Ir. Séan Sammon – Encontro entre os membros do Conselho Geral e os jovens do Continente Africano

07/12/2006

Realizou-se de 25 a 27 de novembro, em Nairobi, o «Encontro do Conselho geral com os jovens da África», assim como estava previsto no calendário elaborado pelo Conselho geral, como visita de animação pastoral às províncias da África marista. O irmão Superior geral e seu Conselho quiseram colocar-se à escuta dos jovens africanos para refletir, dialogar e compartilhar com eles sobre sua vida cristã e sobre a vocação marista nos dias de hoje. Juntos procuraram descobrir a realidade atual da África, tentando compreender como o jovem africano se comporta diante desta realidade, procurando discutir seu papel e seu compromisso com os jovens cristãos no contexto africano além de responder à realidade de cada país.
No boletim de hoje enviamos as observações finais feitas pelo Ir. Seán Sammon, superior geral.

?Agradeço a oportunidade que tenho, para dizer algumas palavras ao chegarmos ao final deste tempo que passamos juntos. O meu plano é muito simples. Primeiramente, gostaria de dirigir a todos algumas palavras de gratidão. Depois, farei alguns relatos, procurando tirar uma lição de cada um. Terminarei lançando-lhes alguns desafios.
Desta maneira, começarei expressando meus agradecimentos a Lilian, Terry, Collins, Felix, James, Justus, Nicholas, Simeon, Willis, Wyclife, Godfrey, Emmanuel, Catherine, Eleanorah, Baraka, Edwin, Bernard, Denis, Claudine, Pamella, Christopher, Patrick, Virgile, Protogene, Prisca, Phillip, Kizito, Brian, Osvaldo, António, Jaona, Erick, Noble, Nnamdi, Sábado e Nelson. Sim, gostaria de dizer muito obrigado a cada um por suas presenças aqui e por tudo o que nos deram durante estes dias. Se estas jornadas que estamos realizando têm demonstrado serem úteis, e digo também que com muito êxito no que se refere aos objetivos propostos, isto se deve em muito ao interesse e à cooperação que vocês demonstraram, assim como pelo intenso trabalho que desenvolveram.
Também gostaria de agradecer aos meus irmãos da equipe de coordenação: Auxensio Dickson, Adriano Safuanda, Hosea Mugera, Albert Ongemba e Teodoro Grageda. Eles são aqueles que planificaram o encontro, organizaram o transporte, garantiram que não faltasse a comida na mesa e nos guiaram através das dinâmicas do programa. Não poderei agradecer-lhes suficientemente todo o esforço e trabalho que realizaram.
Muito obrigado igualmente aos meus irmãos do MIC, que nos ajudaram na logística informática das sessões e no serviço de tradução, além de animar musicalmente a eucaristia. Muito obrigado aos irmãos Stephen Binikwa, Sylvanus Onwuanaku, Henry Uzor, Vicente Halle, Valerian Stephen, Kiven Muchibo, Anthony Siryeh, Valens Mushinzimana, Ebel Muleveri, Joseph Iheme, Paul Angulu e Emile Motanda.
Uma palavra de gratidão também aos irmãos que nos têm acompanhado neste fim de semana através de diversas atividades. Obrigado irmãos Protais Rusanganwa, Modeste Randriamanalina, Ekene G. Osuji e Sergio Vázquez. E aos meus irmãos de Roma: Luis Sobrado, Emili Turú, Peter Rodney, Maurice Berquet, Antonio Ramalho, Théoneste Kalisa e Antonio Martínez Estaún. Meu agradecimento especial ao Ir. Ernesto Sánchez, que coordenou os preparativos desde Roma e cuidou de muitos detalhes do programa.

Primeiro relato
Toni Morrison, em sua novela intitulada Beloved, narra a história de uma predicadora afro-americana chamada Baby Snuggs. Esta mulher reunia sua comunidade, nas tardes dos sábados, em um amplo espaço aberto dentro de um denso bosque ? ela o chamava «A clareira» ? e convidava os fiéis a rir, a dançar e a chorar.
Ela não lhes dizia que tinham purificado suas vidas, ou que se foram e não pecaram mais. Nem insistia em dizer-lhes que eram os bem-aventurados da terra, os mansos que a herdariam ou que seriam puros. Não, simplesmente lhes dizia que a única graça que podiam ter era a graça que podiam imaginar. E que, se não a viam, jamais a teriam.
Pois bem, porque venho agora com esta história de Baby Snuggs e seu rebanho? Olhem que lhes conto simplesmente para ilustrar o fato de que a cada semana esta predicadora itinerante dava aos membros de sua comunidade um grande presente: lhes ensinava a sonhar. Sim, realmente lhes ensinava a ter grandes sonhos.
Passamos estes últimos dias juntos, falando sobre a realidade da vida entre os jovens do continente africano. Usando uma linguagem simples e direta, vocês identificaram alguns dos desafios que vocês e os outros jovens da mesma idade devem afrontar. São muitos e de todos os tipos: a droga, a pobreza, a conduta sexual que não respeita a dignidade da pessoa, a violência, a guerra, a corrupção nos governos e em outros lugares, a falta de oportunidades.
Vocês manifestaram suas inquietudes com relação aos velhos conflitos que existem entre grupos distintos, assim como de antigos ódios e suspeitas que contaminam este continente, o mesmo que sucede em outras partes do mundo.
Apesar destes males que lhes causam preocupação, também encontram motivos de esperança. Vocês são conscientes que a África é uma terra de incrível beleza, composta de gente, de culturas, tradições e línguas ricas e variadas. Podem ver o potencial que possuem. Vocês são uma geração nova, nascida na última parte do século 20 e dão à vida de seus países uma perspectiva fresca, idéias novas, grandes esperanças e, como o rebanho da predicadora Baby Snuggs, muitos sonhos.
Do mesmo modo que vocês respeitam o passado, querem também que sua voz coletiva seja ouvida. Convencidos de que há muito mais aquilo que nos une, a todos nós que habitamos este planeta, do que aquilo que nos separa, não apenas vocês querem fazer parte do futuro novo que emerge no continente, mas também querem participar de sua criação. Ao invés de serem criadores individualmente, um a um, vocês querem fazê-lo juntos, como comunidade, tendo o Cristo como centro.
Nestes dias vocês foram cumulados de novas experiências e conheceram outras pessoas. Para alguns de vocês a viagem a Nairobi foi a primeira ocasião que tiveram para se aventurarem fora de seus países e regiões. Para outros foi a primeira vez que subiram em um avião e voado, ou que tivessem sido envolvidos em um clima muito diferente daquele que estão acostumados. Vocês se reuniram com gente desconhecida e é um dado muito positivo que, enquanto grupo, tenham-se mesclado tão bem, apesar das diferenças de língua, idade e experiência. Vocês tiveram a oportunidade de compartilhar algo da riqueza de sua cultura e de seus costumes nas danças e na linguagem.
Também rezamos juntos estes dias: rezamos pela paz no mundo e nesta região, por nossas famílias e amigos, por um futuro mais risonho do que o passado, no qual possamos todos agir como irmãos e irmãs, uns para os outros.
De tudo o que disseram e refletiram se deduz que a Igreja é importante para a vida de muitos vocês. A relação com Jesus Cristo dá-lhes força e consolo, e Maria, sua mãe, serve como modelo daquilo que significa ser um jovem cristão pleno de vida, pleno de esperança, aberto ao desejo e ao sonho que Deus tem para cada um de nós.
E no centro de todas as nossas reflexões estava Marcelino Champagnat, o fundador dos Irmãos Maristas. Ele viveu em tempos que não eram muito diferentes do nosso. Por exemplo, Marcelino experimentou a guerra e o sofrimento que é a sua conseqüência.
Foi também um estudante mediano e não é que se dava bem com os livros. Quando decidiu entrar no seminário, faltava-lhe a preparação básica necessária para isso e o mandaram durante um ano para estudar com seu cunhado, que era um professor diplomado. No final daquele período de 12 meses o cunhado recomendou a Marcelino que começasse a pensar em fazer outra coisa na vida. Apesar destes conselhos, ele foi para o seminário.
Depois do primeiro ano lhe pediram que o abandonasse. Motivo? Os estudos, suas notas eram fracas e ia muito freqüentemente nos bares com um grupo de companheiros conhecido como «o bando alegre». Mas a mãe de Marcelino se movimentou e insistiu, até que o deixaram voltar ao seminário. Ao regressar, dedicou-se a estudar com mais aplicação, mas nunca chegou a ser o que chamaríamos um «bom aluno».
Apesar disso, a coisa mais importante que se deve conhecer sobre Marcelino Champagnat, é que se trata de um homem que amava a Deus. Não nasceu santo, mas inverteu toda a sua vida até chegar a sê-lo. E não chegou a ser santo porque foi um homem extraordinário. Não, se tornou santo porque fazia excepcionalmente bem as coisas comuns e amava a todos com um amor desmedido. Este é o desafio que ele nos apresenta hoje.
Também precisam saber que Marcelino amava os jovens. Dizia freqüentemente: «Não posso ver uma criança sem que me surja a vontade de lhe dizer o quanto Jesus Cristo o ama ». Ele era firmemente convencido que para educar os jovens, em primeiro lugar se deve amá-los e a todos igualmente.
Marcelino Champagnat era também um sonhador. Quando fundou a congregação marista não tinha mais do que dois candidatos sem formação, que compartilhavam o seu mesmo interesse, além de uma velha casa que precisava de muita reforma e um sonho. Sonhava em mudar o mundo para melhor, junto com outros e em nome de Jesus. Desta maneira, o primeiro desafio que lanço a vocês esta tarde é o seguinte: sonhem grandes sonhos e tenham a coragem de trabalhar para torná-los realidade.

Segundo relato
Em janeiro de 1994 os médicos me diagnosticaram um tumor cerebral. Recordo-me muito bem daquele dia. Era sexta-feira e caía uma neve suave no bairro de Pelham, em Nova York, onde vivia naquela época. Tínhamos como hóspede em casa um amigo da Califórnia, que tinha vindo nos visitar, e este se ofereceu para me acompanhar ao meu especialista quando eu quisesse. Mas lhe disse que esta era uma viagem que gostaria de fazer sozinho.
Ao chegar à consulta, observei o olhar da doutora e soube naquele instante que as notícias não eram boas. «Ouça ? disse-me ?, vou lhe explicar o que encontramos e depois lhe direi o que deve fazer». Então me contou que as análises tinham revelado que existia um tumor de grandes proporções. «Tem cinco centímetros de diâmetro ? continuou ? e está localizado no centro da cabeça. Utilizaremos uma medicação para fazê-lo regredir, mas não podemos evitar a neurocirurgia».
Ela acrescentou em seguida alguns conselhos práticos, deu-me algumas receitas e o número de um neurocirurgião, com quem eu teria que me consultar. Depois, me olhou e disse: «Devo lhe dizer outra coisa: se este tumor continua ali por mais um ano, isto lhe custará a vida». Eu tinha então 46 anos.
Por que lhes conto esta história? Porque naquele dia, e nos que se sucederam, eu comecei uma viagem pessoal, cujas implicações até hoje estou tentando entender. Foi uma viagem da cabeça ao coração. Eu tinha vivido grande parte de minha vida anterior com a cabeça, mas agora via que o coração pode ser o lugar mais convulsionado para se viver, em compensação, em última instância, é mais satisfatório. A esposa de um amigo brincava comigo dizendo «Seán pré-tumor» e «Seán pós-tumor», para explicar a diferença.
A espiritualidade de Marcelino é uma espiritualidade do coração. Marcelino acreditava na presença de Deus e estava convencido que Deus o amava incondicionalmente. A história do filho pródigo é uma boa ilustração daquilo que quero dizer. Vocês já conhecem os detalhes. Um filho pediu a seu pai a parte da herança que lhe correspondia e se foi dissipá-la em um país estrangeiro. Cheio de remorsos, regressou à sua terra natal sem saber como o receberiam, mas esperando ter pelo menos um teto para cobrir-se, comida e um lugar para dormir.
A Escritura nos diz que quando este filho voltava para casa, quando ainda estava longe, o pai o viu e começou a dar indicações para preparar-lhe uma acolhida digna de um rei. Se o pai viu o filho chegar daquela distância era porque todos os dias verificava o horizonte, esperando o retorno de seu filho.
Estas são coisas que já conhecemos. Mas há um dado importante que comumente passa desapercebido na narração habitual do relato. O pecado do filho não foi o fato de ter dilapidado a herança, levando uma vida dissoluta em um país estrangeiro. Não, seu pecado foi mais grave.
Naqueles tempos um filho podia pedir sua herança enquanto o pai de família era ainda vivo. O acordo era o seguinte: o pai deveria receber em troca os juros relativos à parte transferida ao filho. Ao dissipar todo o dinheiro recebido, o filho deixava entrever que desejava a morte do pai. Este foi o verdadeiro pecado do filho pródigo, muito mais grave do que o de levar uma vida dissipada em terra estranha.
Marcelino chegou a conhecer e a amar este mesmo Deus que perdoa e acolhe. Esta relação era a sólida base da sua espiritualidade. Também tratava Maria como irmã na fé. Ela já havia feito esta viagem de vida antes dele e antes de todos nós, por isso recorria a ela em busca de guia e orientação. E nos anima a fazer o mesmo.
Finalmente, a espiritualidade de Marcelino era marcada pela simplicidade. Ele era, dito de maneira simples, um homem com os pés na terra, uma pessoa prática que vivia um cristianismo prático, como dizia ontem Théoneste. Sua vida marcou uma mudança para melhor na vida de muitos outros. Hoje nos desafia a fazer o mesmo, a consumir nossas vidas a serviço dos demais.
Um último desafio: falemos das vocações. Sempre que as pessoas me perguntam como é a vocação à vida religiosa, lhes respondo que de uma certa maneira é como se apaixonar. Você conhece alguém e se dá conta que esta pessoa lhe agrada, com o tempo passam mais tempo juntos e finalmente se desenvolve uma amizade. De repente, um belo dia, você percebe que esta pessoa, que antes era apenas uma conhecida, passou a ser uma amiga e agora se transformou em alguém muito especial para você.
Pois é, uma vocação é algo semelhante. No início você sente um ligeiro puxão em uma direção. Você resiste e fica esperando que essa sensação desapareça. Mas ela não desaparece. Com o tempo ela começa a se enraizar e a crescer. Deus nos ama incondicionalmente e quer o melhor para cada um de nós. Alguns de nós, Deus nos chama à vida religiosa. Como lhes disse ontem à noite, é uma maneira magnífica de converter a vida, e em muitos aspectos é uma grande bênção.
Algumas palavras para encerrar. Devo dizer que estou admirado por tudo o que vocês querem fazer para construir o futuro deste continente e de seus povos. Quem sabe vocês não se dêem conta que têm já em suas mãos os meios para conseguir suas metas de paz, de igualdade para todos e o fim das injustiças. Gostaria de terminar estas observações com uma oração, uma oração de ânimo e zelo, para que vocês e eu, todos nós juntos, possamos realizar os sonhos que se alojam em nossos corações e mentes hoje.

Oh nosso Deus, não podemos nos contentar de lhe pedir para que detenha a guerra;
porque sabemos que nos fez de tal modo
que devemos encontrar nosso próprio caminho
para chegar à paz
dentro de nós mesmos e com nosso vizinho.

Oh nosso Deus, não podemos nos contentar de lhe pedir para que acabe com a fome;
porque nos deu os recursos
para alimentar o mundo inteiro
se os utilizamos devidamente.

Oh nosso Deus, não podemos nos contentar de lhe pedir para erradicar a injustiça;
porque já nos deu o poder
de combater o mal e de viver com solidariedade,
basta que o empreguemos a favor do bem.

Por tudo isto, nosso Deus, o que lhe pedimos é,
força, decisão e o poder de desejar,
para que nos questionemos, e sonhemos, e ajamos em seu nome.
Pedimos por Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.

Obrigado novamente a todos, e tenham uma boa viagem de regresso a casa.?

Seán Sammon, FMS
27 de novembro de 2006
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