2020-12-14 BRAZIL

Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo – Gripe Espanhola e Covid-19

HOSPITAL PROVISORIO DO COLLEGIO MARISTA ARCHIDIOCESANO DE SÃO PAULO

Prof. Irmão Benê Oliveira, fms
prof. Ricardo Tomasiello Pedro, CRA/Arqui

Arquivo PDF

A gripe espanhola, [a] também conhecida como gripe de 1918, [b] foi uma vasta e mortal pandemia do vírus influenza. De janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou uma estimativa de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época.[5] Estima-se que o número de mortos esteja entre 17 milhões [6] e 50 milhões, e possivelmente até 100 milhões, tornando-a uma das epidemias mais mortais da história da humanidade.[7][8] A gripe espanhola foi a primeira de duas pandemias causadas pelo “influenza vírus H1N1”, sendo a segunda ocorrida em 2009.[9]

Para manter o ânimo, os censores da Primeira Guerra Mundial minimizaram os primeiros relatos de doenças e sua mortalidade na Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos.[10] Os artigos eram livres para relatar os efeitos da pandemia na Espanha, que se manteve neutra, como a grave enfermidade que acometeu o rei Afonso XIII. Tais artigos criaram a falsa impressão que a Espanha estava sendo especialmente atingida.[11] Consequentemente, a pandemia se tornou conhecida como “gripe espanhola.”[12][13] Os dados históricos e epidemiológicos são inadequados para identificar com segurança a origem geográfica da pandemia, com diferentes pontos de vista sobre sua origem.[5]

A maioria dos surtos de gripe mata desproporcionalmente os mais jovens e os mais velhos, com uma taxa de sobrevivência mais alta entre os dois, mas a pandemia de gripe espanhola resultou em uma taxa de mortalidade acima do esperado para adultos jovens.[14] Os cientistas ofereceram várias explicações possíveis para esta alta taxa de mortalidade de 2 a 3%.[15] Algumas análises mostraram que o vírus foi particularmente mortal por desencadear uma tempestade de citocinas, que destrói o sistema imunológico mais forte de adultos jovens.[16] Por outro lado, uma análise de 2007 de revistas médicas do período da pandemia[17][18] descobriu que a infecção viral não era mais agressiva que as estirpes anteriores de influenza. Em vez disso, asseveraram que a desnutrição, falta de higiene e os acampamentos médicos e hospitais superlotados promoveram uma superinfecção bacteriana, responsável pela alta mortalidade.[19][20].

É quase impossível encontrar uma pessoa que não consiga apontar em sua trajetória pelo menos um momento que considere marcante ou, até mesmo, “divisor de águas”. Haverá sempre uma formatura, o reencontro com uma pessoa querida, um antigo amor, a celebração da primeira comunhão, o nascimento de um filho, a perda de alguém, o retorno à terra da infância e outros tantos acontecimentos. Esses momentos que marcam a memória de alguém de forma única também possuem paralelo quando, em vez de um indivíduo, referimo-nos a uma instituição educacional, um espaço por si só carregado de uma série de sentimentos e simbolismos.

Na história do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo alguns eventos ocuparam lugar de destaque, não somente pelo impacto que causaram no colégio em si como por terem afetado a sociedade da qual a escola era parte integrante.

O Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo por ter sido fundado em 1858, numa cidade que respirava ares interioranos e ainda via no imperador Pedro II a figura máxima do poder político, a escola testemunhou uma série de eventos como, por exemplo, o fim da escravidão (1888), a queda do Império brasileiro e a ascensão da República (1889), a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolta Tenentista (1924), a crise de 1929, a Revolução Constitucionalista de 1932 e tantos acontecimentos que abalaram a sociedade e contribuíram para a criação de novas perspectivas de mundo. O Marista Arquidiocesano acompanhou também o crescimento vertiginoso da cidade de São Paulo que, de uma “cidade do barro”, se tornaria uma das maiores metrópoles do mundo e dona de complexidade ímpar, justamente por conta de seu acelerado e desordenado processo de expansão.

Em 1918, quando a instituição completou 60 anos de existência, ainda na Avenida Tiradentes e já administrada pelos Irmãos Maristas há pouco mais de 10 anos, o Colégio foi chamado a dar outro tipo de contribuição à cidade de São Paulo, algo que fugiu à sua tradicional atuação educacional.

No mês de setembro de 1918, nos principais jornais, foi noticiado o início de um surto de gripe espanhola em São Paulo. Os primeiros casos da doença foram registrados em abril daquele mesmo ano, especificamente entre combatentes franceses, britânicos e americanos na Europa, durante a Primeira Guerra Mundial. Por isso, num primeiro momento, foi chamada de “febre das trincheiras”. Há muitas teorias sobre essa pandemia, no entanto, mesmo depois de 102 anos, ainda não há consenso entre os pesquisadores sobre onde ela teria surgido e como se deu sua disseminação. A chegada da pandemia em São Paulo obrigou os governantes a definirem uma série de medidas e a adoção de um plano de emergência.

No dia 20 de outubro de 1918, às 11h, Dom Duarte Leopoldo e Silva, cardeal arcebispo de São Paulo entre 1907 e 1938, chegou ao Colégio Marista Arquidiocesano para solicitar ao Irmão Isidoro Dumont a cessão do edifício da instituição para a organização de um hospital provisório, pedido esse prontamente atendido. Alguns dias antes já havia a desconfiança de que o pedido seria feito, mas a confirmação trouxe apreensão.

As instalações do Colégio foram convertidas em espaços para a acomodação dos doentes. Se num primeiro momento foi possível contar com 200 leitos, a interferência do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, responsável por administrar a crise de saúde no estado de São Paulo, possibilitou oferecer o dobro dessa quantidade.

Nesse mesmo dia, o Colégio enviou centenas de estudantes para suas casas optando pelo cancelamento dos exames e a antecipação do período de férias. Em carta enviada aos pais, a direção do Colégio informou que, graças à Providência, não havia, até aquele momento, o registro de nenhum caso de influenza entre os alunos, mas que a situação se agravara de tal forma que se tornava arriscada a permanência deles na Instituição e também explicava ter sido solicitado o uso das instalações para receber os doentes. Num primeiro momento, os Irmãos pensaram que a situação não fosse tão séria, porém mudaram de percepção.

Na tarde do dia 1.º novembro, festa de todos os santos, apresentavam-se os primeiros doentes; geralmente vieram a pé, estes gripados do começo, ou porque ainda estavam fortes ou porque os serviços de remoção não estivessem numerosos para o transporte de todos os enfermos, uns estavam sozinhos, outros vinham guiados por algum parente ou amigo. Mais tarde entraram os casos graves, os quadros quase desesperados vinham nos automóveis do Serviço Sanitário ou da Polícia. (Ecos, 1919, p. 45)

Esse registro indica a chegada ao Colégio dos primeiros doentes. Durante aproximadamente 30 dias, foram prestados 1.680 atendimentos, dentre os quais 33 falecimentos. O relato sobre o trabalho realizado no hospital fala sobre dificuldades, desânimo, cansaço, desespero e medo. No entanto, também se encontram ali testemunhos sobre a importância da fé, a preocupação com o próximo, a crença em dias melhores e o valor da persistência.

No hospital provisório, coordenado pelo Dr. Emílio Ribas, os doentes foram divididos em três grandes salas: gripe simples, os pneumônicos (colocados próximos à Rua São Caetano) e os gravíssimos (perto da Avenida Tiradentes). Essa organização tinha como principal objetivo evitar que casos brandos se tornassem severos. Para cada salão havia seis Irmãos atuando como enfermeiros, um ou dois enfermeiros externos (para o dia), um guarda noturno e um ou dois serventes que já eram funcionários do Colégio. Durante o período de funcionamento do hospital provisório oito Irmãos, nove empregados e três enfermeiros ficaram doentes. Por conta disso, houve a necessidade de pedir reforços ao Colégio Marista Nossa Senhora do Carmo, localizado onde atualmente está o Poupatempo na Praça da Sé, que naquele período também era administrado pelos Irmãos Maristas.

Apesar do número de doentes, entre as pessoas ligadas ao Colégio não houve registro de casos fatais. Por isso, em agradecimento, os Irmãos se comprometeram a construir uma gruta em homenagem a Nossa Senhora de Lourdes, cuja imagem havia chegado da Europa em 1915. Os primeiros registros fotográficos da gruta são de 1920, ainda na antiga sede. Com a mudança para a Vila Mariana, outra gruta (a atual) foi erguida e a imagem transferida para o novo local. Além disso, para que não se esquecesse da promessa e do impacto da gripe espanhola na comunidade, foi colocada uma placa em 1939, ano em que a capela e o pátio central da sede atual foram finalizados. Em 2 de dezembro, foram liberados os últimos doentes.

Mais ou menos por toda a parte, verificou-se o que se deu no Arqui como hospital provisório: a gripe irrompeu como tromba, com extrema violência, no começo, alcançando, em poucos dias o seu máximo e declinando vagarosamente. (Ecos, 1919, p. 47)

Esse registro mostra a proximidade da gripe espanhola com aquilo que se espera em relação à COVID-19. Estudar os acontecimentos de 1918 pode ser importante para entendermos o papel desempenhado pela resiliência e a solidariedade em períodos de crise, a exemplo daqueles que trabalharam no hospital provisório. Além disso, essa experiência nos mostra a importância da articulação entre fé e ciência em prol do bem comum.

Arquivo PDF

PREV

Hoja Informativa Marista Mediterránea 309...

NEXT

Donavan Machado, Brasil Sul-Amazônia, celebr...