11 de dezembro de 2015 SíRIA

Aceitar o risco de esperar…

Nesta manhã faz frio em Alepo, um frio quase glacial, e não podemos nos aquecer por falta de combustível… Estamos completamente privados de eletricidade há mais de 5 dias. Menos mal que a água, racionada, voltou depois de uma privação de várias semanas. A única rodovia que une a cidade ao mundo inteiro foi reaberta depois de um bloqueio de 13 dias.

Na tarde de ontem, A.H., um menino de 9 anos, veio à nossa casa. Deve ter demorado mais de uma hora para chegar. É o 10º filho de uma família com 12 crianças. Queria pão. Sua mãe o enviara para que nós conseguíssemos para ele. Não parava de dizer: “Espero não voltar com as mãos vazias”. Pois não voltará. Que volte feliz. 

Como ele, muitas crianças vivem em uma situação precária: frio, fome, saúde ameaçada, insegurança… Em 20 de novembro, o mundo inteiro comemorou o dia internacional dos direitos das crianças. As crianças de Alepo, como muitas crianças do mundo, sofrem as atrocidades da guerra no momento em que os grandes deste mundo buscam seus próprios interesses. Que dizer? Que fazer? Como apoiar tantas meninas e tantos meninos na miséria? Como dar a essas crianças um apoio psicológico, humano e espiritual que os permita viver plenamente sua infância? 

Temos optado por garantir uma educação de qualidade, uma educação na mais pura tradição marista, uma educação que, segundo o desejo de nosso fundador São Marcelino Champagnat, assegure no futuro  “uma pessoa virtuosa e um honrado cidadão”.

Ao conversar com uma jovem voluntária muito ativa, ela me faz uma pergunta: “Por que estou desperdiçando os melhores anos de minha vida? Por que não sou como todos os jovens do mundo? Por que não tenho o direito de viver em plenitude a minha juventude?  É essa a vontade de Deus? Por que não responde às nossas orações e nossas súplicas?” Apesar de toda nossa confiança nele, não vemos o final deste túnel…”

Que resposta devo dar a ela e a tantos jovens? Eu os escuto, apoio, procuro buscar e balbuciar palavras de confiança e fé. E isto não é sempre fácil. 

Nossos jovens vivem angustiados… Querem partir… sair deste inferno sem precedentes… Os pais vêm pedir conselho… Que dizer? Que resposta dar quando o quadro parece cada vez mais ameaçador e preocupante? No céu de Alepo, como no céu de toda a Síria, terra de paz e de civilização, as grandes potências estão em guerra… Homens de todas as raças e de todas as nações, com armas e aviões… Nosso país se converteu em terra e céu de batalhas.

Os pais estão tão angustiados. Muitas de suas famílias  ou de seus amigos já estão vivendo em outra parte, em outro país, em outra cidade da Síria. Que futuro os espera? Os amigos me perguntam: “E você, Irmão, quer ficar? Não tem vontade de sair, de ir viver em outra comunidade, em outro lugar, longe desta situação gramática?”

Minha resposta é muito simples: “Para nós, maristas azuis, viver em Alepo é aceitar o risco de esperar… Esperar a paz, esperar o retorno da vida. Esperar o nascimento da civilização do amor… Neste tempo de espera, neste tempo de advento, para nós tudo parece uma espera de mais de 2000 anos. Uma espera de muitas perguntas. Um dia que não chega. Mas nos atrevemos a permanecer juntos até o final. Certamente muitas pessoas ao nosso redor abandonam, vagam como o casal e seu filho fizeram há 2.000 anos. Percorrem os caminhos do mundo em busca de algum país que ofereça segurança. Em seu caminho descobrem que a única garantia  que podem ter é a sua fé em Deus.”

Ao jovem que um dia me perguntou:  “Irmão, estamos vivendo o fim dos tempos”, respondi: “Espero que vivamos o fim dos tempos de ódio.”

Falar de medo é falar de Alepo ou de qualquer cidade da Síria… Falar de medo é falar dos homens e das mulheres angustiados a cada amanhecer. 

Escolhemos permanecer com o povo sírio que sofre para servi-lo,de dar testemunho do amor de Deus, de ser testemunho da luz em um tempo de escuridão, testemunho da paz em um tempo de violência sem recedentes.

 

Nossas atividades continuam…

As cestas de alimentos são distribuídas todos os meses sem interrupção. Por ocasião das diversas festas (AL Adha e Natal), também temos distribuído sapatos e roupa a todos os adultos e seus filhos. Nosso projeto “gota de leite” continua: consiste em distribuir a todas as crianças menores de 10 anos leite em pó ou leite para bebês. Respondemos afirmativamente a qualquer pedido de ajuda para um aluguel. Nosso projeto ajuda totalmente mais de 100 famílias desalojadas. 

Por meio de nosso programa de assistência médica, apoiamos vários pacientes que recorrem a nós para tratamento médico ou operações cirúrgicas. O projeto “civis feridos de guerra” continua a salvar a vida de várias pessoas feridas por fragmentos de morteiros que caem todos os dias na região de Alepo. 

Nosso Centro de formação, o M.I.T., que é muito bem sucedido, lançou seu novo programa para os próximos 2 meses. Os 3 projetos educativos e de desenvolvimento — “Quero aprender”, “Aprender a crescer” e “Skill school” – estão a ponto de encerrar o primeiro semestre com muitas atividades que respondem às necessidades das crianças ou adolescentes. 

 

Gostaria de terminar esta carta com estas palavras do Abade Pierre:

Continuarei  a crer, mesmo que todos percam a esperança.
Continuarei a amar, mesmo que os demais destilem ódio.
Continuarei a construir, mesmo que os outros destruam. 
Continuarei a falar de paz, mesmo em meio a uma guerra.
Continuarei a iluminar, mesmo em meio à escuridão. 
Continuarei a plantar, mesmo que os outros destruam a colheita.
E continuarei gritando, mesmo que os outros se calem.
E desenharei sorrisos nos rostos em lágrimas. 
E trarei alívio quando houver dor.
E oferecerei motivos de alegria onde só houver tristeza.
E convidarei a caminhar os que decidiram parar.
E oferecerei meus braços aos que se sentirem cansados.

 Abate Pierre

Boa caminhada até o Natal.
Com você, escolhemos a vida!

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Pelos Maristas azuis, Ir. Georges Sabe
9 de dezembro de 2015

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