12 de julho de 2017 SíRIA

Optemos por construir a paz!

Neste domingo, 9 de julho, faz muito calor em Alepo. Na rua onde está a comunidade, os veículos circulam regularmente, como antes.

Essa é a expressão: “como antes”. Recordo muito bem que, quando estive 4 meses em Bouaké (Costa do Marfim), as pessoas sempre faziam referência ao tempo “da crise”. Hoje, habitantes de Alepo usam com frequência a palavra “antes”. Porém, antes do quê? Antes que começasse a guerra em Alepo, em 2012 ou, antes do fim da guerra, em dezembro de 2016? Sempre há um antes, uma comparação, um olhar para trás para ler a atualidade de nossa vida, a atualidade dos sucessos conseguidos, a atualidade demográfica da cidade, a atualidade da indústria, a atualidade dos serviços básicos como água e eletricidade, a atualidade da segurança.

Comparar, avaliar e prever… Esses são os três verbos que fazem parte das longas discussões que fazemos.

Do mesmo modo, há outras palavras que aparecem repetidamente: reconstrução, reativação das casas e do comércio, regresso dos refugiados a seus antigos bairros e outros termos que expressam o desejo de viver.

Esses dias são também jornadas de tomada de grandes decisões por parte do município em relação a melhoria das estruturas urbanas e a volta da normalidade: abrir as ruas que estavam fechadas ou bloqueadas; colocar sinais de tráfego; retirar as barracas que cresceram como cogumelos nas calçadas durante a guerra; o município liberou alguns lugares para instalar essas barracas; aproveitar a energia solar para iluminar as ruas e praças da cidade. Parece que se quer recuperar o tempo perdido por uma guerra que assolou a cidade e a transformou em uma cidade mártir.

Muitas famílias esperavam o final do ano escolar (meados de maio na Síria) ou o final dos exames de bacharel (meados de junho) ou o encerramento dos cursos universitários (metade de julho), para regressar a seus lares na parte oriental da cidade. Preferem voltar a seu bairro, às suas casas, de onde se viram obrigadas a fugir. Há os que, durante os anos de guerra, ficaram na Síria, porém não em Alepo; os que se instalaram em Tartous, em Lattaquia ou em outras cidades, vieram ver a situação, e muitos deles decidiram voltar antes de setembro, quando recomeçam as aulas.

Pode-se falar em regresso de pessoas deslocadas? Podemos imaginar que os que se foram a anos vão empreender o caminho de volta? É um desejo. Porém, para que se converta em realidade, resta muito caminho a percorrer.

Alepo também tem uma história de acertos, êxitos e vitórias. Partilho algumas:

Dois dos nossos jovens foram aprovados no exame oficial de diploma com 100%. Foram recebidos pela primeira dama do país. Apesar da guerra, apesar de tantos deslocamentos, apesar de tudo o que impedia um resultado favorável, esses jovens, decididos a superarem-se, a ir adiante, a serem vitoriosos na vida e nos estudos, constituem um exemplo.

Na terça, 11 de julho, na famosa catedral maronita, cujo telhado foi destruído durante a guerra, e onde celebramos de novo a missa de Natal de 2016, poucos dias depois da libertação de Alepo, nessa mesma catedral haverá um concerto com a Missa solene em dó menor, de Mozart. A orquestra virá de Damasco; o coral de Alepo. Mais de 70 músicos retomarão o pulso musical de Alepo. Como podem imaginar, nossa cidade tem pessoas de renome por causa de sua cultura musical tradicional.

Várias senhoras que fizeram o curso avançado de corte e costura, começaram a sonhar no futuro em alguma confecção, inclusive abrindo seu próprio negócio.

Neste verão apareceu o livro “O Diário de Myriam” publicado pela editora Fayard. Descreve a vida de Myriam, filha de uma de nossas famílias em Jabal el Sayed, durante a guerra de Alepo.

Neste livro, descreve seu colégio, a migração de sua família, seus medos, sua amizade com Joudy, companheira de classe, seus sonhos e seu futuro. Esta publicação recebeu o prêmio de Ensaio da revista l’Express.

Outra boa notícia para este verão de 2017 é que teremos colônias de férias fora da cidade de Alepo. Para muitos jovens, será a primeira ocasião de conhecer outros lugares da Síria.

Toda essa panorâmica da vida em Alepo tem um contraponto: outra visão, infelizmente mais triste e, para nós, mais preocupante. Refiro-me à situação psíquica e humana das pessoas.

Atualmente, passo muito tempo escutando as lamentações das famílias que veem degradar-se a situação de seus filhos, sobretudo dos adolescentes. Um grande vazio se formou na vida desses jovens. Há uma busca de sentido que dificilmente encontram; uma necessidade de sair, de ir para outros lugares; uma violência que aumenta, dadas as características da idade. Fazem-se questionamentos existenciais: Para que viver? Por que lutar por um futuro? Por que agir, por que dedicar-se quando tudo parece destruição e desespero?

Muitos jovens perderam seus amigos, mortos durante a guerra, ou que saíram definitivamente do país. Sentem-se pequena minoria. O contato com os que emigraram os faz sonhar com outros paraísos terrestres.

Vários donos de indústrias ou proprietários de oficinas buscam trabalhadores para realizar seus projetos, mas enfrentam uma grande carência de mão de obra qualificada.

A vida é cara, os preços aumentam, o poder aquisitivo diminui. Por isso, os Maristas Azuis continuam sustentando as famílias com uma distribuição regular, mensal, de cestas básicas e produtos de higiene.

É verdade que algumas vozes se elevam pedindo que paremos de distribuir essas cestas de alimentos e assim forcemos as pessoas a voltar para a vida normal; porém o que estamos observando é que a miséria é muito grande e as necessidades básicas são imensas: pagar o aluguel para os que não são proprietários, ter água, comprar roupa, calçados, um pouco de carne, gastos escolares das crianças e dos universitários, leite para os pequenos etc. Em janeiro passado, a Caritas da Polônia lançou um programa de seis meses de apadrinhamento de famílias de Alepo por parte de famílias polonesas. Em junho, várias famílias de Alepo estavam angustiadas ao ver que o programa chegava ao fim. Felizmente não foi assim: o apadrinhamento continua. Certamente não se deve reduzir as famílias a um povo de mendigos, pois as consequências da guerra são terríveis e não paramos para ver as situações dramáticas de cada dia.

A guerra acabou? De modo nenhum. É preciso sermos realistas. O fato de que não há bombardeios em Alepo, não quer dizer que a guerra terminou na Síria ou em Alepo. Bairros periféricos da cidade sofrem bombardeios diários por parte de facções armadas. Continuam grandes ameaças locais, regionais e internacionais.

Como fizemos durante anos, temos esperança de que os esforços diplomáticos e as mudanças de postura de certas potências mundiais ajudem a instalar a paz em nossa amada Síria.

Em meio a tudo isso, nossos projetos continuam. Cremos que sem ter bombas a explodir, há muitos problemas explosivos no interior de cada homem, de cada mulher, de cada criança que esperam o momento para dar um salto ao futuro.

As monitoras dos projetos “Aprender a Crescer” e “Quero Aprender” estão preparando nosso próprio programa educativo e trabalham com afinco. Esperamos que para o início do ano escolar 2017-2018 possamos ter um programa adaptado à realidade de nossas crianças.

Como no ano passado, laçamos nosso “Clube de Verão”. Trata-se de um clube gratuito em que crianças e famílias podem aproveitar o espaço para respirar, encontrar-se, e para as crianças brincarem. Este ano, os jovens da “Escola de Habilidades” organizaram atividades para os dias da festa do Fitr (que marca o fim do Ramadã, mês de jejum dos muçulmanos). Foi uma iniciativa apreciada por todos.

Os mesmos jovens da “Escola de Habilidades” previram iniciativas solidárias na programação do verão. Queremos que passem por essas experiências vitais para construir um mundo mais justo.

Os diferentes programas de alfabetização e aprendizagem de línguas concluirão em breve seus períodos bimestrais. Deve-se reconhecer a coragem, tanto dos instrutores quanto dos participantes. Há dias em que a temperatura supera os 40 graus e, apesar disso, não faltam um só dia!

Terminamos, por este ano, os ciclos formativos do MIT. Para setembro, já estamos pensando num programa variado e intenso. A equipe de animação não para de prever atividades que se adaptem às expectativas dos jovens e às atuais necessidades da população.

Cremos que a educação continua sendo o único caminho para a paz. A paz será construída a partir de uma educação que respeita o outro, que é diferente, o outro tal como ele é, o outro que terminará sendo meu irmão.

Neste verão, em colaboração com o patriarca grego ortodoxo, e durante todo o mês de junho, proporcionamos água a vários bairros da parte oriental da cidade. Uma experiência realmente acertada. Os quatro jovens que ajudaram neste projeto o avaliaram positivamente.

Continuamos ajudando outras famílias dos bairros do Oeste que carecem de água. Faz apenas dois dias que podemos falar de certa normalização na distribuição de água em toda a cidade. Foi uma proeza! Esperamos que dure!

Numa de minhas intervenções, quando passei por Paris, disse:

Não podemos continuar em nosso conforto quando, diante de nós, ouvimos gritos de angústia. Se a Síria é mundialmente conhecida por sua guerra, Síria é, antes de tudo, um lugar onde o ser humano se viu atingido no mais íntimo de si. O homem, a mulher, a criança, o adulto, o idoso, cada um viu-se atingido no mais íntimo de si. No mundo em que vivemos, o importante é não esquecer que há uma pessoa humana a quem estou ligado, a quem meu destino está unido, com quem meus sonhos podem ser partilhados. Ou optamos juntos por construir um mundo de paz, ou perderemos, todos sem exceção, nossa dignidade humana.

Desejamos boas férias.

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Ir. Georges Sabé – em nome dos Maristas Azuis

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