Entrevista ao Irmão Giorgio Bigotto

01.03.2002

Entrevista ao Irmão Giorgio Bigotto, diretor do Instituto Mwanga de Goma
?É PRECISO CONCLUIR O ANO ESCOLAR??

Giorgio Bigotto, Irmão marista, 66 anos, é o diretor do Instituto Mwanga, destruído em grande parte pela erupção vulcânica. Trabalha já 37 anos no Congo (Nyangesi, Bobandana, Kindu e Kisangani) e quatro em Goma. Esteve recentemente em Roma. Foi entrevistado por nossa redação ?acompanhado por seu Irmão Giovanni, também marista, que é atualmente postulador geral e reside em Roma- poucas horas antes de partir de regresso às margens do lago Kivu, que tem 100 km de comprimento e 2600 km2 de superfície.

Antes da erupção do vulcão, qual era a presença marista em Goma?
Tínhamos uma escola, chamada Instituto Mwanga, com 1306 alunos, que cursavam o ensino médio, liceu clássico, científico e comercial, e 54 professores.

Quantos Irmãos maristas?
Quatro. Eu, o diretor, o Irmão Marcel, vice-diretor, o Irmão Lino que lecionava latim apesar de seus 80 anos e o Irmão Eli, ruandês, que estudava e constituía comunidade conosco.

Que características têm os alunos de Goma, a população de Goma?
Gente muito prática, inteligente e tenaz. Este ano tínhamos os melhores grupos que eu conheci em Goma. Disciplinados e abertos com um espírito excelente na escola.

Vêm alunos só de Goma ou também de seus arredores?
Também dos arredores. Há alunos que levam duas horas para chegar à escola e duas para regressar a suas casas. Partem as 5h30min da manhã. Todos vêm a pé, exceto uns poucos, 15 ou 20, que vêm de carro.

Há outras escolas católicas, religiosas, na região?
Quatro liceus católicos, três escolas elementares e em frente a nós os protestantes têm dois liceus e duas escolas elementares. Num raio de um quilômetro havia uns 20 liceus.

Quando os alunos concluem a escola que possibilidades têm de encontrar trabalho?
Os que concluem o clássico, ingressam na universidade para seguir Direito. Há também adolescentes que estudam advocacia para defender os direitos da mulher. Os que concluem o liceu científico, quase todos ingressam na medicina. Os do ensino comercial ingressam no instituto superior de comércio já que se trata de uma cidade essencialmente comercial, muito ativa economicamente, a mais forte do leste da R.D. do Congo.

Que postura têm os Irmãos Maristas no campo educativo ante os direitos da mulher?
Em nossa escola estudam 560 alunas. O fato de que as moças são educadas como os rapazes favorece sua auto-estima e o apreço mútuo. Facilmente, as moças são as primeiras da turma em rendimento intelectual. São amadas e respeitadas. No dia de amanhã na sociedade também se farão respeitar.

Socialmente, como se considera a mulher?
Tradicionalmente se vê a mulher como a mamãe, a que gera filhos. Não importavam seus valores intelectuais. O homem mandava. Agora as moças querem igualdade legal com os homens. Nossas alunas organizaram pela primeira vez, no Congo, o Dia da Mulher, com celebrações, danças, poesias? Este ano estavam preparando de novo a festa, mas?

Que sensibilidade e acolhida se dá à religião?
60% são católicos, 20% protestantes, 10% muçulmanos e os 10% restantes, de religiões tradicionais do país. Muita gente vai à missa. O matrimônio se realiza sempre na igreja. Cada sábado celebram-se seis ou sete casamentos em cada igreja. A formação cristã é sólida. Todo ano saem de nosso colégio, uma vez concluídos os estudos, uma ou duas vocações sacerdotais ou religiosas. Também há moças que ingressam na vida religiosa. Pelo menos um jovem, todo ano, entra no seminário marista. A festa da escola é a festa de Marcelino Champagnat, no dia 6 de junho. A AMC, amigos de Marcelino Champagnat, todo domingo, reúne jovens e moças que desejam conhecer melhor são Marcelino, realizar atividades em grupos, escutar a palavra para a semana? Adoram estas reuniões.

Como vê você o projeto da escola em tendas?
Somente 9 salas de aula ficaram de pé das 32 existentes. Perdemos os laboratórios, o salão, uma biblioteca com 3000 volumes, etc. Os alunos quando regressarem à escola não terão nada, não poderão pagar a escola, surgindo assim o problema das fontes de financiamento. Felizmente, o campo esportivo não foi invadido pela lava e será ali que colocaremos as tendas. Precisamos concluir o ano escolar, reagrupar os professores e atender o maior número possível de alunos, sabendo que foram destruídas 44 escolas, das quais mais de uma dezena de liceus. Os superiores disseram-me para não me preocupar pelo futuro, já que a situação permanece perigosa. A lava veio de 800 metros de profundidade e foi empurrada por outra lava que se prepara para aflorar. Os técnicos calculam que isto ocorrerá dentro de três ou quatro anos. Outro perigo é a grande quantidade de anidrido carbônico que surgiu pela reação da lava com o gás metano existente no lago Kivu. Pode não só prejudicar Goma mas pôr em perigo a cinco ou seis milhões de habitantes da região.

A situação bélica em que vive a R. D. do Congo, agrava a visão otimista de seu futuro?
Está-se celebrando uma reunião na África do Sul. Espera-se que se consiga a unidade nacional. Os países que compram as matérias primas podem estar por trás do conflito atual. O relatório da ONU do mês de abril e outubro de 2001 fala dos saques dos bens do Congo. Neste relatório citam-se estados, empresas de maneira muito concreta.

O fato do Lion?s Club ter conferido a medalha de 2001 à nossa escola como a melhor escola da cidade significa que nos encontramos diante de uma escola classista, ou se trata de uma escola popular?
Somos a escola com as mais baixas mensalidades em toda a cidade e o Estado faz já dez anos que não paga a nenhuma escola. Os pais e professores entram em acordo, no início do ano, sobre quanto devem pagar os alunos. Nossos alunos pagam 4 dólares por mês. Um professor diplomado recebe 85 dólares por mês, um professor 65 e um operário 60. Os Irmãos da mesma forma. Eu como diretor recebo 85 porque sou licenciado e 10 por meu trabalho específico de direção. Mas em julho e agosto não recebemos nada porque não lecionamos; porém, para a direção são os meses mais duros de trabalho. Intentamos obter ajudas externas para alguma obra ou inversão em material educativo. Os pais dão dois dólares por trimestre para manter o funcionamento da escola. A medalha é em reconhecimento por ser uma escola séria, pesem os escassos recursos da construção, e pelos bons resultados nos exames de madurez. Os alunos que preparam os exames para o próximo mês de julho vinham nas férias de Natal, desde as 8h da manhã até as 6h da tarde. Os estudos lhes custam e é o único modo de sair de sua situação.
Na escola, não há problemas tribais ainda que a integrem alunos procedentes de mais de 20 tribos diferentes.

A situação atual aumenta o sofrimento da população com os problemas da fome, a falta de teto e de casa?
Caritas trabalhou muito? assim como algumas outras organizações.

Se voltar a erupção vulcânica? tem sentido edificar de novo no mesmo lugar?
Dever-se-ia construir a cidade a 50 km. A parte vital foi destruída? Sempre permanece a ameaça. A próxima pode ser pior que a atual.

Qual foi a resposta ao apelo do Irmão Seán, Superior geral, a favor da solidariedade?
Algumas Províncias se perguntaram como ajudar? ainda antes de receberem a carta. No Instituto há uma grande sensibilidade, uma grande generosidade para nossa situação, O Superior geral interveio imediatamente, enviou o Irmão Kalissa para fazer um relatório. Pese a necessidade de ajustar os salários, os professores poderão fazer funcionar a escola.
Houve reações formidáveis e respostas magníficas das escolas. Um caso muito significativo que vivi aqui na Itália. Numa família, faleceu a mãe. Os nove filhos com o pai decidiram que a importância destinada a compra das flores do funeral e da grinalda (eqüivalente a 1.200.000 liras) seria destinada à escola de Goma. O fato produziu um grande impacto sabendo que a Itália é um país muito sensível às flores.

(Entrevista realizada pelo Irmão Lluís Serra em Roma, no dia 20 de fevereiro de 2002)

Nota para nossos assinantes
Querendo a versão do Boletim marista para o formato word, e que não apresente problemas de caracteres, clique, por favor, sobre o link que aparece em continuação

ANTERIOR

110...

PRÓXIMO

Entrevista do Ir. Lluis Serra ao Ir. Óscar M...