5 de outubro de 2005 SRI LANKA

Ao deixar Negombo

Uma parábola para a Conferência

<306bhspace=5 vspace=5 align=right>Cheguei a Negombo quando terminavam os preparativos para acolher os irmãos à Conferência. Havia atividades em vários lugares diferentes e distantes entre si. O Goldi Sands Hotel iria ser a casa marista por um mês. Pouco a pouco os vários ambientes iam assumindo a atmosfera marista de que necessitavam. Foi reservado no hall do hotel um lugar privilegiado para Marcelino e para Maria, que acolhiam com os braços abertos a quantos chegavam. Cartazes, posters, faixas davam um toque particular em toda parte.

Ao chegar a essa formosa ilha, receberam-nos brindando com uma afetuosa acolhida. No Maris Stella College expressaram-na com a letra de uma canção composta por um irmão: ?Damos-lhes as boas-vindas, queridos amigos, às terras do grande continente que viu nascer quatro dos grandes rios da religião, os quais correm para os quatro cantos do mundo. Com afeto e coração aberto, acolhemo-los, queridos irmãos, na terra em que os quatro credos que dão consolo espiritual à humanidade se desenvolveram com entusiasmo; na terra três vezes animada pelos beijos suaves dos pés de Buda; no paraíso resplandecente do Sri Lanka.Partilhamos o amor de Deus com os filhos dispersos por todo o mundo. Sejam bem-vindos, filhos de Marcelino! Bem-vindos à Ásia! bem-vindos ao Sri Lanka.? !

Chamou-me a atenção um quadro na sala de conferências: sobre um mar aberto navega o catamarã do Instituto com as velas abertas e cheias de vitalidade pelos mares da Ásia. E um letreiro: Sétima Conferência Geral. 5 ? 30 de setembro. Negombo ? Sri Lanka. Vi os carpinteiros fazendo os últimos retoques. No espaço que íamos utilizar como capela, penduravam uma cortina branca onde um artista havia apenas esboçado o conteúdo de um quadro. Nela via-se, através de longos traços de lápis, o rosto de Marcelino, rodeado de crianças, cujas figuras eram indefinidas e sem cor. No refeitório, num lugar de destaque, via-se um quadro de linhas ingênuas, porém seguras, com muitas cores, representando Marcelino com pele morena, rodeado de crianças de rostos brancos e rosados.. O conjunto expressa a atividade diária de um colégio. Um canto à educação marista. Ao comparar os dois quadros, surgiu a impressão de que um estivesse terminado, e o outro não. Não houve tempo para concluí-lo, pensei. Porém, como a gênese de todas as coisas está no final, o quadro não-concluído se transformou em parábola para a Conferência.

Particularmente, não conheço o autor do esboço, nem o tema que deseja desenvolver, porém acredito que poderia intitular-se: ?a missão dos maristas na Ásia?. Esse poderia ser o motivo do quadro inacabado que presidiu todas as celebrações litúrgicas. Os traços mais definidos nele são os de Champagnat. Percebem-se também alguns traços de crianças realizando algumas atividades. Porém tudo está apenas esboçado através de vários traços a lápis.

<306>Assim, aquela tela permaneceu durante toda a Conferência esperando as pinceladas que dariam vida e cor ao projeto. Terá sido uma decisão do artista deixá-lo assim? No início da conferência perguntei se alguém viria concluí-lo. Irão deixá-lo assim? E ouvi alguém respondendo atrás de mim: E por que não? Perguntei, porque a mim agrada terminar o que começo e o mais rápido possível; não em um momento qualquer. Porém, refletindo um pouco, dei razão ao meu interlocutor. Por que as obras de arte devem ser definitivamente acabadas e perfeitas? Há arte que é vida e se aperfeiçoa no dia-a- dia. Cada dia deixa seu reflexo e seu matiz.

A manhã, em que se interiorizava tudo o que foi vivido durante a Conferência e se fazia uma síntese pessoal, começou na capela com um momento longo de silêncio e de reflexão. Um dia ou algumas horas de ?deserto?, como normalmente acontece durante os retiros. Transportar-nos física e espiritualmente para um deserto como este da península arábica, que estamos atravessando agora, escrevendo e passando por Amã em direção a Roma, é colocar-nos, como Jesus, diante da tentação que apresentam os desafios futuros. Correr o risco de dizer sim a Deus ou fraquejar. Nesses instantes contemplativos há silêncio ao redor. Busca-se o silêncio porque é nele que se gera a palavra, a intuição. Quando a palavra permanece no silêncio, torna-se fecunda e nasce cheia de vida.

Depois de um longo espaço de tempo cheio de silêncio contemplativo, foi pedido aos irmãos que escrevessem sobre aquela tela uma palavra, uma frase significativa a respeito do que a Conferência estava dizendo a cada um naqueles momentos finais. No silêncio se engendra a palavra. O silêncio envolvia a alma da Conferência. E no silêncio estava a palavra.

Pediu-se uma palavra, uma breve expressão que resumisse, que sintetizasse o sentimento que os trabalhos e a Conferência deixaram no coração. Os vocábulos, as frases que os irmãos plasmaram, com sua grafia e em seu idioma nativo, eram como as línguas de fogo do Pentecostes. Falaram em línguas. E, em um primeiro momento, ininteligíveis. chineses, cingaleses, coreanos, argentinos, canadenses, filipinos, ruandeses, espanhóis, holandeses… representando 77 países, rompendo os limites das quatro línguas oficiais. Todos falavam em línguas diferentes, mas todos se entendiam. Animava-os um mesmo espírito.

<306a>Terminou a VII Conferência Geral. Ali ficou o quadro com a tela quase branca, com uma história não concluída, porém bastante avançada. Negombo continuou a proposta de Veranópolis e dos últimos Capítulos Gerais, transformando as fronteiras romanas do Instituto que sempre nos convidaram à universalidade. Essa universalidade e internacionalidade que Champagnat e seus irmãos empreenderam um dia, a partir de l?Hermitage, em busca de novas dioceses para seus planos.

Aí está o quadro de Negombo recolhendo junto a Champagnat os novos ares do Instituto movidos pela VII Conferência Geral. Um quadro inconcluso, porém programático. Em cada Província do Instituto foram acrescentados os traços pertinentes, próprios, inculturados. Cada região dará sua tonalidade e seu brilho. Também as sombras estarão presentes; deve-se contar com elas para realçar os contrastes. Pincelada a pincelada, com o vermelho intenso do amor, os traços seguros do verde esperança, os matizes imprescindíveis do marrom que interferem em nossas vidas, ou do branco dos aleluias, dar-se-á pouco a pouco forma a esse quadro da vida institucional durante os próximos quatro anos. Negombo será um novo marco em nosso caminho. O catamarã, com sua vela quadrada e versátil, presidiu a abertura dos trabalhos da Conferência indicando o rumo da Ásia. Hoje, o Instituto abre suas velas ante as lufadas do vento do Espírito, no desejo de que nos leve a bom porto, pelas mãos de Santa Maria da Boa Viagem que, a partir da igreja de Duwa, guiou o caminho de volta de cada irmão.

Adeus, Negombo e Colombo, com a saudade da formidável acolhida que os irmãos nos dispensaram. Ao deixar Sri Lanka, levamos no coração a missão de abrir mais as fronteiras do Instituto ?ad gentes?, de envolver os leigos em sua missão, de consolidar o caminho marista para Deus com uma sólida espiritualidade, de partilhar em gestos de solidariedade com os necessitados tudo de bom que temos entre os irmãos. Tudo isso haverá de compor um belo quadro multicolor em torno a Champagnat, realizado com o espírito de l?Hermitage.

Roma, 02 de outubro de 2005. AMEstaún.

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