19 de março de 2020 SíRIA

Carta de Alepo, nº 38: Não, a guerra não acabou

10 de março de 2020.

Prezados amigos,

Eu gostaria de anunciar-lhes boas notícias… De fato, há quase um mês, em 16 de fevereiro de 2020, Alepo foi finalmente completamente libertada. A rodovia, a famosa M5 foi reaberta, o aeroporto internacional recebeu, após oito anos de fechamento, a primeira aeronave civil. Os habitantes de Alepo celebraram a libertação…

Naquele dia, escrevi no meu caderno: “a esperança é agora, não em um futuro distante, é agora”.

Eu acreditava, como muitos sírios, que a paz batia em nossas portas…

Infelizmente, o sopro de ar fresco foi logo substituído por uma depressão asfixiante.

A Turquia lançou uma operação na Síria para proteger terroristas. O exército sírio avança em direção a Idlib, retomando aldeias que estavam sob o controle da frente de Al Nosra.

A principal rodovia M5 é novamente fechada. Os combates são violentos. Centenas de jovens estão perdendo suas vidas.

E eu me pergunto:

O que está acontecendo no meu país? Por que os ocidentais tratam os jihadistas como terroristas quando chegam a seus países e quando o governo sírio tenta eliminar o terrorismo na Síria, esses mesmos ocidentais falam de uma crise humanitária?
Por que o governo turco se permite o direito de recuar o exército sírio que está em seu próprio território? Por que os jovens têm que morrer para defender seu país contra as agressões estrangeiras?
Como sírios, temos o direito de decidir nosso destino? Será que somos marionetes nas mãos de grandes potências sem ter uma palavra a dizer?
Quem vai trazer aos pais dos mártires seus filhos mortos nos campos de batalha?

E na semana passada, uma reunião em Moscou decidiu pelo cessar-fogo e pela reabertura das rodovias M5 e M4 (liga Aleppo a Latakia).

Esse cessar-fogo resistirá às violações de grupos armados?

Os Esquecidos de Idlib

O Santo Padre convida a agir em favor dos “esquecidos de Idlib”.

Mas quem são os “esquecidos de Idlib”? São apenas as milhares de famílias que atualmente estão deslocadas para fugir dos combates ou são também as milhares de famílias cristãs e muçulmanas mantidas pelos jihadistas do front de Al Nosra e que, por mais de 8 anos, foram impedidas de viver com dignidade?

Penso em todas essas famílias das aldeias de “KNAYEH, YACOUBIEH, JDAIDEH E GHASSANIEH” que tiveram que fugir por causa dos terroristas que ocupam suas aldeias. Aqueles que permaneceram foram forçados a compartilhar parte ou a totalidade do seu habitat com estrangeiros armados?

Diga-nos, quem são “os esquecidos de Idlib”?

São as cidades mortas do norte da Síria, cidades arqueológicas inteiramente cristãs, mas saqueadas e destruídas por ladrões em nome da democracia e da liberdade?

Se for verdade que centenas de milhares de famílias fugiram da guerra, a verdadeira razão deve ser procurada.

A guerra fez de um povo em busca de paz e prosperidade, um povo de deslocados e esquecidos.

Dentro de alguns dias, mais uma vez, lembraremos desta data fatídica de 15 de março de 2011, quando tudo começou.

E a guerra não acabou…

Ela continua a nos dar todos os dias más notícias que vêm matar as sementes da esperança que nos fazem viver.

Lembre-se, estamos sob embargo. Um embargo que afeta a população diariamente. Um embargo que empobrece os mais pobres. Um embargo que nos torna um povo de mendigos.

Precisamos da sua amizade, da sua solidariedade, do seu apoio para explicar o sofrimento do nosso povo. Sua oração apoia nossa vida diária, mas sua ação junto aos responsáveis por decisões é importante.

Diga-lhes que somos um povo digno de viver humanamente como qualquer outro povo na terra. Diga-lhes que somos um povo enraizado na cultura e na civilização há milhares de anos. Diga-lhes que o povo sírio escolheu a paz como caminho de reconstrução de tudo que está destruído.

Os Maristas azuis

Com nosso povo e por eles, nós, os Maristas azuis, nós agimos.

Continuamos a semear essa esperança.

No dia 15 de fevereiro, nós recebemos o Senhor Presidente da república e a primeira dama.  Eles queriam nos agradecer por todos os serviços prestados à comunidade local durante todos os anos da guerra. Eles veem em nós um modelo da sociedade síria ideal: um modelo de abertura e solidariedade, um exemplo de defesa dos interesses dos pobres. Eles nos convidaram a desenvolver nossa ação humanitária. Insistiram na importância dos valores que vivemos e nos programas que implantamos em favor do emprego e do desenvolvimento da pessoa humana e do lugar da mulher em nossa sociedade.

Eles nos explicaram sua visão para o futuro do país e, especialmente, no próximo passo após o estabelecimento da paz.

No caminho de volta, no domingo, 16 de fevereiro de 2020, Alepo viveu momentos de alegria e júbilo: os subúrbios ocidentais ocupados pelos terroristas que ameaçavam a cidade acabavam de ser libertados.

A partir deste momento, continuamos a aprofundar a resposta à pergunta: “Que iniciativas a cidade e seus habitantes precisam nesta etapa de paz?”

Projetos maristas

Nossos projetos educacionais “Quero aprender” e “Aprender a crescer” estão indo bem. As crianças se preparam para o Dia das Mães, comemorado na Síria no dia 21 de março. A educação em valores, o esporte, a música, o acompanhamento pessoal de cada criança e, frequentemente, de sua família, o interesse na vida social e na saúde mental e física formam o conjunto da nossa educação bem alicerçada no carisma Marista.

O projeto “Sementes”, em todos os seus componentes, Lotus e Bambu, continua a oferecer aos jovens adolescentes um espaço de formação em valores e expressão de sentimentos. Mais de 350 jovens se beneficiam do apoio em seu desenvolvimento pessoal, mental e social.

O projeto “corte e costura” terminou seu sétimo grupo e concedeu diplomas a 17 mulheres que, durante 60 horas, acompanhavam regularmente essa formação. Além de sua satisfação e gratidão, todas destacaram a qualidade do relacionamento tecido entre elas. Muitas observaram o valor da descoberta da outra como diferente e a importância de trabalhar juntos.

Vinte mulheres participam da formação no projeto de desenvolvimento da mulher. Expressam sua felicidade por serem formadas em diferentes temas: psicológico, humano, relacional e, acima de tudo, pessoal.

Este ano, recebemos em nossas dependências a associação “A marca da felicidade”. Trata-se de uma oficina para 30 adultos com deficiência mental. A presença deles entre nós é uma bênção do céu.

Continuamos, todas as quartas e domingos, a animar atividades e a distribuir alimentos e produtos essenciais no acampamento “Shahba”, um campo para pessoas refugiadas da região de Afrin, ocupada pelo exército turco desde fevereiro de 2018. Sentimos grande desencorajamento nessas pessoas deslocadas. Nossa presença e nosso apoio são um grande alívio para essas famílias. Várias vezes elas expressaram sua preocupação se, por um motivo ou outro, estivermos ausentes.

O MIT organiza sessões de formação sobre diferentes temas de interesse para adultos, especialmente nas áreas de psicologia, economia e ciência da computação. As crescentes listas de espera nos obrigam a exceder os limites de 24 participantes por sessão.

Mas é especialmente na formação do empreendedorismo para microprojetos que a demanda é grande. Muitas pessoas pedem formação para poder lançar seu próprio microprojeto. Estamos felizes em fornecer ao povo de Alepo este serviço de formação que prepara um futuro melhor para uma multidão de jovens e menos jovens.

Heartmade está crescendo rapidamente. Aumentamos o número de costureiras contratando várias mulheres. Estamos planejando expandir o espaço da oficina. Em breve inauguraremos uma boutique em um dos melhores shoppings de Damasco.

Vivendo juntos como irmãos

Ao terminar minha carta, as palavras de Martin Luther King me vêm à mente: “Devemos aprender a viver juntos como irmãos, caso contrário, todos morreremos juntos como idiotas”.

Então, vamos viver como irmãos!
Construamos juntos a civilização do amor!
Façamos da nossa terra um espaço de harmonia!
Resgatemos ao homem sua humanidade!
Sejamos testemunhas da luz!
Alarguemos o espaço da nossa tenda!
Seguremos a mão dos mais necessitados!
Levantemos a cabeça!
Formemos em torno do nosso planeta uma corrente de humanidade!

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Ir. Georges Sabé – Pelos Maristas Azuis

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