Carta a Marcelino

Pe. Jean-Baptiste Pompallier

1836-06-10

O Pe. Pompallier escreve de Roma, para onde tinha sido chamado, a fim de receber instruções sobre a ação missionária na Oceânia, e para receber a consagração episcopal. Percebe-se felicidade, perplexidade e muito espírito de fé neste homem que, aos 35 anos de idade, se vê revestido de tão alta responsabilidade. Ao Pe. Champagnat ele descreve as suas emoções, revelando grande amizade e confiança. O Pe. Pompallier foi sagrado bispo, em Roma, no dia 30 de junho, na igreja da Imaculada Conceição, dos padres capuchinhos, na Praça Barberini.

Roma, 10 de junho de 1836.

Faz três semanas que cheguei a Roma; apresso-me, pois, em dar-vos algumas das minhas notícias. Se tivesse tempo, quantas coisas interessantes e proveitosas vos comunicaria. Estou, porém, muito ocupado e, provavelmente, dentro de dois meses regressarei à França. Então, com facilidade, poderemos entreter-nos por certo espaço de tempo.

A viagem foi muito boa, graças à proteção da Santíssima Virgem e à bondade de Deus. Ainda assim, entre Marselha e Gênova, no Mediterrâneo, enfrentamos tempestade das mais furiosas, das onze horas da noite às três da madrugada, embora sem perigo iminente. O bom Deus conservou sempre o meu coração na calma. O pensamento de que estava em perigo de morte, pela causa do seu santo nome, enchia a minha alma de consolação e força. A viagem durou apenas oito dias.

Chegado a Roma, não tardei em apresentar-me a Sua Eminência o Cardeal Prefeito da Propaganda, que me acolheu com satisfação e benquerença, destinando-me bom aposento no prédio da própria Propaganda. No terceiro dia da chegada, fui apresentado a Sua Santidade. Depois de beijar os pés do Papa e de receber a sua bênção, conversamos cerca de vinte minutos. Que felicidade, que grande felicidade ver o Vigário de Jesus Cristo. Que majestade na sua augusta pessoa, mas também que simplicidade, que bondade, que paternidade nesse ilustre sucessor de São Pedro.

Agradeci-lhe todos os favores concedidos à Sociedade de Maria, como me havia recomendado o Pe. superior, de Belley. Sua Santidade recomendou-se com instância às nossas orações dirigidas à augusta Mãe de Deus; antes de retirar-me, pedi-lhe a bênção para toda a pequena Sociedade; atendeu-me, pressuroso, e de modo pleno de cordialidade. As respeitosas considerações que fiz, recusando a consagração episcopal, não tive- ram efeito algum sobre Sua Eminência o cardeal prefeito da Propaganda e sobre Sua Santidade. Tanto um como outro pouco me escutaram. A resposta sempre foi que isto era necessário.

Desde os primeiros dias, o Cardeal enviou-me o alfaiate e os obreiros das coisas necessárias a um bispo. Ordenara-lhes que me tomassem as medidas; fez executar tudo à minha revelia, às custas da Propaganda. Agora, tenho prontas as librés todas da vítima que, sem tardar, vai ser oferecida a Jesus Cristo em colaboração da salvação dos povos da Oceânia.

Com antecipação, vejo todos os trabalhos, todos os perigos, todas as tribulações que nos aguardam nessas regiões longínquas. Esses pensamentos, longe de desconcertar-me, causam-me prazer. Sob o peso acabrunhante das dignidades que se aproximam, que felicidade que o bom Deus se tenha dignado lançar os olhares sobre o seu pobre servidor, para que participe em plenitude da melhor das bem-aventuranças, que é a de sofrer pela causa do seu santo nome e para arrancar as almas do inferno. Ah! parece-me ver já em espírito as almas desafortunadas da Polinésia estender-nos os braços, para nos impetrar os tesouros da salvação, o conhecimento e a posse do verdadeiro bem, que é somente Deus.

Todos os cardeais, que a cortesia ou o encargo me obrigaram a visitar, mostram muita benevolência para com essa missão e para com toda a Sociedade de Maria. Não ignorais que o breve pontifício de aprovação da Sociedade foi expedido. Devia chegar à França no tempo em que eu chegava a Roma. A razão da pronta expedição é que a Santa Sé deseja que os missionários partam com a possível brevidade. Que favor concedido à Sociedade! Reconhecimento eterno teremos à Santíssima Virgem e ao seu divino Filho.

Não vos falo das particularidades da minha viagem nem dos monumentos extraordinários de piedade que tive a consolação de visitar nesta cidade… seriam necessários volumes para tudo dizer. Ainda não sei nem o dia nem a semana em que se realizará a minha consagração. Quando souber, farei retiro de imediato.

Caríssimo padre, fico-vos muito agradecido pelo dom que me proporcionastes, assim como ao Irmão Mathieu, que muito se esmerou, em Lião, nos preparativos da minha viagem. Rezai muito por mim e fazei que rezem. Vedes a posição em que o Senhor me colocou.

Estou verdadeiramente sobrecarregado de ocupações e de relações concernentes à missão que o Senhor me deu. Não posso escrever logo a Valbenoîte. Por favor, procurai visitar todos esses caros confrades e dar-lhes as minhas novas, com o testemunho da minha mais sincera afeição. Recomendação de orações a todos os bons Irmãos.

As minhas considerações aos senhores párocos de Notre Dame e de Saint Pierre. Dai-me, quanto antes, as caras notícias vossas e as de todos eles.

Tenho a honra de ser, unido aos sagrados corações de Jesus e de Maria, caríssimo padre, o vosso muito humilde e muito obediente servidor POMPALLIER, vig. apost.

Edição: S. Marcelino Champagnat: Cartas recebidas. Ivo Strobino e Virgílio Balestro (org.) Ed. Champagnat, 2002

fonte: AFM 126.08

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