Marcelino acreditava em Deus e colocava sua confiança em Maria

06.06.2005

Ir. Seán Sammon

O maior problema de Marcelino foi que ele acreditava em Deus. Sim, ele acreditava em Deus e passou sua vida mostrando que Deus existe; ele estava convencido de que Deus o amava e velava sobre ele.
Além disso, colocava sua confiança em Maria: falava-lhe como a uma irmã confidente; acreditava, sem sombra de dúvida, que nosso Instituto era obra dela.
Finalmente, Marcelino era uma pessoa simples e direta que viveu em um momento de mudanças dramáticas. Nele não havia nenhum dubiedade. Quando necessário, tomava as decisões com as melhores intenções.
A presença de Deus, a confiança em Maria e em sua proteção, a virtude da simplicidade: eis três pedras importantes, se assim pudermos dizer, que deram sentido à vida do Fundador, que o sustentaram nos bons e maus momentos e o aproximaram do Senhor.
No entanto, algo mais talhou e formou este homem, dando-lhe a força para assumir riscos, dando-lhe entusiasmo apesar das dificuldades que o aguardavam. Nos referimos ao seu carisma, através do que Paulo VI referiu como sendo uma poderosa presença do Espírito Santo. O carisma estava no coração e na vida de Marcelino Champagnat e deve estar no coração de nossa vida de irmãos e de leigos maristas, nós que assumimos o seu sonho como nosso.
No curso da história, a palavra carisma foi definida de diferentes maneiras. Alguns a têm utilizado para descrever personalidades, outros para caracterizar certos movimentos. Enfim, outros têm procurado mostrar que o carisma faz referência a obras específicas na linha da inspiração de um fundador. Infelizmente, hoje, nenhuma dessas definições nos é útil.
Permitam-me, pois, definir o carisma como um dom livre do Espírito, concedido para o bem da Igreja e, portanto, para todos. Sim, um dom livre do Espírito para o bem de todos na Igreja. Não deveríamos confundi-lo com uma graça. Um carisma é dado porque Deus ama o mundo; uma graça é concedida porque Deus ama uma pessoa com um amor gratuito.
São Paulo escreveu longamente sobre os carismas. Ele estava admirado pela sua unicidade e sua universalidade, e fez notar que um é dado a uma pessoa, outro a outra pessoa, mas para o bem de todos: ?A cada um a manifestação do Espírito é dada em vista do bem comum.? 1 Cor. 12:7.
O apóstolo dos gentios chama também a atenção sobre o carisma como elemento da conversão pessoal que deve nos comprometer continuamente. A presença do amor era para Paulo o melhor indicador de uma conversão do coração, um amor manifestado por gestos concretos e não por palavras vazias. Escrevendo à comunidade cristã de Corinto, ele ressalta a mesma idéia: a caridade é paciente e boa; ela não se vangloria.
Infelizmente, a maioria dentre nós raramente acredita que tenha recebido um dom do Espírito. Devemos compreender melhor as diferentes maneiras através das quais Deus escolhe para estar presente entre nós para o bem de todos.
Assim, pois, o carisma que entrou na Igreja e no mundo através do nosso Fundador é muito mais do que certas obras pensadas como gestos de fidelidade à visão original de Marcelino, mais do que uma maneira de rezar ou uma espiritualidade particular ? por mais importantes que elas sejam ? e mais que o conjunto das qualidades admiráveis do Fundador.
Se estivermos convencidos da existência do carisma, devemos acreditar que o Espírito que estava tão intensamente ativo em Marcelino Champagnat deseja ardentemente viver e respirar em nós, hoje. Nosso carisma, como Instituto, é aquilo que nos dá a vida, que nos projeta para além do familiar, nos ajuda a assumir os riscos necessários à nossa missão. Quando Irmão Francisco rezava para pedir a graça de ser o retrato do Fundador, acredito verdadeiramente que o que ele pedia para ele e para seus irmãos, era que o carisma do qual falamos hoje, se tornasse evidente neles..
Se o Vaticano II nos ensinou alguma coisa, foi que não poderíamos reter o Espírito Santo. O carisma de um Instituto como o nosso não deve somente ser vivido e preservado por nós, os seus membros, mas deve ser também aprofundado e constantemente desenvolvido em união com o Povo de Deus, que não pára de crescer. Isso supõe, pois, uma espiritualidade particular com suas próprias estruturas, seus costumes, sua linguagem, sua tradição e sua missão.
Com o tempo, nos demos conta de que não podemos limitar a generosidade de Deus. O carisma nascido de Marcelino Champagnat toca, hoje, o coração e capta a imaginação, ao mesmo tempo, de irmãos e leigos.
A fé em Deus, seus dons pessoais e seu carisma eram a força de Marcelino, e isso permitiu a seu Instituto de sobreviver durante sua vida.
Hoje, a Igreja vive um período de mudanças extraordinário, não muito diferente daquele vivido no tempo do Fundador, e isso assusta muitas pessoas. A vida religiosa enfrenta também numerosas dificuldades, e seus membros levantam várias questões para as quais não existem respostas fáceis. Não existe nenhuma dúvida de que tanto a Igreja como os irmãos de Marcelino enfrentam numerosas dificuldades, porém, o mais importante é a maneira como respondemos a esses desafios. Seremos capazes de fazer, como Marcelino, da mesma maneira criativa e visionária, a ponto de ser imprevisível e aparentemente ousada? Ou será que a história julgará nossas reações como vãos esforços para restaurar o passado, um passado glorioso, mas fora de moda?
Eu penso com freqüência que nosso problema atual não é um problema de identidade ou de discernimento da natureza da nossa missão. Também não é um problema de espiritualidade ou de visão a ser desenvolvida. Para dizer a verdade, é um problema de coragem: temos a coragem de ser aquilo que dizemos que somos? Temos a coragem de viver o que escrevemos a nosso respeito? Temos a coragem de fazer da Boa Nova de Jesus Cristo nossa própria mensagem e de fazer com que ela seja evidente em nossas vidas, em palavras e ações?
Não se trata de detalhes, pois nossa resposta dará a direção futura da nossa Igreja e do nosso Instituto. Rezemos, hoje, para que cada um de nós possa acolher o Espírito de Deus, esse mesmo Espírito que habitou o coração e a mente de um jovem padre camponês e padre Marista que nós chamamos nosso Fundador, e peçamos a graça de ter a coragem de dar ao Espírito a liberdade de que ele necessita para trabalhar para o nosso bem, para o bem do Instituto, da nossa Igreja e do mundo.
Roma, 04 junho de 2005

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