13 de janeiro de 2017 CASA GERAL

Migrantes de menor idade, vulneráveis e sem voz

No dia 15 de janeiro de 2017 se celebra o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Para esse dia, o Papa Francisco escreveu uma mensagem com o título “Migrantes de menor idade, vulneráveis e sem voz”. A comunidade marista do Projeto Lavalla200> de Siracusa, na Itália, propõe, para esse dia, um comentário sobre o texto do Papa.

Sinto o dever de chamar a atenção para a realidade dos migrantes de menor idade, especialmente os deixados sozinhos, pedindo a todos para cuidarem das crianças que são três vezes mais vulneráveis – porque de menor idade, porque estrangeiras e porque indefesas – quando, por vários motivos, são forçadas a viver longe da sua terra natal e separadas do carinho familiar

Muhammad não é um neném. Disse ter 17 anos, como fazem todos quando desembarcam, mas, na verdade tem 22. Está encolhido em um canto da sala e não precisa de muito tempo para perceber a tristeza que tem dentro de si. Na sua cultura um homem não pode chorar. Mesmo assim, quando o abraças, se vê uma lágrima, que a pele escura torna mais luminosa, e conta como teve que deixar tudo e todos, na esperança de um futuro melhor, que agora não consegue vislumbrar. Deixou para trás família, trabalho, cultura, língua… E agora, em primeira pessoa, sente na própria pele que é, de verdade, difícil viver na Itália, que todos diziam ser um paraíso terrestre.

Continua o Papa: Não se trata apenas de pessoas à procura dum trabalho digno ou de melhores condições de vida, mas também de homens e mulheres, idosos e crianças, que são forçados a abandonar as suas casas com a esperança de se salvar e encontrar paz e segurança noutro lugar (…) Não é raro acabarem presos e podem ficar reclusos por longos períodos, expostos a abusos e violências de vário género”.

Elmadani, que também disse ter 17 anos, não tem medo de contar como os soldados, uma vez por semana, entravam nos lugares onde estavam para roubar todo tipo de coisa e violentar as mulheres. Ele sempre conseguiu se esconder, mas quando as invasões se tornaram mais frequentes, os da casa disseram para ele de se salvar, fugir. Mas o caminho que devia ser a salvação se transformou em uma verdadeira odisseia. Viu morreu ao seu lado alguns amigos, teve que roubar e se prostituir, esteve meses na prisão com bandidos comuns e, em seguida, o barco da salvação e a chegada na Itália. Elmadani é um rapaz esperto; aprendeu bem o italiano. Nos próximos dias receberá o visto de permanência e espera encontrar um trabalho para poder ajudar sua família. Ainda não podemos concluir como terminavam as histórias de um tempo, mas as histórias com final feliz, como a sua, infelizmente não são frequentes.

“Em muitas partes do mundo, ler, escrever e fazer os cálculos mais elementares” – lê-se na mensagem do Santo Padre – “ainda é um privilégio de poucos. Além disso todos os menores têm direito de brincar e fazer atividades recreativas; em suma, têm direito a ser criança”.

Samir oficialmente acabou de fazer 18 anos, mas nos diz que, na verdade, tem 23. No seu país não existe escola e, desde pequeno, acompanhou o pai no trabalho na roça, que, todavia, nunca era o suficiente para dar de comer à família. A miséria era a roupa que todos vestiam e sair de casa significava uma boca a menos para comer. E, no futuro, uma provável ajuda para a família. Ele está na Itália há mais de um ano, mas não sabe nem ler e nem escrever, embora consiga se exprimir. Tentamos ensinar-lhe a ler e escrever e, durante algum tempo, pensávamos termos conseguido: os sinais, as primeiras letras… 23 anos, sem documento, sem perspectiva de trabalho, com o perigo de ser repatriado… Quando o encontro, ele sorri e diz: “papai, tu me entendes”. Sim, entendo a sua situação, estou ao lado dele, mas me dou conta que isso não basta e que, para ele, o futuro não terá as cores do arco-íris.

“A precariedade priva-as de documentos, escondendo-as aos olhos do mundo; a ausência de adultos, que as acompanhem, impede que a sua voz se erga e faça ouvir. Assim, os menores migrantes acabam facilmente nos níveis mais baixos da degradação humana, onde a ilegalidade e a violência queimam numa única chama o futuro de demasiados inocentes, enquanto a rede do abuso de menores é difícil de romper”.

E penso em Abdul, 13 anos, internado no hospital. Não consegue se comunicar em nenhuma língua que nós falamos: conhece somente o dialeto de sua tribo. Fui visitá-lo algumas vezes, mas é difícil ficar com ele, inventar alguma coisa que lhe possa interessar. Mas Abdul, no final das contas, tem sorte porque é um homem e está vivo! Até poucos dias Abdul não existia. Somente depois do desembarque tem um nome e uma idade. Quantas crianças, como ele, desapareceram porque alguém precisava de seus órgãos… Quantas meninas foram levadas para a prostituição… Olho para ele e sorri e, dentro de mim, me pergunto como o coração humano pode se tornar assim insensível a tal ponto de suprimir uma vida pelo próprio interesse. E todos pensam que Caim seja um personagem do Antigo Testamento!

E eis como conclui o Papa a sua mensagem: “Por fim, desejo dirigir-vos uma palavra, a vós que caminhais ao lado de crianças e adolescentes pelas vias da emigração: eles precisam da vossa ajuda preciosa; e também a Igreja tem necessidade de vós e apoia-vos no serviço generoso que prestais. Não vos canseis de viver, com coragem, o bom testemunho do Evangelho, que vos chama a reconhecer e acolher o Senhor Jesus presente nos mais pequenos e vulneráveis”.

Nós, em Siracusa, estamos dando os primeiros passos e escolhemos estar ao lado dos jovens menores de idade, vulneráveis e sem voz. Estamos começando e aquilo que fazemos é, de verdade, uma gota d’água em um grande mar, mas gostamos de sublinhar o que Madre Teresa amava repetir: “sem nós, o mar teria uma gota d'água a menos”.

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Gabriel, Mario, Michael e Onorino
Comunidade marista “LaValla200>” de Siracusa, Itália

http://www.champagnat.org/400.php?a=6&n=4197

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