12 de setembro de 2007

VIII CONFERêNCIA GERAL

Casa geral, Roma, 21 maio – 02 junho 2007

Reivindicar o espírito de l’Hermitage
Fogo e paixão na liderança marista

Discurso de Encerramento            

8ª Conferência Geral

Seán D. Sammon, FMS

(Traduzido por Ricardo Tescarolo)

Irmãos, chegamos ao final dessa caminhada. Esses dias foram ricos em experiência e fraternidade, mas não sem tensões e frustrações. Tal constatação, no entanto, reflete o estado atual da Igreja e certamente também da vida religiosa e do nosso Instituto. Afinal, somos uma geração em peregrinação. E aqueles entre nós que ocupam posições de liderança receberam, como Moisés, a responsabilidade de guiar os outros através do deserto, mas sem a garantia de um dia ver a Terra Prometida.

O tempo que passamos juntos nesta Conferência nos fez recordar que há pelo menos duas gerações convivendo hoje no Instituto. A diferença entre elas não está apenas na idade, mas também na cultura e na experiência. A primeira é a geração imediatamente seguinte ao Vaticano II. Temos vivos na memória o espírito de aventura e a energia que marcaram esse período da história. As idéias antigas desapareciam mais rapidamente do que as novas idéias conseguiam se estabelecer. E o Espírito do Concílio parecia capaz de nos ajudar a resgatar a essência inscrita no cerne do nosso modo de vida. Conhecêramos uma Igreja e um Instituto estáveis e previsíveis, e a maioria de nós acreditava que, de alguma forma, depois do processo de renovação, teríamos de volta nossa Igreja e nosso Instituto.

E assim fizemos a Sondagem, que integrava a programação dos retiros de Basílio, para empreender novos ministérios entre os marginalizados enquanto, ao mesmo tempo, promovíamos a revitalização de muitos ministérios já existentes. Participamos em programas que prometiam rejuvenescer nossos espíritos e atualizar nosso pensamento; contratamos consultores e tomamos a sério nosso planejamento pastoral. Todos esses meios eram úteis, mas nenhum deles conseguiu realizar a mudança de coração que todos desejávamos.

Hoje, entretanto, uma nova geração de Irmãos atinge a maioridade na vida religiosa. Nascida no final do século 20, é menos numerosa, mas anseia por definição e um paradigma claro para o futuro. Afinal, uma Igreja e um Instituto marcados por instabilidade e mudança é tudo o que conheceram.

Os membros dessa nova geração não têm lembrança da Igreja anterior ao Concílio Vaticano II. Jamais participaram de uma missa em latim e não imaginam porque razão um padre celebraria a Eucaristia de costas para a assembléia. Observando aqueles de nós que compõem a geração anterior à sua, eles nos identificam facilmente com a descrição de uma jovem religiosa, que recentemente fez o seguinte comentário sobre a própria experiência em sua congregação: “Alguns de vocês da geração anterior à minha foram Moisés, liderando o caminho, guiando-nos através do árido deserto. Não teríamos chegado até aqui sem sua paixão. Mas não sou Moisés, e duvido que eu possa ser sequer um bom Josué. Faço ótimas tendas, contudo. E, embora a Terra Prometida não seja o que imaginavam, para mim é muito mais do que jamais esperei. Graças à sua liderança, dei meus primeiros passos na Terra Prometida, e agora, junto com meus companheiros, estou cautelosamente montando nossa tenda, consciente de que a tarefa de nossa vida será garantir um ponto de apoio nesse novo território.”

Mas, afinal, o que me leva a contar essa história sobre as diferenças entre gerações no encerramento desses dias em que estivemos juntos? Eu a relatei com toda a simplicidade por acreditar que ela pode nos ajudar a compreender melhor que somos uma geração “intermediária”, vivendo o presente, mas com a responsabilidade de garantir o futuro do nosso modo de vida.

A reestruturação tem sido parte importante desse esforço.   Assumimos o processo com coragem e prudência, demonstrando nosso desejo de oferecer o melhor de nós ao Instituto, mas ao mesmo tempo preocupados com o custo que isso pode representar. Como educadores, aprendemos que perguntas implicam respostas e, com trabalho duro e conhecimento, conseguimos chegar a elas. Às vezes, porém, a reestruturação se apresenta para nós como obstáculo difícil, por ser processo contínuo e não uma série de perguntas para as quais há respostas facilmente acessíveis.

Não gosto de viver na incerteza, e meu pressentimento é de que vocês tampouco. Mas a incerteza também faz parte da espiritualidade de uma mudança de coração.  Em todos esses anos de renovação até aqui, essa mudança de coração tem sido a condição mais desejada, porém talvez a mais difícil de ser compreendida por nós. De algum modo, intuímos que uma mudança fundamental de coração, individualmente e de todos nós juntos, é o que de fato renovará o nosso modo de vida e o Instituto.

Esses anos mais recentes nos ensinaram que mudar tem custo. E que mudança planejada custa tanto quanto a não planejada. Elas nos deixam com uma sensação de incerteza, fazem com que nos sintamos perdidos e podem provocar situações que acabam por nos envolver completamente. Podemos bem nos lembrar que o processo de reestruturação não é exatamente uma invenção decorrente do impulso ingênuo dos membros do nosso 19º Capítulo Geral. Não. Em verdade, esse processo nos acompanha desde os primórdios do Instituto. Às vezes algum evento externo desencadeou o processo; em outras ocasiões, nós mesmos tomamos a iniciativa.

Talvez a motivação para a reestruturação resulte do fato de tão raramente termos tratado da espiritualidade, que se encontra em seu cerne. Há duas maneiras diferentes de imaginar essa espiritualidade. Uma, no Evangelho de João, em que Jesus faz referência à semente: a menos que ela caia no chão e morra, não haverá vida.  O Mistério Pascal traduz bem essa perspectiva da morte como caminho para a Ressurreição.

A outra, na idéia de que nem sempre a morte conduz à vida nova. Às vezes provoca raiva, amargura e sentimento de frustração. Algumas pessoas ficam depressivas diante da morte. Para que a morte nos leve à vida nova é preciso que atinjamos a indiferença espiritual. De fato, essa é a única forma de poder verdadeiramente ouvir a Palavra de Deus, sem impedimentos ou preconceitos, em sua plenitude. E é esse o sentido da espiritualidade da reestruturação: aceitar a vontade de Deus mais do que a minha própria, e fazer isso pelo bem da missão.

 Mas a indiferença espiritual também cobra um preço. Oração, sacrifício e temor a Deus são os meios pelos quais a conseguimos. Não há atalhos, desvios ou vias expressas para atingir o destino.

Marcelino dizia com freqüência que ele não tomava uma decisão sem antes recorrer à oração. Creio que, nesse caso, ele se referia à indiferença espiritual. De que outro modo teria ele conseguido tomar as decisões que tomou e assumir os riscos que identificam sua vida, transmitindo confiança e esperança aos nossos primeiros Irmãos?

O processo de morrer e reviver, e de atingir a indiferença espiritual, pode ser encontrado no desenvolvimento de nossas vidas. Ao longo dos anos, todos atravessamos períodos de dificuldades pessoais. Tempos de perda e confusão, em que o caminho à nossa frente não parece claro. Apenas com paciência, apoio dos outros e crença em Deus e em Sua infinita bondade conseguimos atravessar esses períodos de mudança para ver emergir uma pessoa melhor, mais consciente de suas limitações, mas igualmente mais verdadeira em seus dons e talentos.

Mas há outra imagem, bastante diferente da semente e da idéia de morrer para ressurgir, que igualmente traduz o sentido de reestruturação. É a de tecer e costurar. A confecção de uma tapeçaria ou colcha exige trabalho de grupo, para poder tecer todos os fios ou integrar os retalhos, compondo o todo. A tapeçaria e a colcha devem estar bem trançadas, coordenadas, ajustadas e costuradas. O profeta Isaías nos diz para ampliar o espaço em nossa tenda e estender suas cortinas, alongando as cordas e firmando bem as estacas.

Uma tenda é portátil. Podemos montá-la e desmontá-la facilmente, abrigo seguro para o povo peregrino. Se você, eu e nossos irmãos estamos a caminho da Terra Prometida, precisamos dos apetrechos próprios do viajante.

Para os antigos israelitas, a tenda simbolizava a longa travessia do povo através do deserto, a fase de sua completa dependência de Deus. O que mais interessava não era a rota, pois com certeza havia caminhos mais curtos do Egito a Israel, mas a caminhada em si. Não importava tanto para onde iam, mas que estavam se tornando um povo ao longo da marcha através do deserto. A reestruturação nos lembra que estamos a caminho de algum lugar, mas só conseguiremos se empreendermos a jornada juntos. A reestruturação nos ensina a interdependência e a confiança mútua. Ela está nos obrigando a superar estereótipos, a nos reconhecer como irmãos e a mapear um novo futuro para o nosso Instituto e nossa missão. Portanto, não é nossa peregrinação pelo deserto nem o processo de reestruturação que me preocupam. O que me causa apreensão são as diversas interpretações que estamos dando a isso.

Irmãos, o tema desta Conferência é o fogo e a paixão na liderança Marista hoje. Esses são os elementos necessários para promovermos o trabalho de reestruturação, pois ambos apresentam um efeito purificador e a capacidade de dar a vida. Os dois elementos também servem para nos lembrar que a missão deve ter preferência acima de quaisquer necessidades pessoais.

Agora, portanto, em nosso Instituto, é preciso retomar os fundamentos de nosso modo de vida e resgatar o espírito que construiu L’Hermitage e suscitou o envio de 900 Irmãos para o exterior em 1903, superando então a crise de vocações e de fé.

A primeira e principal tarefa do líder é manter a visão viva. E isso significa concretamente tornar a missão nossa prioridade, porque Jesus é o centro e a paixão de nossas vidas. Isso significa insistir que as comunidades Maristas devem ser lugares de vida, de perdão e reconciliação, como nos pediu Marcelino. Significa também não permitir que uns poucos determinem a natureza de uma comunidade, mas que trabalhemos para desenvolver as competências necessárias para vivermos juntos como adultos, como irmãos, como seres imperfeitos e generosos criados por Deus.

Manter a visão viva significa igualmente encontrar os melhores meios para formar nossos animadores de comunidade. Sugiro que trabalhemos de modo integrado como Administração Geral e regiões, mais do que como Províncias e Distritos, para enfrentar essa tarefa.

Manter a visão viva significa promover co-responsabilidade na parceria Marista e continuar a enfatizar que essa iniciativa encontra suas raízes em nosso batismo e na convocação universal à santidade e à missão, que integram o núcleo do Vaticano II.

Manter a visão viva significa desenvolver a cultura de vocações no Instituto e assumir iniciativas ousadas e inéditas nesse sentido. Sugiro novamente que trabalhemos juntos como Administração Geral e regiões, indicando um número significativo de Irmãos para constituir equipes regionais de promoção vocacional e atribuindo-lhes o projeto de transformar em realidade esse anseio pela cultura das vocações em nosso Instituto nos próximos cinco anos.

Manter a visão viva significa encorajar nossos Irmãos à missão ad gentes. Muitos Irmãos jovens estão perdendo o entusiasmo em razão dos esforços feitos para desencorajá-los de participar desse programa. Creio que não há má vontade nisso, mas, principalmente, receio do que possa representar para uma Província ou Distrito a ausência de Irmãos. Precisamos pensar no Instituto e em sua missão para sonharmos além das fronteiras das unidades administrativas e responder ao que claramente é a ação do Espírito de Deus em nosso tempo.

Como líderes, devemos assumir duas outras tarefas: sempre dizer a verdade e ser mensageiros da esperança. A boa vontade e a competência deste grupo de líderes do Instituto aqui presente, não têm comparação, segundo minha experiência, com nenhuma outra Congregação. Dizer sempre a verdade entre nós e a nossos Irmãos é uma forma de tratá-los com respeito em vez de ser condescendentes. Em contrapartida, devemos ouvir suas preocupações sinceras e, às vezes, suas frustrações em relação a nós. Uma atmosfera de sinceridade é sempre apropriada para o desenvolvimento humano e espiritual e sinal de verdadeira liderança.

Precisamos, também, ser mensageiros de esperança. Se há uma grande necessidade hoje no Instituto, eu diria que é a virtude da esperança. Isso significa acreditar na Boa-Nova de Deus, mesmo quando tudo parece se voltar contra nós. Mas só podemos ser esses mensageiros se nos tornarmos, como Francisco, retratos vivos de Marcelino Champagnat.

Se esses anos em Roma me ensinaram alguma coisa, posso dizer que foi o reconhecimento de minhas limitações, minha condição humana de pecador e minha própria necessidade de salvação. Foram lições importantes, mas difíceis. Recordaram-me que o trabalho que compete a todos nós é, em verdade, obra de Deus, não nossa. Nessa oportunidade em que abrimos a página de um novo capítulo de vida na história de nosso Instituto, confiemos na presença de Deus e em Seu amor; confiemos em Maria, nossa Boa Mãe, confidente e irmã na fé; e peçamos em oração para que Deus nos favoreça com a virtude da simplicidade para que possamos continuar a torná-Lo conhecido e amado entre as crianças e os jovens pobres tão necessitados do anúncio da Boa-Nova.

Obrigado.

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