Ao mesmo tempo em que continuamos o caminho de preparação para a Assembléia internacional da missão, vem sempre em minha mente uma inquietude: saberemos decifrar a vontade de Deus para este momento atual da história, para continuarmos com a missão marista em fidelidade às nossas origens, à Igreja e, principalmente, às necessidades das crianças e dos jovens de nossos países?

O caminho que já percorremos e o que ainda temos diante de nós é um tempo privilegiado para discernir a vontade de Deus na missão de cada uma e de cada um de nós maristas, de nossas províncias e de nosso Instituto em geral. Apesar de a comissão preparatória ter dito que a elaboração de um documento não é o objetivo principal da assembléia que se realizará em Mendes, eu espero que ela proponha algumas convicções que demonstrem o fruto da reflexão, da oração e do discernimento realizado durante o encontro. Também, que essas convicções animem, iluminem e dêem um renovado entusiasmo à missão marista nos próximos anos.

Existem três aspectos que deveriam estar presentes em todas as considerações feitas sobre a missão marista: a «organização», os «destinatários» e a «fonte» da missão. Cada um deles tem uma função diferente no momento de configurar a missão marista e deve ser considerado em sua justa dimensão.

O aspecto relativo à organização responde às seguintes perguntas: Quem realiza a missão? Como? Com quais recursos? Com qual metodologia? E quando falo de organização, refiro-me a todos aqueles elementos que integram a parte mais «visível» de nossa missão marista. Possuímos uma infinidade de exemplos e de experiências relativos a este aspecto, principalmente o testemunho oferecido por muitas vidas que se entregaram generosamente para a missão. São as vidas de irmãos, leigos e leigas, mestres e mestras, jovens coordenadores de grupos, voluntários e tantas outras pessoas que contribuíram de maneira direta ou indireta para a missão marista. Contamos com inúmeros recursos e metodologias para a realização do trabalho educativo e evangelizador com os jovens. A missão compartilhada pelos irmãos, leigos e leigas, enquanto forma concreta de trabalho comum, se enquadra dentro deste aspecto organizacional, isto é, estamos «associados» para a missão. Devido a diferentes situações que estamos sendo chamados a viver neste momento atual, e que dizem respeito à diminuição numérica de irmãos, à falta de compreensão sobre a vocação dos leigos maristas, às dificuldades econômicas em alguns países, ao lento e às vezes difícil processo que levou à reestruturação em algumas províncias, etc., não é estranho que a organização se torne o aspecto mais presente nas discussões sobre a missão marista e esteja refletido mais freqüentemente em alguns documentos emanados das assembléias provinciais.

O tema relativo aos destinatários é tão importante quanto o anterior. Os destinatários de nossa missão são as crianças e os jovens, os que são assistidos pelas nossas obras maristas, mas também todos aqueles que não têm esse privilégio e esta oportunidade. Os primeiros são mais visíveis para nós, os segundos, quem sabe, muito menos. Quantas referências à realidade das crianças e dos jovens encontramos nos documentos conclusivos das assembléias provinciais? Por acaso os nossos olhares não estão mais voltados àquilo que fazemos e a como o fazemos? Nunca será suficiente repetir que nós, os maristas, nascemos de uma experiência de solidariedade. Somos convidados a vermos constantemente os rostos dos «Montagne» de hoje: os imigrantes, os meninos e as meninas que morrem antes de completar um ano de vida, os órfãos da Aids, os que são obrigados a se prostituir, os que são forçados a combater em conflitos armados, os que vivem com menos de um dólar por dia, os que são excluídos, porque seus direitos são negados, etc. Lembremo-nos também que para ir ao encontro do jovem Montagne, Marcelino teve que sair de sua casa e caminhar um longo trajeto. Ao fazemos uma releitura da missão marista a partir de vida de Champagnat como um todo, isto deveria nos conduzir a assumirmos como nossa a sensibilidade do fundador pelas necessidades das crianças e dos jovens que tinha ao seu redor.

As Constituições do Instituto, em seu número 2, nos recordam que esta sensibilidade de Marcelino provém de uma experiência «fundadora»: «Guiado pelo Espírito, Marcelino Champagnat foi cativado pelo amor de Jesus e Maria para com ele e para com os outros». O texto continua: «Tal vivência, como também sua abertura aos acontecimentos e às pessoas, está na origem de sua espiritualidade e de seu zelo apostólico. Torna-o sensível às necessidades de seu tempo, especialmente à ignorância religiosa e às situações de pobreza da juventude». A «fonte» da missão é uma: reconhecer a ação de Deus em cada uma de nossas vidas, que nos revela a ternura de seu amor e nos faz compreender que o projeto de Deus é um projeto de vida para todos e todas, especialmente para os mais necessitados. Sem a referência contínua a esta «fonte» ? que não é uma teoria, mas uma experiência vital ?, a missão perde todo o seu sentido. Sem um aprofundamento nesta experiência fundadora, a de Marcelino, e a de cada um de nós, nossa saída ao encontro dos Montagne de hoje não será autêntica. A nossa organização, vista do exterior, poderá ser impecável, mas carecerá de sentido interior.

Que as urgências não desviem a nossa atenção do essencial. A organização é importante, mas o fundamental não está ali. Tenhamos muito presente que é a experiência transformadora do amor de Deus que nos faz olhar a realidade das crianças e dos jovens e a oferecer nossas vidas através de um serviço concreto. O fato de estarmos «fundamentados» tornará mais fácil enfrentarmos as dificuldades, que já mencionamos acima, e a darmos respostas aos apelos que a realidade das crianças e dos jovens nos dirige e que nos pedem compromisso concreto em favor da justiça, da paz e da solidariedade.

DOWNLOAD DOC