5 de março de 2019 CASA GERAL

?Sempre e em qualquer caso, as vítimas têm de ter prioridade?

O Ir. Emili Turú, ex-Superior Geral do Instituto, participou do encontro do Vaticano, de 21 a 24 de fevereiro, sobre a proteção dos menores. Foi convidado na qualidade de Secretário Geral da União dos Superiores Gerais, juntamente com vários Superiores Gerais, representando mais de 800.000 religiosos de todo o mundo.

O Ir. Emili nos conta suas impressões, logo após o encontro no Vaticano.

 

Quais foram as primeiras impressões?

Foi uma reunião muito bem preparada, com intervenções de alta qualidade. As pessoas que foram convidadas a oferecer suas reflexões vieram de todos os continentes e a maioria deles eram pensadores críticos. Palavras muito fortes e corajosas foram ouvidas na sala do Sínodo.

Recordo que em 2009 participei de um encontro organizado pela Universidade Gregoriana junto com a Santa Sé e para o qual foi convidado um bom número de bispos de todo o mundo. Dez anos mais tarde, creio que muito se fez: muito se ganhou em sensibilidade, em compreender a dimensão do fenómeno do abuso sexual, bem como em transparência e em estabelecer mecanismos de prestação de contas.

 

Algo em particular lhe chamou a atenção?

Fico sempre muito impressionado com as histórias das vítimas e sobreviventes. As suas vozes foram ouvidas ao longo do encontro, algumas gravadas, outras ao vivo. A tragédia que viveram recorda-lhes, inequivocamente, que sempre e em todo o caso, eles devem ter prioridade, não o abusador ou a instituição.

Suas vozes gritavam de alguma forma, dizendo "nunca mais" e exigindo espaços seguros para as crianças, começando pela Igreja.

 

Algumas pessoas que foram abusadas estão muito desapontadas com o encontro…

Têm todas as razões para pedir à hierarquia da Igreja que leve a sério esta questão e que atue com determinação e com medidas muito concretas. E entendo que algumas pessoas tinham expectativas que não foram cumpridas. Outros, porém, talvez porque no início não esperavam muito da reunião, dizem que ela excedeu as suas expectativas.

 

O que achas da reunião?

Penso que respondeu aos objetivos que tinham sido estabelecidos desde o início. É mais um passo, nem o primeiro nem o último, na luta para erradicar o abuso sexual, o abuso de poder e de consciência na Igreja, e para comprometer-se na defesa dos direitos das crianças.

A realidade da Igreja é muito diversa, como vi nos grupos de trabalho. E, visto que promover uma mudança de cultura em qualquer grupo humano é uma tarefa enorme, o mesmo acontece na Igreja. Quanto maior e mais diversificado for o grupo, mais complicada se torna a mudança cultural.

Pareceu-me claro que o Papa quer pôr todos os meios à sua disposição para que esta mudança ocorra, e em breve. E quis fazê-lo de modo colegial, chamando os presidentes das Conferências Episcopais e os representantes dos religiosos e religiosas.

Algumas pessoas disseram que este encontro seria um ponto de não retorno sobre como prevenir e lidar com os abusos na Igreja. Eu acredito, ao invés, que, há alguns anos, este caminho de não retorno foi empreendido e esta reunião é uma confirmação disso.

 

Acha que há resistência?

Acredito que alguns bispos – penso que poucos – refletem acriticamente o que acontece nas suas culturas de origem, quer negando que o abuso de crianças ocorre nos seus países, quer pensando que "os trapos sujos são lavados em casa". Mas parece-me que a grande maioria está bem consciente de que o problema é um problema social e universal e que devem ser utilizados todos os meios possíveis para prevenir e resolver de forma justa, quer se trate de casos do passado ou de situações que possam surgir atualmente.

Portanto, em relação aos princípios, existem grandes acordos. Mas, quando se passa à prática me parece que ainda há alguma resistência. Por exemplo, sobre o tema da transparência, quando o Cardeal Marx ou a jornalista Valentina Alazraki falaram, surgiram imediatamente alguns "sim, mas…"

Há resistências, muitas delas inconscientes, mas caminha adiante. Será preciso tempo para viver em profundidade todas as consequências das três palavras que centraram o encontro: responsabilidade, prestação de contas e transparência, mas percebi a vontade de avançar, começando pelo Papa.

 

E os religiosos e religiosas?

Na próxima Assembleia da União dos Superiores Gerais, no final de maio, abordaremos o tema, em continuidade com este encontro que acaba de terminar, para continuar caminhando juntos, como dissemos em nossa recente Declaração, e dar nossa contribuição para a erradicação deste flagelo social.

Acredito que muitas Congregações têm seus protocolos de proteção e campanhas de prevenção há anos, mas queremos estudar que tipo de resposta podemos dar ao forte apelo do Papa dado no final da reunião.

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