8 de agosto de 2011 BéLGICA

Empenhei-me no caminho dos Irmãos idosos

Ao chegar a Genval, faz doze anos, eu achava que a espiritualidade fosse uma maneira de viver a partir de uma ótica espiritual da vida. Desde então conscientizei-me de que a espiritualidade é também um modo de morrer. Descobri que o sentido dado à sua vida, os valores a que aderimos, como também a transcendência que nos religa a Deus, permitem aos religiosos de se definirem espiritualmente e isso vivendo o envelhecimento e se preparando para a morte. É essa evolução de meu pensamento que desejaria partilhar com vocês.

Aquilo que é espiritual suscita elã e dá uma perspectiva. Para além de uma piedade individual, de uma participação comunitária na oração, creio que, hoje, a espiritualidade de um Irmão idoso ou atingido pela doença, se traduz por seu engajamento na comunidade. Então, a xícara de café tomada juntos, a admiração pelo ambiente, o intercâmbio de um instante de felicidade, o agradecimento que se resume por um gesto, o olhar de humor ou o piscar de olho, são sinais de uma profunda espiritualidade. Quando Irmãos exprimem seu reconhecimento, sua alegria, quando seu olhar se ilumina ao evocar as lembranças de seus mestres, de seus coirmãos, de seus antigos alunos, de seus amigos ou famílias, isso traduz muito bem o sentido que deram à sua vida.

Confrontado com o envelhecimento ou a enfermidade, talvez o Irmão reencontre a mesma situação vivenciada no fechamento de uma escola: de um lado a impotência, e de outro a busca de culpáveis, ei-lo convidado a assumir a verdade, do contrário transforma a vida em azedume. Uma vez superada essa etapa, uma vez que a pessoa ou o paciente domina o luto, ei-lo em equilíbrio estável. Esse luto, às vezes, é penoso de vivê-lo quando se multiplica: o abandono de seu apostolado, de sua comunidade, de seus amigos, de seus antigos alunos, a morte dos membros de sua família… Uma vez dominada essa etapa de revolta-luto, o Irmão aceita suas novas limitações, sempre conservando ao máximo sua dignidade e independência. Então, toda pessoa ressuscita para a vida, quer seja idosa, deficiente, enferma, acamada, mesmo com seus dias contados.

Partindo dessa longa introdução, não é difícil ver o caminho que tive de percorrer. Deixando uma juventude muito ativa, abandonando um ritmo que amava, uma ordem que eu impunha, tive de aprender a me calar, a aceitar, a escutar, a estar presente, a rezar com e para… Dominar certa agitação, certo entusiasmo e, ao mesmo tempo, não ter mais fim de semana, feriado, férias! Gerir, criar um ambiente de qualidade. Seria necessário engajar-me junto aos novos coirmãos e sujeitar-me a uma recauchutagem, porque eu tinha minhas feridas, eu vivia desiludido no contato com os Irmãos idosos, inerte em relação à vontade de mudança, malsucedido em certas iniciativas… Era meu deserto, e não podia deixá-lo transparecer com o risco de arrastar os outros no declive do pessimismo. O equilíbrio encontrei-o principalmente na equipe de tratamento e na formação que eu recebia em sessões de qualidade, e também no afastamento momentâneo de meu trabalho ao me impor algumas férias.

Desde então podia avançar em pleno mar, era feliz… Estava na minha vocação de ajuda. Podia auxiliar os coirmãos nos caminhos sinuosos da integração numa casa de repouso e de cuidados, caminho pavimentado de incertezas, de negação, de agressividade, de regateio, de depressões… acompanhar um ou outro nos caminhos da demência progressiva, a linguagem da confusão, ouvir os sonhos… Acompanhar é como sair na noite escura, é preciso um tempo para se habituar a ver o caminho.

Eu podia sofrer com os que sofriam, passar horas assistindo os Irmãos na sua última viagem. Podia ser positivo na minha vida pessoal, nas minhas relações, e ficar otimista, podia superar-me.

Mas, acima de tudo, eu era livre para escutar, escutar ainda, e mais ainda, de noite e de dia. Levar esperança, mostrar que o Sol se levanta cada manhã, recordar os boas lembranças, despertar a fé num Deus que nos ama, para coirmãos de despertam compaixão.

Para que o religioso possa desabrochar psíquica e espiritualmente, estou convencido de que ele precisa, como toda pessoa, de um ambiente de qualidade para sua higiene, seu vestuário, a ordem no seu quarto… Plantas verdes, flores, música, movimento. Isso requer investimento, mas, sobretudo, doar-se.

É a hora em que a dúvida me invade, em que me choco contra a dureza da vida, contra sua injustiça e nossa fraqueza, quando a gente não sabe mais como agir, o que fazer. É então  que Deus me estende a mão. Ele me convida a uma oração profunda, me ajuda a dizer: “Nas tuas mãos, Pai, entrego tudo”. É essa mesma oração que eu recito com e pelo Irmão a quem vou fechar os olhos daqui a pouco. Gesto com o qual minha vida será iluminada.

Caminhos de planície, caminhos de montanha, caminhos que pedem uma esperança, um horizonte, caminhos que vivificam nossas desesperanças – eis os caminhos que quero seguir, porque fiz deles, simplesmente, minha vida.

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Ir. Marcel
Genval – Bélgica

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