30 de outubro de 2006 REP. DEM. DO CONGO

?Amaram até o fim?

Enquanto estou almoçando, recebo uma chamada de TV3. A voz do jornalista parece familiar, esperançosa e inquisidora. Núria, uma antiga aluna de minhas aulas de filosofia de COU, quer saber informações sobre o assassinato dos quatro irmãos maristas espanhóis no campo de refugiados de Nyamirangwe (Bugobe, Zaire, hoje República Democrática do Congo). ?Não sei de nada?, lhe respondo. Tomo nota do seu número de telefone. Alguns minutos mais tarde recebo outro telefonema, confirmando a notícia da morte de Servando Mayor, de 44 anos, Miguel Angel Isla, de 53, Fernando de la Fuente, de 53, e Julio Rodríguez, de 40. Era 31 de outubro de 1996. Agora fazem 10 anos.

Dois anos antes, em 1994, aconteceu um terrível genocídio que produziu cerca de meio milhão de mortos. Milhares de pessoas da tribo hutu fujiram, sobretudo para o Congo (Zaire) e formaram campos de refugiados. Quatro irmãos desta etnia decidiram ajudar a essa gente. Posteriormente foram substituídos, pois suas vidas corriam perigo.

Os responsáveis da política internacional foram incapazes de agir para resolver a situação. A África não fazia parte das suas preocupações, porém a região era uma mina de pólvera, com crises sociais e políticas contínuas. Quando os 4 irmãos receberam o convite do Superior Geral Ir. Benito Arbués para partir para aquele local, visto o perigo que corriam suas vidas, suas respostas foram: ?Não podemos abandonar àqueles que já foram abandonados por todos. Todos os agentes de organizações internacionais foram embora e nesses dias estão chegando milhares de refugiados que fogem de outros lugares de guerra. Vamos coloborar para acolher-los.? Viveram profundamente suas missões sem buscar o martírio.

Os acontecimentos pioravam a situação, mas suas decisões permaneciam firmes: ?se você estivesse aqui, faria o mesmo que fazemos. Nossa decisão é de permancermos, se você nos deijxa. Nós quatro pensamos assim. Hoje podemos fugir, mas daqui a uns dias talvez não será mais possível… Da nossa parte, ficamos. Por hora não nos sentimos ameaçados; os únicos que podem nos provocar danos são os rebeldes que vêm, porém parece que respeitam aos brancos.?
A última mensagem de Servando foi: ?Todos partiram do campo de Nyamirangwe. Estamos sozinhos. Esperamos um ataque de um momento ao outro. Se hoje a tarde não telefonaremos, será um mau sinal. A zona está muito agitada. Os refugiados fogem sem saber para onde e talvez voltarão. Sabe-se da presença de infiltrados e de pessoas violentas. Ficamos aqui por que não queremos nos misturar com militares nem com grupos armados?.

A última vez que Servando esteve em España, antes de regressar para a África, a sua mãe lhe perguntou se realmente pensava que pudesse fazer algo por aquela pobre gente. A resposta foi clara: ?Porém, mãe, quando os refugiados nos vêem é como se vissem a Deus. Se nós não lhe ajudamos, ninguém lhes ajudará?.

Não se tratava de um heroísmo social, mas de uma profunda convicção de fé: ?Sinto que Deus me pede de continuar aqui?. Quando relembro o martírio destes quatro maristas, faço referência ao essencial. Suas biografias eram corriqueiras, em tal modo que nenhum escritor teria encontrado elementos para escrever um livro. Quando se arrisca, quando se põe em jogo a vida ou a morte, não existe subterfúgio possível. Eles fizeram assim. O sofrimento humano e sua fé profunda explicam suas decisões. Isto é uma lição para o nosso cristianismo descomprometido, visto que muitas discussões da Igreja são puros artifícios. Eles, e pessoas como eles, são o rosto genuíno da Igreja. São um estímulo e um desafio para todos nós, que recordamos o décimo aniversário de suas mortes. O título de um livro dedicado a eles resume de forma magnífica as suas vidas: ?amaram até o fim?.

Ir. Lluís Serra Llansana

ANTERIOR

Estudo do Secretário Geral da ONU...

PRÓXIMO

O catequista permaneceu 50 anos no mesmo luga...