, depressões.

Convido-os a dialogar em profundidade com Deus e com a Boa Mãe. Verão que a partir desse diálogo brotarão mudanças significativas em suas vidas, tais como abertura à graça, fé mais profunda, valorização e cuidado de si mesmo e dos coirmãos, crescimento da fraternidade e da solidariedade.

Não tenho dúvidas de que se fortalecerão na vivência da humildade, simplicidade e modéstia. Hoje, além da Palavra de Deus e das Novas Constituições, vocês têm a Regra de Vida. Estimulo-os a lê-las, meditá-las com calma, no profundo do coração.

Lendo-as, vocês poderão retomar a experiência vivida pelo apóstolo Paulo: “Por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas. Pois, quando sou fraco, é que sou forte” (2 Cor 12,10).

A Regra de Vida diz mais: “Cura tuas feridas, aceita tuas limitações e purifica teus desejos. Supera o egoísmo e a suscetibilidade, e procura eliminar de teu coração todo ressentimento” (cf. Mt 5,23- 24); “Jesus acompanha tua fragilidade e te repete sem cessar (RV 46): “Minha graça te basta. Minha força está em tua debilidade” (2 Cor 12,9).

Estou convicto de que “a espiritualidade da simplicidade te ajuda a aceitar tuas fortalezas e debilidades e a estar em paz contigo mesmo” (RV 26).

Que tal, nesses momentos de dor e de sofrimento, de fragilidades e incapacidades recorrer aos sacramentos como fonte de cura, de paz e de fortaleza interior (cf. RV 63)! Sem dúvidas, o amor é mais forte do que as limitações humanas (cf. Rm 8,38-39).

Embora, nesta oportunidade, tenha me dirigido a vocês, noviços, nada os impede de estender as minhas palavras aos formandos, aos demais Irmãos de votos temporários e perpétuos da Região América Sul, aos familiares e amigos.

Deixo-os nos Sagrados Corações e sou seu dedicado pai, em Jesus e Maria.

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Marcelino Champagnat

 

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